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segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Cantando no Terraço

No dia 30 de janeiro de 1969, os Beatles se reuniram para aquela que seria a última apresentação ao vivo da banda mais famosa de todos os tempos. E, como tudo que é beatle, tinha que ser diferente: ela aconteceu no terraço de um edifício, em meio a caixas d'água, torres de calefação, casa de máquinas de elevador, enfim, um local ‘bem’ apropriado! Lá se vão 40 anos!!
Tecnicamente, a apresentação não foi considerada como um concerto, pois havia umas poucas dezenas de técnicos e uns poucos parentes vendo E ouvindo a banda. Já o número de apenas ouvintes foi bem maior, mas nunca foi calculado. Então, o último concerto ainda continua sendo o show de San Francisco, em agosto de 1966, quando eles deram um basta à bagunça, e decidiram dedicar-se apenas aos estúdios, o que, aliás, acabou por propiciar ao mundo, como resultado de seu primeiro confinamento, aquele que seria o disco mais famoso da história do rock, 'Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band....'.
Depois, vieram 'Magical Mistery Tour', com direito a filme doidão e tudo, a viagem à Índia, o fantástico 'Album Branco', e depois acharam que era hora de tentar uma coisa mais pueril, menos produzida, e resolveram tentar voltar um pouco às origens. Permitiriam poucos recurso de estúdio, exigiriam o mínimo de mixagem invevitável, pretendendo deixar a coisa o mais parecida possível com uma apresentação ao vivo. Queriam tanto essa simplicidade que dispensaram a ajuda do genial George Martin, que os acompanhara desde o início da carreira oficial, dando vazão aos anseios do grupo. Ele materializava as ideias meio doidas que eles tinham em realidade, certo de que lidava com gênios que precisavam ter seus desejos atendidos, por mais estranhos que parecessem, afinal, tudo (ou quase tudo) que tocavam, transformava-se em ouro. Deram ao projeto o nome 'Get Back', claro recado de que estavam fazendo uma viagem no tempo, uma busca às suas raízes.
E foi assim que se trancafiaram nos estúdios a Apple, no porão da Saville Row número 3, durante o inverno, para ensaiar muitas novas Lennon/McCartney, poucas novas Harrison e nenhuma nova Starkey (para variar). Chamaram para algumas das sessões um novo instrumentista, um certo Billy Preston, amigo de George. Como iam tocar com poucos recursos de estúdio, por opção, não poderiam dispensar a presença de um teclado, coisa então comum em apresentações ao vivo. Billy provou então, do gosto em tocar junto a ícones de sua geração, o que o deixou sorridente e agradecido para o resto de sua vida, que terminou em 2006. Depois daquilo, ao longo de sua carreira, ele tocou com muitos dos maiores artistas do ‘showbiz’, incluindo Rolling Stones, Little Richard, Elton John, Eric Clapton, Bob Dylan, Aretha Franklin e outros. Esteve presente no antológico 'Concert For George', registrado em um dos melhores DVDs de todos os tempos, em que cantou 'My Sweet Lord', de Harrison, entre outras. Billy Preston foi o único não-beatle a receber direitos por participação em músicas beatle; os demais músicos que aparecem em canções beatle eram pagos como músicos contratados.
Billy testemunhou, então, o que pode ser considerado 'O Começo Do Fim' dos Beatles. Alguns dizem que tudo começou bem antes, em 1967, com a morte por overdose de tranquilizantes, do empresário deles Brian Epstein, que mantinha a coesão do grupo. Com sua partida, Paul assumiu, de fato, mas não de direito, a condição de líder, já que tinha um pouco mais de tino comercial que John, mas nada tão brilhante assim. O fato é que partiram de Paul as principais ideias a partir daí, o que começou a gerar uma certa ciumeira dos demais. Outra corrente acredita que tudo começou com a chegada de Yoko à vida de John. Apesar de se tratar de um grande caso de amor, o maior da história do rock, não há dúvida de que a presença de Yoko foi um fato absurdamente desagregador. John estava obcecado por ela, e queria sempre sua presença por perto. E ela vinha, e dava palpites, e até sua voz apareceu em destaque na canção ‘Hey Bungallow Bill’, do Álbum Branco. Ela vinha a muitas sessões de gravação, inclusive quando estava doente: numa certa ocasião, após um aborto não desejado, John alugou uma cama de hospital e instalou-a nos estúdios da Abbey Road. Pode?
Então, tenha-se ou não a exata noção de quando começou a acabar, o fato é que o projeto Get Back deixou claro que a convivência estava começando a ficar difícil. As sessões até que transcorriam bem, havia alguns momentos do velho bom humor e camaradagem, mas vez por outra, uma observação mais rígida de um levava a uma resposta mais ríspida de outro. Mormente, o ‘um’ citado era o Paul, que se sentia o ‘dono’ do grupo, e principalmente da idéia do projeto, e o ‘outro’ era qualquer um dos outros três. Como as sessões foram todas gravadas em filme, dá para sentir o clima pesado, e a boa vontade como os outros recebiam Yoko e seus palpites. Em um dos momentos, registrou-se uma daquelas trocas de amabilidades, entre Paul e George, que interpretava uma certa opinião daquele como uma intromissão inaceitável no seu modo de ‘pilotar’ a guitarra. A desavença foi mantida na edição final do filme ‘Let It Be’, que existe hoje nas mãos de uns poucos, enquanto o mundo beatlemaníaco aguarda ansiosamente sua edição em DVD.
O grupo precisava calibrar o que vinha sendo ensaiado intramuros com uma execução ao vivo. Algumas sugestões foram discutidas, a maioria esbarrando na inviabilidade de se ter os Beatles aparecendo em qualquer lugar para tocar, assim, do nada, afinal, causaria um tumulto inaceitável. Foi quando Paul, sempre ele, veio com a pergunta: “Por que não pegamos a tralha toda e tocamos no terraço do edifício?” Por mais estranha que a sugestão pudesse parecer, ela foi imediatamente aceita (lembrem-se do toque de Midas acima mencionado), os membros da produção foram atrás do que era necessário. Devido ao frio e vento que eram esperados, eles foram a lojas de departamentos para comprar meias de mulher, para cobrir os microfones e diminuir o efeito do vento. O interessante foi responder ao balconista que perguntara sobre o tamanho de meia que desejavam, e ouvir como resposta: “Tanto faz!”.
Beatles agasalhados, cenário montado, som testado, começou o show. Aos primeiros acordes, as pessoas que caminhavam nas antes calmas ruas da vizinhança começaram a olhar para o alto (É um pássaro? É um avião?), outras começaram a pipocar nas janelas dos edifícios vizinhos, logo identificaram as vozes e o som, apesar de pouquíssimos terem anteriormente ouvido, e a notícia se espalhou: os Beatles estão tocando no terraço do edifício! E são músicas novas! O que significa isso? Em seguida, outros telhados de edifícios foram sendo povoados, as ruas começaram a ficar cheias de pedestres, e de carros parados, e a notícia do tumulto chegou à delegacia de polícia. Cerca de 35 minutos depois de começado o show, os policiais  chegavam ao terraço, enquanto Paul cantava ‘Get Back’ pela terceira vez, e lançou aquele sorriso, como que pensando: ‘Yes, we did it!!!’. Os policiais informaram que aquilo não poderia continuar e chegaram a desligar o amplificador de George, que foi lá, irritado, e ligou de novo. Finda a canção, Paul brincou: “Ah, meninos levados, tocando mais uma vez no terraço, deste jeito vocês vão acabar na cadeia!!!”
Foram 42 minutos de gravação, tudo registrado em filme e fitas. Foram cinco canções, todas Lennon/McCartney. Entre elas, as famosas ‘Get Back’ de Paul ‘Don´t Let Me Down’ de John que forma lançadas em compacto. As demais, ‘Dig a Pony’, ‘I’ve Got A Feeling’ e ‘One After 909’ foram deixadas para o que seria o LP  ‘Get Back’. Aquela tal de ‘One After 909’, pouco conhecida, era uma composição antiga da época do começo da dupla, em 1957, felizmente revivida, pois é ótima. 
Entretanto, apesar de todo o esforço, o projeto Get Back, como um todo, foi considerado de qualidade insuficiente para um lançamento beatle. Haviam inclusive tirado a foto da capa do álbum, com os quatro Beatles na mesma posição da foto que tiraram para seu primeiro álbum, ‘Please Please Me’, de 1963, na escadaria da EMI. Felizmente, a foto foi aproveitada no lançamento das coletâneas Vermelha e Azul, em meados da década de 1970. Somente depois do fim dos Beatles, o trabalho foi compilado e lançado no álbum ‘Let It Be’.
De qualquer forma, o desempenho dos rapazes naqueles pouco mais de 40 minutos foi perfeito, mandaram muito bem, até repetiram algumas canções, mas tudo deu maravilhosamente certo, até mesmo o gran finale, com a entrada da polícia, era tudo o que eles queriam. Felizmente, foi registrado para a posteridade, com todos os detalhes, inclusive com o fechamento irônico de John:

Em nome do grupo, obrigado a todos,
e espero que tenhamos passado no teste!”

Como se eles precisassem disso!

3 comentários:

  1. Como falar sobre isso? Vou tentar. Que fique claro que estou apenas especulando visto ser impossível ter certeza. Mas todos os comentários a respeito desta época dos Beatles são especulações porque ninguém sabe nada mesmo. So que a grande maioria afirma. Eu nao afirmo nada.

    Não imagino Paul se assumindo como Lider da banda. Homero discorda rs rs rs. Ele acha que Paul assumiu, de fato, mas não de direito, a condição de líder, já que tinha um pouco mais de tino comercial que John, mas nada tão brilhante assim.

    Creio que aqui vai depender também do conceito da palavra lider. Lideres lideram. Vão na frente, respondem pelos outros, decidem pelos outros. Paul nunca liderou nada. Tanto que contrataram um empresário contra sua vontade. Que líder é esse sem poder de liderança? Para mim, o que acontecia, e tenho como base informações que vi de Paul e também de Ringo, é que, Paul achou, equivocadamente, que não precisavam de novo empresário para ocupar o lugar de Brian. E que eles já saberiam cuidar de suas vidas. O desejo deles era todos na liderança. Mas, lá dentrinho dele havia algo de ditador sim. Que nem meu pai. Eu já disse em outro lugar que Paul se parece muito com meu pai. Muito mesmo. E como meu pai tinha algo de ditador, penso que Paul também tinha. Só que , o seu desejo era que todos tivessem sua função na Apple. Ele costumava decidir por eles...mas perguntava se estavam de acordo. "George vai lavar os banheiros, aceita?" Quando George respondia que preferia cuidar do templo para meditação, Paul concordava. (Claro que estou criando exemplos de brncadeira). Enfim, não era um ditador de verdade. Muito menos lider.
    Meu pai viajando com seu grupo musical. Descem numa parada de ônibus para almoçar. Ele escolhe a mesa e marca onde cada um tomará assento. }"Nivaldo senta aqui, Clarice aqui, Ducho aqui..." E mnha mãe...}" Hermes, deixe que cada um escolha seu lugar... Que mania de ditador é essa?"
    Enfim, Paul acreditou que daria certo assim. Nâo se sentia lider. Era o que tinha maior senso comercial, de divulgação...e o mais cheio de ideias brilhantes. Natural expo-las aos demais. Mas ninguém era obrigado a seguir suas sugestões e ele ainda queria que todos dessem suas próprias sugestões. Paul sempre gostou de trabalhar. John gostava um pouco...mas preferia repousar. Eu sei como é, eu me pareço com John.
    Só que Paul não sabia tanto assim como imaginava saber. Que nem eu quando achei que saberia ler um texto em francês.
    1959. Primeira aula de frances. Achei facillimo. Quando a professor perguntar quem gostaria de ler o texto eu levantei o braço. E gaguejei o tempo todo. Parecia fácil, mas não era. Continuo em outro box.

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  2. Lembro daquela entrevista que li ainda em 67 na Music Echo. Perguntaram se tinham algum empresário em vista. E Paul respondeu que Brian era insubstituível e que eles não mais precisavam de empresários Já eram adultos ( eram pré adoslecentes, na verdade!) e todos já sabiam cuidar de suas próprias vidas e do destino dos Beatles. Não sabiam. Mas veja que ele respondeu no plural. Todos saberiam como cuidar da banda. Ele não se posicionou como líder em nenhum momento naquela entrevista. Mas os outro ficavam na moleza...ele tinha de tomar a frente...chamando pelos outros.

    Ringo disse recentemente que ficavam esperando Paul ligar para saber o que teriam a fazer. E Paul ligava. "Sem ele os Beatles teriam se separado muito antes..." Disse isso agradecido. Sem Paul não teria existido Abbey Road. Isso porque, algumas vezes, eles davam valor ao que Paul fazia, se levantavam de suas poltronas e corriam para o estúdio. Chegando lá todos cumpriam sua função.
    Mas sobre a Apple a coisa complicou. Porque Paul cometeu outro erro...Tudo bem dar sugestões ( e ouvir sugestões) num estúdio de gravação. Tudo mal quando se tratava de business. Nenhum deles era de fato bom nisso. Eam artistas. E fazia parte da banda. Nunca um membro de uma banda pode fazer às vezes de empresário. Acontece o que aconteceu. Paul tinha de tomar atitudes visto que estavam falindo. Mas vindo de um companheiro, não era levado a sério e ainda se aborreciam. Começaram a chama-lo de mandão. E por isso não o ouviam. O que prova que nunca foi lider.
    Eu vi isso acontecer com o grupo de meu pai. Ele era o empresário. Ele não fazia parte musicalmente falando. Era ouvido e obedecido. Assim que faleceu minha mãe ocupou seu lugar. Só que era cantora do grupo. Nunca prestaram atenção ao que falava. O grupo começou a decair, a piorar demais! Ao ponto que nem mais sabiam cantar direito o que sempre tinham cantado. Ela não tinha força suficiente para manter o grupo. Ainda fizeram algumas boas apresentações, mas foi um horror quando tiveram de cantar para a Rede Vida. E no show na praça...foi vexame. Também não se apresentavam há cinco anos! Ela tomou a decisão de recomeçar. E queria que eu liderasse. Ai, ai, ai. Eu até comecei, consegui chamar todos ainda existentes para ensaio, mas logo um deles resolveu que seria ditador. Muito forte, falando muito alto, tomou mesmo a frente e sendo cantor. Nem todos gostaram, uma delas saiu por causa disso, meu irmão também não gostou...enfim, o grupo acabou de vez. Mas pelo menos minha mãe cantou quase até morreri. Ainda participou de um CD lançado em 2010. Ela com 90 anos. Brigaram muito, foi uma batalha de ego fenomenal, mas ela ficava tão sorridente cantando na cadeira de rodas que valeu. Por ela. Pela música...foi um assassinato das nossas tradições. A propósito, ela ainda cantava para visitantes na cama do hospital perto de falecer aos 93. Minha cantora favorita: Josefina de Paula. Termino em outro box.


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  3. Paul percebe que estão perdendo dinheiro. John gasta excessivamente...todos exageram, fazem festas todas as noites. John leva pessoas sem teto para dentro da Apple...George convida os Anjos do Inferno que passam mais de mês morando lá dentro. Uma loucura. George se arrepende, mas não sabe o que fazer. Eles só saem quando resolvem sair. "George nos convidou, diziam". Quase comeram sozinhos o jantar do Natal daquele ano. Paul tinha mesmo de falar que não estava certo. John o acusa de estar traindo os seus ideias, que estava sendo corrompido pelo capitalismo... Nada a ver. Mas serviu para ele acordar. hora de reconhecer não ser capacitado para aquilo. Acha que todos vem buscar um empresário. Não encontram.
    É então que aparece a sugestão, talvez dada por Linda, não sei ao certo, de contratarem o Mr. Estman mais o filho dele. Enfim, o pai e o irmão de Linda. Pois aceitam. Afinal o futuro sogro de Paul era expert em lidar com dinheiro e empresário de vários artistas em Nova York.
    Só que John dá uma entrevista para a Ray Coleman de Disc and Music Echo. Conta que estavam que a Apple era um saco sem fundo. Que em bre4ve abririam falência. Bem aquilo que Paul tinha dito a ele. Allen Klein leu a entrevista. "Oba, tá pra mim", teria dito. Visto que Paul não era lider mesmo, ele procurou John...e Yoko! Todos sabem o resto da história. Klein foi contratado sem que os outros soubessem. Ringo e Goerge concordaram. Paul discordou. Nunca o reconheceu como empresário. E foi acusado de ser contra apenas porque queria os 'in laws'. Tem gente que ainda acha assim. Mas o tempo provou que Paul estava certo. Todos reconheceram o erro ao confiarem no Klein. E tudo isso porque Yoko o tinha escolhido. Sim, foi ela quem o escolheu. E John a obedecia cegamente. Isso é um fato.

    Times of Troubles. Sendo Beatles conseguiam fazer maravilhas no meio do caos. E uma das maravilhas foi exatamente este concerto no telhado que Homero aqui nos relembra. Para mim foi devidamente um concerto. Não foi apenas para parentes não...E aquele mundo de gente lá na rua olhando para cima? Como esquece-los? Estão bem documentados. E aquele senhor de chapeu e guarda chuva subindo pela escada de incêndio? E toda aquela vizinhança que ligou para a polícia? Eles, mesmo sem gostar, tiveram de ouvir tudo. Não foi apenas um concerto Foi o mais importanto concerto musical da nossa História. Aha, eu não deixo por menos.
    E quem é aquele jovem de cabeça redondinha que abre a porta para deixar a polícia entrar? Alguém sabe quem é ele? Tenho vontade de saber porque eu o conheci. Conversei com ele umas três vezes na porta da Apple. Foi para ele que deixei meu racado de amor para The Beatles.
    Detalhe: não foram os primeiros a cantar no telhado. Jefferson Airplane parece ter sido os primeiros. Li uma vez que tocaram apenas uma música. Ms também li que tocaram por mais de 40 minutos. Como no caso dos Beatles, a polícia apareceu. Nâo sei qual história é a verdadeira. Parece que Roberto Carlos também tocou no telhado para um filme...antes dos Beatles. Confirma?
    Mas foram os Beatles que revolucionaram porque há anos não tocavam ao vivo ...e assim de graça! Até hoje não sei de quem foi a idéia. Vai ver que foi de Ringo!

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