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domingo, 3 de abril de 2022

OUÇA e LEIA While My Guitar Gently Weeps

 Esta é a 12ª edição de OUÇA e LEIA


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E siga lendo o texto abaixo!

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Olá, viajantes do Submarino Angolano, aqui é Homero Ventura, direto do Brasil


Quando a guitarra chorou!

O ano de 1968 foi especial para George Harrison. Foi o ano em que ele mais lançou canções durante a curta vida dos Beatles.

Foram 4 canções no único álbum do ano, o assim chamado Álbum Branco, mais uma em fevereiro, com a primeira presença do compositor num compacto dos Beatles, com The Inner Light fazendo o Lado B de Lady Madonna.

Trecho de The Inner Light

The Inner Lightfoi a última canção da fase indiana do guitarrista, após Love You To em 66 e Within You Without You, em 67. A primeira aparição daquela sonoridade foi a incrível cítara de Norwegian Wood, que espantara o mundo em 65, abrindo o caminho para a música indiana, mas em uma canção de John.

Riff de cítara de Norwegion Wood

Depois de The Inner Light, nunca mais se ouviria com destaque aquele instrumento em canções dos Beatles, e nem o batuque abafado das tablas, ou o impressionante zumbido de besouro dos tambouras ao fundo das canções ...

Trecho de Love You To com tamboura, tabla e cítara

… e nem o lindo som de harpa de um swarmandal, que esteve presente nos finais de refrões em Strawberry Fields Forever,

Swarmandal em Strawberry Fields Forever

No Álbum Branco, George lançou Piggies, uma canção sátira barroca com um maravilhoso cravo Piggies 

Trecho de Piggies

… e Long Long Looooong, uma leeenta canção em que conversava com Deus,

Trecho de Long Long Long

mas a imprensa celebrou mesmo foi a volta da guitarra como foco do guitarrista solo dos Beatles, especialmente em Savoy Truffle, também sátira, reclamando da profilaxia dental de seu amigo Eric Clapton.

E que volta foi aquela, que rock espetacular, a guitarra está realmente ótima, mas o destaque absoluto é para os metais, fazendo a gente balançar a cabeça do começo ao fim...

Trecho de Savoy Truffle com metais 

… mas foi em outra canção daquele álbum que a guitarra literalmente chorou, e foi Eric Clapton quem a fez chorar, e é sobre essa canção que falaremos agora….


While My Guitar Gently Weeps  (de George Harrison)


George expõe: ''Eu olho vocês todos, vejo o amor que aí dorme, enquanto minha guitarra suavemente chora"

A desilusão com as pessoas e a contemplação do estado das coisas são o cerne da canção. A decepção é direcionada a pessoas em geral mas, no particular, certamente a seus próprios companheiros John e Paul, que ele sentia terem voltado da Índia meio que afastados de seu guitarrista, estavam assim-assim com a experiência que tiveram, achando que foi meio perda de tempo, e George os critica por não terem captado o âmago das mensagens, e aproveitado para crescerem como pessoas.

A contemplação está nos versos (que são dois), e a desilusão está nas pontes (que são duas).

Nos versos, George observa ("I look") e nota ("I see" e "I notice"), e conclui com um conselho, que devemos aprender com os próprios erros ("With every mistake we must surely be learning").

Nas pontes, George lamenta (“Não sei por que ninguém te disse”), acusando as ´pessoas' de terem se pervertido e desviado do caminho, e conclui “Ninguém te alertou”.

O Verso 1 é repetido, em parte, na conclusão, quando George olha para todos e vê o amor hibernando, enquanto sua guitarra suavemente chora. É lindo demais! Aquela criação mostrava como George crescera como compositor, abrindo caminho para outras duas obras-primas que viriam no ano seguinte,

Something

Trecho de Something

e Here Comes The Sun.

Trecho Here Comes The Sun

Mas agora, vamos aos detalhes da gravação!

A canção, embora não tenha sido criada durante o retiro na Índia, foi apresentada por George em sua casa, em Esher, no final de maio, juntamente com outras que ele, John e Paul trouxeram de lá. Na demo, que tinha letra levemente diferente, ele a tocou em seu violão em lindo e acelerado dedilhado.

Trecho da Demo de Esher

Apenas no final de julho, aconteceram os primeiros dois Takes, na EMI, apenas com George e Paul presentes, com este último num harmônio. Era opinião de todos que aquela versão apenas acústica estava linda o suficiente para ver a luz do sol na edição final, aliás, como acústicas também ficaram Blackbird de Paul, e Julia, de John.

Bem, mais tarde naquele dia, os outros dois Beatles chegaram e começaram a ensaiar uma versão banda, e o fizeram até a madrugada do dia seguinte. Só em meados de agosto, George decidiu que a versão final teria a presença de todos.

Felizmente, um take acústico daquele dia alcançou o estrelato merecido, quase meio século depois, quando inclusive ganhou um vídeo-clipe maravilhoso, voltaremos a ele mais adiante.

Take acústico, do Angology III

Então, em agosto, numa longa sessão, 14 takes aconteceram, com George na guitarra, Paul no baixo, John no órgão e Ringo na Bateria, um em cada faixa da fita, reduzida ao final no Take 15, abrindo duas faixas para acréscimos futuros.

E quase outro mês se passou….

O 3 de setembro viu a primeira sessão de um gravador de 8 faixas nos estúdios de Abbey Road. Naquele dia, foi apenas George, usando duas faixas para seu vocal e outra para a guitarra da sessão solo, mas tentando fazer sua guitarra chorar, como dizia a letra. Ele até tentou aquela técnica de gravação reversa, mas não funcionou.

O dia 5 viu a volta de Ringo, vendo sua bateria recheada de flores, depois de ter abandonado a banda durante a gravação de Back In The USSR, e preencheram as faixas com um monte de coisas, tanto que a bateria ficou inaudível! George levou a fita pra casa, ouviu, reouviu e disse: "PARA TUDO!" E jogou tudo no lixo, e decidiu começar tudo do zero! Tanto que aquele dia 5 nem foi considerado como um dia de gravação, e o Take válido era ainda o 16.

No dia 6, entretanto, George pegou carona para o estúdio com seu amigo Eric Clapton, que morava perto dele, e no meio do trajeto, conversando sobre a dificuldade de fazer sua guitarra chorar, ele o chamou para tocar na canção, ao que ele respondeu: "QUEM, EU? TOCAR COM OS BEATLES?".

Não que ele não fosse já famoso, estava dissolvendo a banda CREAM...

Trecho de Sunshine of Your Love, de Cream 

. e até já era considerado  DEUS da guitarra, mas Beatles, como se diz hoje, era OUTRO PATAMAR. Então, ele deixou George no estúdio, e somente apareceu no meio da sessão. Nesse meio tempo, os quatro Beatles já estavam firmes, com George no Violão, John na guitarra, Paul no órgão e Ringo na bateria. Segundo George, o clima, entretanto, estava ruim, com seus amigos se esforçando pouco, mas quando Eric chegou, o ambiente mudou, todos ficaram animados, inclusive Paul assumiu o piano e criou ali mesmo aquela introdução maravilhosa que ouvimos até hoje, como que retribuindo, a George, o que John fizera por ele com Ob-la-di Ob-la-da...

Piano introdutório de Obladi Oblada,

… e Ringo arrebentou no hi-hat (o chimbal), e depois no pandeiro.

Então, naquele dia, foram 28 takes, não se sabe quantos com a presença do convidado ilustre. Eric Clapton fez ali um dos mais cultuados solos de guitarra de sua carreira, sua guitarra realmente chorava, com o preciso uso da alavanca.

Solo de Eric Clapton 

Além da sessão solo, a guitarra 'conversa' com a voz de George nos versos, introduz as pontes, e no final, acompanha os lamentos dos cantores com mais lágrimas de sua guitarra, e nós é que lamentamos o fade-out, sempre pensamos que poderiam continuar indefinidamente.

Lamentos de George e Paul ao som da Guitarra final de Clapton

No dia seguinte, ainda teve uma sessão final, com George dobrando seus vocais, e Paul acrescentando uma lead guitar nas pontes, Ringo mais pandeiro e John, surpreendentemente no baixo! 

Não se sabe por que Eric Clapton não foi creditado no álbum. Isso causou um constrangimento considerável, porque os fãs escreviam para o guitarrista solo dos Beatles, não entendendo como ele soava tão diferente, tão blues., aonde ele havia desenvolvido essa técnica, e tal, ai, ai, ai... imagina só...

Mais de 20 anos depois, eles fizeram juntos um show histórico no Japão, quando Eric conseguiu se superar e sua guitarra ganhou a alcunha 'Psycho Guitar' de seu amigo, ao final da apresentação.

A força da canção sobrevive até hoje: em 2006, George Martin pegou aquele take de voz e violão, incrementou com um arranjo de cordas para lançar em LOVE, espetáculo do Cirque du Soleil com músicas dos Beatles, e 10 anos depois, ano da morte do supremo arranjador, ela virou fundo de um vídeo-clipe, em que se acompanha uma bailarina que brinca com a letra da música, que sai do papel, as notas saem da pauta, e ganham vida num personagem que dança com ela e passa por portas e janelas desenhadas no mundo real, que já foi visto por quase 65 milhões de pessoas. Lindo, lindo, lindo!

Versão de Love 

Nota-se nele uma letra diferente no verso final, genial. Se você achou que "I look at the world and I notice it's turning", ou seja, estou contemplando tão profundamente que percebo o mundo girar, era o cúmulo da contemplação,  dá só uma olhada na linha final desta versão:

 As I'm sitting here doing nothing but aging,

still my guitar gently weeps... 

É ou não é o ápice da contemplação, do dolce-far-niente?

'enquanto estou aqui, fazendo nada... apenas envelhecendo', minha guitarra ainda chora’

Venha chorar com a guitarra de Eric Clapton em

While My Guitar Gently Weeps


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Demais edições do OUÇA e LEIA

  1. A Origem dos Beatles neste LINK
  2. Homenagem a Buddy Holly neste LINK
  3. 1º Capítulo do Projeto Medley neste LINK.
  4. 2º Capítulo do Projeto Medley neste LINK. 
  5. 3º Capítulo do Projeto Medley neste  LINK. 
  6. 4º  Capítulo do Projeto Medley neste  LINK. 
  7. 5º  Capítulo do Projeto Medley neste  LINK. 
  8. O Projeto Medley neste LINK.
  9. O 6º Compacto, neste LINK
  10. The Ballad Of John And Yoko neste LINK 
  11. Happiness Is A Warm Gun neste LINK

 

 

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