Esta é a 34ª edição de OUÇA e LEIA,
onde você ouve uma historinha minha
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Olá, viajantes do Submarino Angolano
Aqui é Homero Ventura direto do Brasil!
A carreira de George Harrison nos Beatles
Começamos este projeto cobrindo as canções em que George foi apenas o vocalista principal de canções, nos anos de 1963 e 1964.
Estamos em meio ao Capítulo 2: O George Romântico, que teve canções em 63, 65, 66 e 69.
Parte 1: With The Beatles e HELP
Parte 2: Rubber Soul e Revolver
Agora, a
Parte 3: O último ano
Início de Old Brown Shoe
George flerta: "'Pareço ser imperfeito, meu amor é algo que você não pode rejeitar. Mudarei mais rápido do que o tempo se você e eu ficarmos juntos, quem sabe, baby, você pode me confortar "
Demo de George em janeiro de 69 a Billy Preston
George estava particularmente feliz com a canção que apresentou aos colegas naquele 27 de janeiro de 1969, no estúdio da Apple, para potencial inclusão no Get Back Project. Ele já estava 'de bem' com todo mundo após aqueles 10 dias de ausência (11 a 20 de janeiro) devido a desentendimentos pretéritos. Billy Preston já estava no grupo provendo teclados para as apresentações ao vivo que eles planejavam fazer, e foi a ele que George apresentou a canção, já que a havia composto ao piano, mesmo não sendo seu instrumento de preferência, ele admite que piano não era o seu forte. Nos Beatles, era Paul quem tinha o melhor piano, seguido de John, depois George, e lá atrás nosso querido Ringo com seus 3 acordes (ele até fez música se autogozando nesse aspecto).
Enfim, naquele 16º dia do projeto, foi Ringo quem mais batalhou para chegar ao desejado ritmo de sua bateria, quando ensaiaram um não registrado número de vezes aquele rock quase ska que George trouxera. John estava no baixo e Paul na guitarra. No 2º dia, aí sim contaram, e foram oito os ensaios, mas com John de volta à guitarra, Paul de volta ao baixo, o próprio George na guitarra e Billy no órgão. Ringo ainda tentou uma variação na bateria para aquele galopezinho gostoso de Get Back, mas retornou ao ritmo original e dele não mais largou. Houve mais um ensaio da canção no dia 29 mas, infelizmente, ela havia chegado muito tarde ao projeto.
Coisas do destino, Old Brown Shoe acabaria vindo à luz bem antes (11 meses!) da maioria das canções do Projeto Get Back, lançada em junho de 69 como Lado B de The Ballad Of John And Yoko, que foi o último single Beatle a alcançar o topo da parada inglesa.
No dia de seu aniversário, 25 de fevereiro, George fez uma demo já em Abbey Road, gravando, ele mesmo, voz, piano e duas guitarras em diferentes canais do equipamento de gravação. Ficou ótimo!
Outra demo, já em Abbey Road
Claro que uma bateria e backing vocal agregariam muito, mas ele mandou muito bem fazendo o papel do baixo nas cordas mais graves de sua guitarra, já seu solo nas notas mais agudas no verso instrumental melhoraria bastante nas gravações posteriores.
George trouxe uma letra bem elaborada, com três versos e duas pontes, tudo com letras diferentes, não decepcionando o 'Manual Beatles de Composição'. Aqui, ele volta com alguma influência oriental na letra, o que se observa pelo número de dualidades que agregou, povoando os três versos com seis opostos, vai contando: "right / wrong, up / down, short / long, smile / frown, love / hate, early / late", e conseguindo rimar muito bem. E além de dar indicações de que está se livrando do mundo material ("I'm stepping out from the old brown shoe") ou saindo das amarras do mundo ocidental (“got me escaping from the zoo") nas duas pontes.
Nos Versos 1 e 2, George tenta convencer a garota de que ela é a ideal pra ele, que pode levá-lo ao oposto do estágio em que ele se encontra, uma verdadeira mudança de 180 graus. Depois, entram as duas pontes, com melodias diferentes (e uma estonteante sequência de baixo), em que George faz suas promessas e termina ambas com a proposta "Who knows, baby, you may comfort me". Entre as duas pontes há o tal 'verso instrumental' onde George arrebenta com sua guitarra, e vem o 3º Verso, com os últimos dois opostos para conquistá-la, terminando do mesmo jeito, mas ele agora se coloca na frente da fila para conquistar o doce beijo da garota. Note as rimas em finais de versos. Brilhante!
De volta às gravações, a próxima sessão veio só em abril, no dia 16, em que George chegou mais cedo, gravou mais uma demo, e quando os demais três Beatles chegaram, já estava aquecido, e conduziu 4 takes, sendo os três finais bem sucedidos, indo até o final, com Paul no piano, John na guitarra base, Ringo na bateria, e George no vocal e na guitarra solo, cada um em um canal do equipamento de 8 canais. Notem a slide guitar de George durante a 1ª metade do verso instrumental, em destaque, e depois um ótimo solo nos últimos oito compassos! Falando nele, notem a mudança de ritmo da bateria, do ska dos versos para o rock padrão nas pontes.
Ao Take 4, George adicionou guitarra junto com Paul no baixo, especialmente aquela maravilhosa montanha russa subindo e descendo nas pontes, ponto marcante da gravação.
Trecho de baixo das pontes
Interessante que com isso, é apenas Paul que se ouve na introdução da canção, que tinha o piano da base, mais o baixo acrescentado! John e Paul acrescentaram vocais de apoio, junto com George ao microfone repetidas vezes nas duas pontes, especialmente no trecho "Who knows baby, you may comfort me...,", até chegar à perfeição que ouvimos no final. Notem também um "Hey" após as pontes, que é gritado por Paul. Tudo aparentemente terminado, entretanto, George achou que podia melhorar, e voltou dois dias depois para acrescentar mais guitarra, desta vez 'inchada' por uma dobra automática e por um Leslie Speaker. Uma coisa mais aconteceu naquele dia: a guitarra de John foi apagada por um órgão Hammond tocado por George, na mesma faixa, e se ouve-o bem nas pontes e no verso final e conclusão. George era o dono da canção, podia fazer o que quisesse, e fez. Então, a única participação de John em Old Brown Shoe foi seu vocal de apoio... Como compensação, na extensa conclusão, aquele "Doo-Da Doo-DaDa" foi puxado por ele e harmonizado por Paul. Em que pese o climão daqueles tempos, Old Brown Shoe foi gravada com muita vontade por todos.
Claro que os Beatles nunca a tocaram ao vivo, mas felizmente seu autor George se lembrou dela no último de seus poucos shows ao vivo na carreira solo, no Japão.
Old Brown Shoe ao vivo no Japão.
Início de Something
George se declara: "Alguma coisa em seu jeito de andar me atrai como nenhuma outra. Alguma coisa no jeito como ela me seduz. Eu não quero deixá-la agora. Você sabe o quanto eu acredito"
O maior momento de George no disco Abbey Road veio logo na segunda canção e é o maior momento de George em sua carreira Beatle. Trata-se de 'alguma coisa' especial, ou 'Something' special. Tão especial que mereceu um lançamento em Lado A de single Beatle, deixando a ótima 'Come Together' no Lado B, e John não reclamou nem um instante. Foi a primeira e última ocorrência deste tipo na história dos Beatles. Trata-se de uma das mais regravadas canções Beatle (perdendo apenas para 'Yesterday'), inclusive foi gravada pelo Rei Elvis e o grande Frank Sinatra. Este último elegeu 'Something' como a mais bela canção de amor de todos os tempos! E olha que o 'old blue eyes' entendia do assunto. E, cá entre nós, ela merece a alcunha: Olha só o começo da canção 'Something in the way she moves attracts me like no other lover, something in the way she wooes me...' Eu me arrepio ao escrever este trecho da letra, aliás, adoro o verbo woo, que é onomatopaico do flerte vocal.
É George falando para Pattie, sua então esposa, e inspiração desde 1964. À época, o George estava numa de dizer que toda canção dele era falando com Deus, e disse que Something era uma delas. Ah SAI PRA LÁ!! Vou destacar algumas partes da letra "the way SHE moves", "the way SHE wooes", "Somewhere in HER smile SHE knows", "Something in HER style", "I don't want to leave HER now", "Something in the way SHE knows", "And all I have to do is think of HER". Ora, vá plantar batatas! Quer me enganar que conversava com Deus? Aliás, se fosse uma conversa com Deus, por que ele aceitou fazer aquele filme promocional, lindo, com os quatros casais Beatles em ternas imagens, incluindo edição, mostrando Pattie andando, Pattie olhando e Pattie sorrindo?
A melodia de 'Something' é linda, suave, triste, a gente se arrepia já na introdução, de bateria e guitarra, o solo de guitarra de George no meio da canção é o mais lindo da história do rock, e na hora da ponte "You're asking me will my love grow, I don't know, I-I-I don't know!', a bateria de Ringo é inesquecível.
Destaque para a bateria de Ringo.
Ela já estava iniciada em setembro de 68, quando apareceu no estúdio assim como quem não queria nada, quando George a cantou para Chris Thomas, e o engenheiro se impressionou, e sugeriu que gravasse. George perguntou: 'Você acha boa mesmo?', veja só! E ele pensou em dar para um outro gravar, um certo Jackie Lomax, artista novo da Apple, mas ele escolheu outra, veja só! E ele a deu para Joe Cocker que aceitou, mas felizmente, atrasou o lançamento para o final do ano e nesse meio tempo, George finalmente ganhou confiança para gravá-la com os Beatles, e deu no que deu! Insegurança, teu nome é George Harrison!
Depois ele escreveu outro verso e a melodia da ponte, e levou para as sessões do Projeto Get Back, em janeiro de 1969, e pede sugestões de letra, e John sugere as linhas que seriam a finalização de todos os versos: "I don't want to leave her now, You know I believe and how". Incrível, não? Bem, poderia então ser uma Harrison/Lennon, mas não foi o caso. John também aconselhou que colocasse qualquer palavra num trecho em que estava faltando... o “attracts me like ...” ‘a cauliflower’ ou seja, uma couve-flor... Esse era o John.
Sugestão de John sobra a couve-flor
Apenas um mês depois, em 25 de fevereiro, ocorreu o primeiro dia oficial de gravação, no formato demo, apenas George e sua guitarra, várias, e também piano. Uma parte dessa sessão sobreviveu e foi lançada no Anthology 3.
Trecho de Something do Anthology 3
Em abril, houve uma sessão estranha, sem a presença de Ringo, Paul tocou bateria e John o baixo, foram 13 takes, todos jogados fora. Tudo recomeçou, do zero, em 2 de maio, e então foram 36 takes, o último válido, com a base com John ao Piano, George nas duas guitarras, Paul no baixo, e Ringo na bateria.
Trecho de Something antes de overdubs
Três dias depois, a sessão foi no Olympic Studios, e foram somente dois overdubs, George na guitarra e Paul no baixo, mas, num sentido inverso do que se espera na evolução de uma canção, ele passa de uma tocada mais burilada, para uma mais simples ao final, a pedido de George, que não queria porque não queria que o baixo tivesse destaque em sua canção. Coisas daquela época...
Quase dois meses se passaram, e apenas nesse tempo foi decidido que um novo álbum seria gravado. Dia 1º de julho, recomeçaram as gravações, e no dia 11, Something estava de volta! George gravou seu vocal e Billy Preston apareceu para brilhar com seu órgão. Nesse ponto, decidiu-se que o piano de John seria eliminado da versão final. E ele não mais voltou. Não existe John em Something!! Paul gravou um piano depois. Após uma mixagem no começo de agosto, George percebeu que uma 'orquestrazinha' ia bem! Que bela decisão! Encomendou o arranjo a seu xará Martin e, no dia 15, aquele magnífico som veio ao mundo!
Something orquestral, by George Martin (arrepiante)
E não só da canção de George, mas de outras quatro, incluindo a outra dele, Here Comes The Sun. E foi uma extensa sessão com muitas horas extras pagas aos músicos, e improvisações para fazer com o gravador de oito canais de um estúdio fosse conectado com o Estúdio 1, aquele enorme, que não dispunha do console! Claro que deu tudo certo.
Entretanto, o mais marcante dessa já marcante sessão, é que George resolveu refazer o seu solo, sim, aquele magnífico solo de guitarra, o mais fenomenal solo romântico da história do rock. Só que.... não havia mais espaço na fita. O último canal tinha que ser o mesmo da orquestra. Ele teria que tocá-lo ao vivo, e sem falhas, para não vazar sons indesejáveis para os outros microfones! Ao ser colocado sobre o problema, George não teve dúvidas: "I'll do it!".
E olha o que ele fez, ouve o que ele fez, sente o que ele fez!!!
Um perfeito Gran Finale para uma grande canção!!
Enfim, uma grande bola dentro de George. A melhor de todas, em minha opinião! E o mundo assim o percebeu. George a tocou em dois dos poucos shows que fez ao vivo em sua carreira solo, Concerto para Bangladesh, e Live in Japan, vocês podem encontrar facilmente. E podem encontrar também no Concert for George, com Paul no ukulele, e depois o arranjo completo, com Eric Clapton cantando, e com Ringo na bateria! Sensacional!
Something do Concert for George no Albert Hall
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