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quinta-feira, 8 de abril de 2010

Noé Possível

Hoje foi o dia das histórias do dilúvio, do onde-eu-estava-quando-o-mundo-caiu, do quanto-tempo-levei-pra-chegar-em-casa, por-onde-fui, do tive-que-andar-na-contra-mão, do dormi-no-carro, ou no-trabalho, e outras quetais. Felizmente, no meu ambiente, nenhuma caso mais triste ou estarrecedor como a de muitos outros, das classes menos favorecidas, histórias que a gente vê na televisão.

E vêm os invevitáveis comentários do quanto estamos longe de ficar em condições de receber eventos da magnitude dos que nos agraciaram recentemente. E não só pelo caos na locomoção. Dá pra imaginar o estádio da final da Copa do Mundo com o gramado naquele estado que ficou, os vestiários inundados, ou ainda o ginásio das disputas de vôlei das Olimíadas com seu piso destruído?


Haja infraestrutura a corrigir!

Haja comportamento a mudar!

A infraestrutura é problema da municipalidade, não precisa dizer que o dimensionamento das galerias de escoamento é incompatível com o tamanho que a cidade ficou, mas isso demanda investimento, planejamento, vontade política, e continuidade de um governo para o outro. Desconte-se que a quantidade de água, nos montantes torrenciais que desabaram sobre o grande Rio nos últimos dias seria um desafio para os melhores sistemas de escoamento do mundo. Nunca se viu a Lagoa ampliando sua área daquele jeito, estendendo suas águas até os prédios. Espantoso foi ver a repórter de pedalinho por sobre o parque. Aliás, estranhou-se a ausência dos peixes no meio da rua, e eu lembrei que morreram todos, naquele desastre ecológico de semanas atrás.

Entretanto, é certo que teríamos menos caos se os governos anteriores tivessem feito o dever de casa. Aliás, falando em governos anteriores, e já pulando para a estadualidade, a coisa remonta a muito tempo, da época do finado Brizola, que fechou os olhos à expansão das hoje suavemente denominadas 'comunidades'. Ele optou conscientemente por não combatê-la, foi política de (des)governo, e agora é isso que aí está, encostas indevidamente ocupadas, populações em risco, e o atual governo culpando os mortos por morarem mal enquanto viviam, até antes de ontem. Neste momento em que escrevo, vejo na TV mais um deslizamento em Niterói, mais uma tragédia...


Se infraestrutura é problema de governo, comportamento é problema nosso mesmo. Nós somos, basicamente, porcos inconscientes. Quer dizer, tenho o direito de excluir-me dessa lista! Criticaram o prefeito quando usou esse adjetivo para referir-se ao povo, mas é a límpida e triste verdade! Diz a Bíblia que o dilúvio veio porque Deus decidiu destruir o mundo por causa da perversidade humana. No nosso caso, o dilúvio veio para punir nossa sujeira, o lixo que é jogado nas ruas, que entope os bueiros. Ironia do destino, ou parte do plano divino, o lixo estava ainda nas ruas quando o dilúvio veio: segunda-feira era o dia da coleta principal, mas a chuva veio antes.

Vê se esse acúmulo de sujeira acontece no primeiro mundo?!  Quando morei em Houston, nunca vi nem de perto o que acontece aqui. Bem, talvez ajude a punição que os pigs de lá recebem ao fazerem porcarias. Nunca me esqueço do que aconteceu com uma amiga brasileira. Ela dirigia seu carro tranquilamente, com o vidro aberto  (lá, pode-se andar assim!), o braço pra fora, fumando seu cigarrinho, passou um tempo e ouviu aquela sirenezinha (uéu!), viu aquelas luzinhas brilhantes pelo retrovisor, parou o carro e, segura de si, perguntou o que estava fazendo de errado, já que dirigia muito devagar, e ele, enquanto preenchia a multa, sem levantar os olhos para ela, disse: “A senhora estava fumando até agora há pouco, e agora não está mais? Pois é, eu vi a senhora jogar o cigarro no chão, ali atrás!”. A amiga, muda, sem defesa, ouviu: “Aqui está, infração grave, 300 dólares (!!), e nem adianta recorrer!”. Adivinha se ela até não deixou de fumar, depois daquela. É por essa e outras, que o povo é educado, na marra, e a cidade é limpa. Falta isso por aqui: punição exemplar.

Muita água tem que rolar, espero que pelos caminhos corretos.

Abraço.

Homero Não É Possível Ventura

19 comentários:

  1. Espero que voces tenham passado sem problemas por esta tragedia diluviana.
    Agora que o Rio esta virando a cidade da moda, esta em varios filmes ("2012" , seriado da TV "Visitors", ambos com imagens do Rio), esta nas manchetes pela Copa 2014 e Olimpiada 2016, e outras coisas, estas imagens das enchentes nao ajudam muito.

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  2. Oi, Homero.

    Realmente... Mas são poucos que tem esta visão de que isto é consequência em grande parte devido à falta de estrutura e atitudes corretas. Colegas engenheiros atribuíam as tragédias simplesmente a "Mas também... choveu demais hoje, né?!", como se os transtornos fossem inevitáveis e a culpa fosse meramente de São Pedro.
    Mas as enchentes no Rio são corriqueiras demais. Há chuvas que realmente poderiam inundar as ruas e causar outros transtornos maiores, mas não todos os anos, diversas vezes por ano. Há normas para a construção de galerias de escoamento de águas pluviais que deve ser dimensionada para a maior chuva ocorrida nos últimos X anos (X pode ser 10, 20 ou 50), depende do caso. Pelo que se apresenta esta norma não está sendo seguida e os cariocas e os que aí vivem não podem ter esta idéia de que as tragédias são sempre inevitáveis. Além disto, claro, vem a questão de cada um ser coerente em suas atitudes, como não jogar lixo no chão.
    Interessante a história de sua amiga em Houston. Até eu ir para Houston tinha uma idéia totalmente distorcida dos EUA, pois apenas conhecia New York, Miami e Orlando. Entre outras boas maneiras que jamais imaginaria no Braisl, meu anfitrião em Houston, JC Cunha (ex-petroleiro), contou que nos estacionamentos na cidade cada pessoa coloca o valor referente à taxa de utilização numa caixinha e não tem ninguém cobrando. Então falei: " Mas alguns brasileiros e outros gringos devem não pagar devidamente... " E ele me disse que às vezes passa o fiscal, e se não contiver o pagamento devido coloca-se uma placa enorme no carro... ou seja, é a mesma moral da história que você contou: PUNIÇÂO EXEMPLAR!

    Obs.: Como sempre criativo o "nome do assunto".

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  3. Muito bom Homero! também concordo, infelizmente brasileiro só se educa pela parte mais" frágil do organismo": o bolso!

    A crônica ficou ótima, bem parecida com a que eu esperava.

    Abraços da sua leitora Josiene

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  4. Pois é Homero, estava esperando um comentário seu. Eu aposto que se o governo gastasse o dinheiro que está gastando com as obras de embelezamento das favelas (PAC) com a demolição daquelas moradias e reconstrução (no mesmo lugar) de outras mais seguras sairia talvez até mais barato...Ou mesmo que não desse prá todo mundo, reduziria o problema para uma boa parte, já fazer o que estão fazendo, institucionaliza aquela realidade.

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  5. Caro Homero, tenho me instruido e divertido com seus emails. Mas com relação a nossa terra e povo tupiniquim, tem jeito não. Infelizmente deixei cair a toalha. 25 anos tentanto ser "empresário" nesta terra nos leva a crer que só um dilúvio, pra começar do zero vai mudar. Os políticos e poderosos ( grandes empresários que mamam na teta ) não tem o menor interesse que isto mude. A classe média ( que média é essa??? ) entre eles e os pobres não dá conta de levar e trabalhar para o Pais. Na California, a multa por jogar lixo na estrada é de MIL DOLARES. E não adianta achar que não tem guarda, porque, eu não sei como, eles brotam da terra. Agora, caro Homero, imagina a cena de um PM, que ganha 600 reais, te aplicando uma multa de TREZENTOS DOLARES porque vc deixou cair uma guinbinha no chão!!!!!!!!!. Certamente ela fica por um galo ( 50 reais mesmos ). E de quem será o erro? Do corrompido ou do corruptor? Olha, nestes anos de "empresário" estive em situãções em que foi IMPOSSIVEL fazer o certo, o correto, como manda o manual. Simplesmente não sai, seja o que for. A certidão, a licença, não interessa, não sai. Mas vamos levando.

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  6. Caso haja um "Noé possível II", sugiro incluir o tema de um bairro construido em cima de um lixão........

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  7. "Muita água tem que rolar, espero que pelos caminhos corretos."

    Muito boa esta frase... A inspiração continua a mil!!!

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  8. A causa da tragédia é a natureza, mas a aconsequência é puramente do homem que constrói em lugar de risco, que joga lixo na via pública, que consome demais. As autoridades são co-responsáveis pela consequência, pois não oferecem infra e muito menos fiscalizam a tão falada desordem urbana. Conosco, graças à Deus ou ao nosso poder aquisitivo, não aconteceu nada permanecemos em nossas casas assistindo a tragédia pela televisão e sem nos molharmos. Estou muito triste como o que aconteceu com os sem acesso e o que nós poderemos fazer agora é uma grande mobilização para ajudar a queles que precisam e perdaram o irrecompensável amigos e parentes

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  9. Querido, concordo em gênero, número e grau!!!
    diretamente de São Paulo, semi alagado-nada-comparado-ao Rio.
    Valéria

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  10. Prezado,

    De pleno acordo quanto ao codnome PIGS. Somos sim, faço a minha parte e não entendo esta nossa insistencia em acumularmos muito lixo, tipico de pais sub-desenvolvido.

    2 fatores graves sob controle do governo - lixo e ocupacao desordenada. Pra ambos so vejo 1 jeito - Trabalho e compromisso sendo radical.

    Uma pena mais este novo evento em niteroi que certamente vai aumentar o numero de vitimas.

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  11. Homero.
    Concordo quando você fala da sujeira que o povo derrama nas ruas diariamente. Na segunda, enquanto estava preso em um engarrafamento, pude ver sacos de lixo, garrafas, papeis e muito mais boiando pela rua.
    Concordo também quando você menciona nossas galerias de águas pluviais. Acredito que elas sejam mal dimensionadas e mal cuidadas. Entretanto, não estou certo se elas deveriam estar dimensionadas para a chuva que tivemos nessa semana. Talvez seu dimensionamento deva respeitar alguma estatística. Essa semana choveu no Rio como não chovia desde a década de 60. Talvez o correto seja dimensionar nossas galerias para 95% das chuvas que podem ocorrer e estar preparado para os 5% restantes. E estar preparado significa uma Defesa Civil com plano de emergência, ninguém morando em áreas de risco etc.
    Outro ponto que temos que considerar é que muitos locais no Rio de Janeiro estão ao nível do mar ou bem próximo, deixando quase nenhum caimento para as águas escoarem, o que também é um complicador, seja lá qual for o tamanho das nossas galerias.
    O que você acha?
    Abraços.

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  12. Muito bom, Homero.
    Essa praga que é o ser humano para o planeta Terra tem mesmo que aprender a se comportar sem fazer essa sujeira. Será possível que não percebam???
    Bjs,

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  13. Eu não consegui vir ao Rio na terça e só consegui hoje, por causa de Noé...
    Quanto às punições, se não me engano o uso de cinto de segurança só foi possível quando começaram a multar para exemplo e o pessoal aderiu mais ou menos
    ao uso sistemático do cinto ("sinto" muito se estou enganado...)
    Concordo contigo que é necessário mais autoridade e continuidade para melhorarmos dentro de algum tempo.l
    Abraço,

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  14. Estou muito triste,amigo meu.Um colega morreu aos 56 anos. Isso devia ser proibido, sabia?
    Mas seu texto está ótimo. Adorei o infraestrutura, assim todo juntinho
    Meu abraço

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  15. Homero;
    Hoje, lendo O Globo vi um comentário de uma das colunistas em relação a comentários (de novo) sobre as dificudades de termos a copa e as olimpíadas aqui considerando-se as dificuldades de infraestrutura. O comentário (mais uma vez) dela foi: absurdo alguém pensar assim. CLARO que temos condiçòes de receber a copa e as olimpíadas.
    É isto que me preocupa aqui no Rio (e em muitos outros lugares). Esta falta de visão, de olhar apenas para o umbigo e achar a cidade realmente maravilhosa em todos os aspectos.
    Mas é assim este lugar e assim continuará por muitos anos. Em dois meses nada terá sido feito sobre esta catástrofe e nada terá sido agendado ou planejado.
    Uma pena.

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  16. Oi Homero, concordo plenamente com a sua crítica! O povo brasileiro precisa ser muito mais educado!
    Excelente!

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  17. É muito triste o que deixaram acontecer no Rio de Janeiro. As autoridades sabem, são informadas dos riscos, tudo previsível e ainda assim deixam acontecer. Talvez não tomem as providências necessárias por que a população mais afetada é pobre. Quanto à sujeira acho que é endêmico, há sinais de desleixo por toda a parte.Têm que haver um esforço do governo para educar, inclusive através da punição, para mudar essa cultura de falta de cuidado com o ambiente em que se vive. Mas se grande parte das autoridades também sofrem a influência dessa mesma cultura como será possível mudar ? Concordo com você que muita água ainda vai rolar.

    Um abraço,

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  18. Esplendida a sua cronica, que todo carioca deveria ler... Como sempre,
    exímio com as palavras, vc. toca no ponto G com perfeição. Repito> vc.
    deveria ser colunista ou cronista dos melhores jornais do Brasil e não
    apenas um engenheiro da Petrobrás. Sou sua fã, bem sabe, e torço para
    que algum dia isso aconteça. Aqui na Barra a coisa não foi diferente>
    dilúvio e congestionamento por todo o bairro. E muita gente morrendo
    de medo das encostas caírem, o que não aconteceu por milagre... Vivo
    num grande vale, ao pé do Alto da Boavista, no meio de uma floresta
    pitoresca e ao lado de uma cachoeira que está em verdadeira ebulição.
    Engrossada pela chuva, o barulho é meio aterrorizante pois a gente
    acha que a qualquer momento ela vai desabar nas nossas cabeças. Perto
    daqui, a comunidade do Morro do Banco, lá no alto,considerada área de
    risco e já informada disso , nada sofreu. Se vc. imagina , dentro do
    Rio de Janeiro, um lugar bucólico e belíssimo, é justamente onde moro
    mas parece que ninguém quer morar em casa, principalmente grande
    demais para manter. Há 2 anos tentamos sair daqui pois apenas 2
    pessoas dentro de um casarão com 5 quartos, 3 salas, 6 banheiros, 2
    jardins, sauna e piscina que requerem manutenção constante e
    dispendiosa assustam muita gente. Me assusta tb, mas não posso sair e
    deixar tudo à deriva... Gostaria de notícias dos seus. Hoje, às 4 da
    tarde, a Barbara canta novamente na Modern Sound. Seu show de tributo
    a Elis está esplendido e vai ficar lá durante esse mes todo, aos
    sábados. Aquilo é um lugar super agradável e quem vai lá < e está
    sempre lotado pois não ser cobra entrada, é gratuito , vai para ouvir
    boa música e curtir os bons artistas que lá se apresentam. Se v. puder
    ir e levar o Filipe, eu amaria.Quero que ele conheça o trabalho da
    Babi e os músicos dela. Aliás, em Junho embarcamos para a Grécia e
    Portugal para a temporada dela e banda de um mes, como acontece todos
    os anos. Depois vamos dar uma esticada até a Itália onde tenho primos
    e mais primos, filhos dos 4 irmãos do meu pai, napolitano. A família
    toda mora em Roma e nenhum deles jamais veio ao Brasil. Abração.
    Marisa

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  19. Chefe Homero

    Minha "história" é bem interessante:

    - Fui para o ponto do ônibus, como faço todas as manhãs, e observei que não havia ônibus, ruas desertas, pouco movimento.
    Pensei.... GREVE DOS ÔNIBUS.
    Voltei, peguei meu carrinho e, na Alameda São Boaventura, ruas vazias e eu pensando o estava acontecendo.
    Entrei na Ponte "Presidente Costa e Silva" e uma tranqüilidade dos tempos que eu tinha um fusquinha e pagava dez mil cruzeiros de pedágio.
    Já no meio da Ponte, recebo a informação do que estava acontecendo e a Ponte estava sendo fechada.
    Tive dificuldades a partir do Caju mas cheguei no Ventura (não o Chefe).
    Poucas pessoas no 28º andar e recebemos informações de dispensa.
    Sai às 13:00 e rapidamente estava em casa (mais uma vez fiquei com saudades do tempo do meu fusquinha la pelos idos de 1975).
    Parece desligado, mas não liguei a tv de manha e nem tampouco o rádio.


    Quanto a parte política, Niterói sofre as conseqüências do Brizola e de seus seguidores (João Roberto Silveira e outros) que não fiscalizam nada.
    Deves conhecer São Francisco (que antigamente tinha SACO), bairro nobre e já se vê "construções" no meio das árvores, porém o pessoal da Prefeitura não consegue ver.

    Onde moro, há 20 anos se via florestas e muito verde nas montanhas e a noite tudo escuro.
    Hoje vejo muitos casebres , barracos e a noite parece um céu estrelado e isso começou no tempo do Brizola e do João roberto Silveira e que diziam "uma luz na escuridão".
    Hoje esses desastres mostram o retorno a escuridão das pessoas que morreram e o desespero dos que lá moram.
    Enquanto isso o Silveira diz precisar de dinheiro (14 milhões) para realocar as pessoas.
    Creio que a fiscalização ficaria muito mais barato e evitaria essa tragédia.

    A população também tem culpa mas ai entra a educação que só se fala em épocas de eleição.

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