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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

REVOL ....VER igual a REVOL .... UÇÃO

                                                                                Capítulo 42 


De minha saga  

O Universo das Canções dos Beatles


Todos os Capítulos têm acesso neste LINK 

E agora, onde estamos na história dos Beatles?

Estamos em 3 de dezembro de 1965! 

Que não se perca a conta!!!               
Em pouco mais de 3 anos de carreira, exatamente 1.155 dias desde Love Me Do, lançaram 96 canções, sendo 72 autorais e 24 covers, filmaram dois Longas Metragens, A Hard Day's Night e HELP!, fizeram 520 shows, sendo 367 no Reino Unido, 88 na Europa Continental, 48 na América, 16 na Austrália e 1 na Ásia, ganharam 4 títulos de Membros do Império Britânico, lançaram 11 compactos e um EP de inéditas, e 7 LPs, Please Please Me (LINK)With The Beatles (LINK) A Hard Day's Night (LINK)Beatles For Sale (LINK)HELP! (LINK) e Rubber Soul (LINK), todos chegando ao primeiro lugar (com exceção do primeiro compacto). 
UFA!!!               

O último LP, justamente, que chegou ao mundo na data em que estamos, ou seja, 3 de dezembro de 1965, para ótima recepção de crítica e público, conforme descrito no final do Capítulo 41.

E aí começa o caminho os Beatles para chegarem ao álbum seguinte, mais conhecido como REVOLVER.

Aqueles adultos, como eles finalmente se sentiam, segundo disse Paul, após criarem Rubber Soul, mas ainda em seus 22 a 25 anos, já chegavam a um ponto de estrelato em que já não se submetiam a 100% das oportunidades de show. Por exemplo, naquele mesmo dia, começaram uma pequena excursão de 10 dias (mas 2 shows por dia) pelo Reino Unido, padrão, mas se recusaram a fazer os shows de Natal como ocorrera nos dois anos anteriores. E o que eram esses Christmas Concerts? Eram de 18 a 20 shows, em Londres, todos os dias, com folga apenas no dia de Natal, mas não na véspera, nem no último dia do ano, nem no primeiro do ano seguinte, onde eles abriam, com duas ou três canções, deixavam o palco para outros artistas da época, voltavam pelo meio do show, fantasiados, faziam sketches cômicos, de baixa qualidade, pouco ensaiados, mas de muuuito sucesso, satisfazendo as 100 mil pessoas que neles compareciam, em cada temporada, e voltavam ao final, com seus ternos, para fazerem mais três ou quatro canções. Foram dois Natais, 1963 e 1964. Os shows de 1965 foram anunciados, mas dessa vez, não! Eles já estavam ricos o suficiente para escolherem onde e quando tocarem. As famílias deles, penhoradamente, agradeceram.

Com a folga de Natal, George se animou e noivou com Pattie Boyd, com quem se casou em janeiro de 1966.  John e Ringo viviam em mansões, em Weybridge, na grande Londres, com suas esposas (Cynthia e Maurreen) e filhos (Julian e Zak). Apenas Paul era o solteiro do grupo, ainda em seu namoro com a atriz Jane Asher, com direito a moradia. Paul sempre otimizando os gastos, desde jovem! Até que se decidiu a abrir o bolso e comprou uma casa de 3 andares nas imediações de Abbey Road, podendo ir a pé ao trabalho (economizando assim em transporte, hehehe).

Nesse meio tempo, e até março, George, John e Paul já estavam no processo de composições para o novo LP, que começaram a ser gravadas em 6 de abril, a primeira de 32 sessões de gravação, que se estenderam, por dois meses e meio, o que se constituiu num recorde da carreira até então. Ali, eles gravaram as 14 canções e mais duas lançadas em compacto (Paperback Writer e Rain), um período profícuo, em inventividade e inovação, que entraria para a história da música! 


Eles interromperam brevemente esse período para participarem e serem premiados no Empire Pool em Wembley, evento tradicional da New Music Express, na noite de 1° de maio, e que viria a se constituir na ÚLTIMA aparição dos Beatles na Inglaterra para público pago, e eram mais de 10 mil fãs enlouquecidos.  O show tinha os maiorais da época, como Rolling Stones, The Who, Dusty Springfield, Yardbirds, Roy Orbison, Stevie Winwood, Cliff Richard, the Shadows, Herman’s Hermits, nunca antes reunidos. Os Beatles estavam num visual cool, com blusas em gola rolê, e John marcou presença tocando com óculos escuros. O set list, fenomenal, teve  I Feel Fine, Nowhere Man, Day Tripper, If I Needed Someone e I’m Down.

Findas as gravações, de volta à estrada. As excursões voltaram no final de junho, com seis shows na Alemanha e uma excursão à Ásia, com cinco shows em Tokyo e dois em Manila, Filipinas. Só que esses dois países do Oriente deram dor de cabeça!!

Estavam eles a caminho de Tóquio, quando souberam de uma revolta que se formava porque iriam se apresentar no Budokan Hall, um templo dedicado até então, apenas e tão somente a lutas de Sumô e outras artes marciais veneradas pelo povo japonês. 
Isto posto, ao chegarem, foram blindados com um cerco de 35 mil policiais para garantir-lhes a integridade física e levá-los ao Hotel Hilton, onde ficariam sem mostrar a cara até a hora do show. Para passar o tempo (e sem sinal de internet), o empresário disponibilizou-lhes uma cartolina, tintas e pincéis, e então John, Paul, George e Ringo fizeram seus desenhos a partir dos cantos de uma mesma mesa de centro, em direção à base de um abajur que estava sobre a cartolina. Eles só saíam para ir ao show e voltavam, e logo voltavam a pintar! No último dia, Epstein levantou o abajur e estava pronta a primeira e única obra de arte assinada pelos quatro Beatles. Vejam como eles eram abençoados: ao se levantar o abajur, abriu-se o único espaço disponível na tela para assinat
uras. E virou uma preciosidade! Brian a presenteou para o presidente do Fã Clube da cidade, que a guardou, e lá ficou por muitos anos, até que alguém a descobriu e fez um bom dinheiro com  ela, que foi passando de mão em mão. O último colecionador que a arrematou desembolsou perto de 3 milhões de reais por ela.

Entretanto, aquela tensão toda, que até acabou em arte, foi fichinha perto da que teriam em Manila. Após os dois shows no mesmo 4 de julho, os Beatles teriam se recusado a comparecer a um jantar com Imelda Marcos, a primeira dama dos 5 mil sapatos. Eles garantem que não sabiam! O fato é que ela considerou aquilo uma afronta, anunciou-a em rede nacional, a polícia retirou a proteção que lhes dava, foram sob chuva de vaias ao longo do caminho do aeroporto, conseguiram embarcar, mas não Brian Epstein e o faz-tudo Mal Evans, o gigante gentil, que chegou a temer pela vida, recomendando aos rapazes: “Digam à minha esposa que eu a amo!”. Epstein só conseguiu embarcar quando devolveu todo o dinheiro ganho pelos shows. Ufa!

Pra completar uma tríade, vem John com suas opiniões ferinas. Uma delas, gerada naquele período entre álbuns, acabou tendo consequências logo no início da vida do álbum seguinte, ora analisado. Vocês devem se lembrar de Maurreen Cleave, que mencionei como uma das suspeitas de ter inspirado John em Norwegiam Wood, pois bem, ela foi uma das precursoras do jornalismo musical. Patrocinada pelo Evening Standard, ela acompanhara os Beatles uma primeira excursão aos EUA, e fez, em fevereiro, entrevistas individuais com os rapazes. De John, ele obteve a seguinte declaração:
O cristianismo irá acabar. Vai encolher e sumir. Eu não preciso discutir sobre isso; estou certo e serei provado certo. Somos mais populares que Jesus agora; eu não sei qual acabará antes – o rock 'n' roll ou o cristianismo. Jesus era bom, mas seus discípulos eram cabeças-duras e ordinários. Eles distorcem isso, e é o que estraga tudo pra mim.

Polêmico, né? Bem, na sociedade britânica da época, já com a mente um pouco aberta a mudanças de comportamento, a Swinging London começando, Summer of Love se aproximando, as palavras de Lennon foram adequadas ao ambiente de vanguarda e causaram pouco ou nenhum impacto. Já no EUA, uma sociedade conservadora ao extremo, causaram uma pequena hecatombe, mas foi somente quatro meses depois, quando Revolver já havia sido lançado, então, sobre esse evento, eu falarei no último sub-capítulo deste 42°capítulo de minha saga, quando comentarei sobre Recepção e Legado da revolucionária bolacha de vinil!

O período entre os dois notáveis  álbuns acentuou uma tendência que já vinha ocorrendo no binômio Dias De Show versus Dias De Estúdio, na carreira dos Beatles: cada vez menos faziam shows, cada vez mais passavam no estúdio, que se constituía cada vez mais em sua segunda casa, substituindo os quartos de hotéis dos tempos da Beatlemania!



Colocado em termos percentuais, em relação ao tempo decorrido entre lançamentos dos álbuns, os Beatles passaram 90% do tempo na estrada, até o lançamento de With The Beatles, passando a 50% até lançarem Beatles For Sale, ficaram em 20% no interstício até HELP! e, daí por diante, uma média de 10% do tempo, até lançarem Sgt. Pepper's,  após o qual, nunca mais!

Finalmente, se Rubber Soul foi considerado o 'Pot Album', devido aos efeitos da marijuana nas mentes dos compositores (veja neste LINK), Revolver subiu um degrau além na alucinogenia, e foi considerado o 'Acid Album'. Eu contarei essas histórias ao longo deste capítulo, quando esmiuçar  as influências das canções correspondentes, mas antes, na tabulação dos assuntos das letras das canções, que virá a seguir!

Aqui começava mais uma aventura Beatle, 
mais um degrau rumo ao topo, 
mais um estágio do foguete, 
em busca de novos sons, 
novas técnicas, 
novas harmonizações, 
audaciosamente indo
onde nenhuma banda jamais esteve!  


Vamos às canções do LP  'Revolver'

São 14 canções originais dos Beatles, assim como "Rubber Soul", de 1965. O quantitativo era mais ou menos um padrão, um número mágico. "Please Please Me" e "With The Beatles" de 1963, "Beatles For Sale" de 1964, e "HELP!" de 1965 também tinham 14 canções, só que os três primeiros tinham 6 canções cover cada um, e o último, duas. "A Hard Day's Night", de 1964, tinha 13, todas originais todas Lennon/McCartney, número que seria apenas batido em "The Beatles" de 1968, que teria 25 canções da dupla.

Detalhes sobre essas canções mais abaixo. .

  1. Taxman (George Harrison)
  2. Eleanor Rigby
  3. I´m Only Sleeping
  4. Love You To (George Harrison)
  5. Here, There and Everywhere
  6. Yellow Submarine
  7. She Said She Said
  8. Good Day Sunshine
  9. And Your Bird Can Sing
  10. For No One
  11. Doctor Robert
  12. I Want to Tell You (George Harrison)
  13. Got to Get You Into My Life
  14. Tomorrow Never Knows
  • As canções sem notação do autor são da dupla Lennon/McCartney!

  • Aqui, Paul ultrapassa John: das 11 da dupla, ele foi o principal idealizador em 6!! 

    Vejam que este álbum é o primeiro em que as Mind Songs suplantam as Heart Songs, batendo-as de 9 a 5, um protagonismo que jamais abandonariam até o fim da carreira! 


    Percebam a tabela abaixo. 



    Mais detalhes sobre a divisão entre Heart & Mind Songs, aqui, neste LINK

    Traduzindo
    • São 9 canções que falam à Mente  e 5 ao Coração
    • São 3 canções inspiradas em Drogas, 3 canções de Discurso, em 2 contavam histórias, e em 1, o autor falava sobre si, em verdade, sobre seu corpo
    • As 3 canções Discurso têm representantes nas 3 Classes: Pessoa, Grupo e Mundo, uma em cada Classe
    • As 2 canções História têm representantes de 2 Classes: Solidão e Conto
    • Finalmente, são 4 canções sobre Garotas (2 de Amor, 1 DR e 1 Paquera) e 1 Canção de Saudade, na classe Tristeza
    Revolver éportanto, um 

    64% Mind,
    29% Girl, 
    14% Love Album!

    Note duas coisas:
    • O Assunto Girl ainda impera, mesmo num Álbum Mind, porque conta com 4 canções, contra 3 de Speech, 3 de Acid, 2 de Story e 1 de Miss;
    • A Classe Love ainda leva a distinção, por ser a única com duas entradas. Revolver é um poço de diversidade: as demais 12 canções aparecem em 12 Classes diferentes!!

    As autorias estão assim divididas!

    • Aqui, Paul ultrapassa John: das 11 da dupla, ele foi o principal idealizador em 6!! 
    • É a primeira vez que George tem 3 canções de sua autoria
    • E vejam que o assunto Acid Songs é inaugurado em grande estilo, com a presença de 3 canções, sendo duas de John (nas Classes História e Viagem) e uma de Paul, na Classe Pessoal).
    • George já mostra por que seria o campeão proporcional das Speech Songs: Duas das três canções de Discurso são dele, sendo uma falando a um Grupo e outra falando ao Mundo. O outro Discurso é de John, falando a uma Pessoa!
    • Paul também mostra por que é o campeão das historinhas: duas de suas seis canções são Story Songs, uma sobre Solidão e a outra é um Conto!
    • A única Self Song do álbum é, claro, de John, o campeão quando se trata de falar sobre si mesmo. E aqui, ele vem com uma canção que fala sobre o seu corpo, cansado, sonolento.
    • O Assunto Saudade está presente, na voz de Paul, cantando com Tristeza, para ninguém!
    • E, finalmente, o Assunto Garota ainda segue firme, com 4 presenças, duas de Paul, na Classe Amor, uma de George, na Classe Paquera, e uma de John, na Classe DR.


    Na tabela abaixo, as evidências, nas letras, do porquê da classificação acima!





    Agora, as análises das 14 canções de "Revolver"  

    por enquanto, apenas duas prontas!

    1. Taxman   Group Speech Song by George Harrison)

    O Taxman diz: "Deixe me dizer a você como isso vai ser: é 1 para você, 19 para mim. Porque eu sou o homem dos impostos, sim, eu sou o homem dos impostos. Se 5% lhe parecer pouco, fique agradecido por eu não pegar tudo"  
    O desabafo de George coloca voz no Leão Inglês 
    fazendo um Discurso aos contribuintes de alta renda (o Grupo alvo), deixando claro como funcionava a coisa. Os Beatles pagavam impostos na mais alta alíquota do IRIF (Imposto de Renda do Inglês Físico), que era nada menos que 95%. A grita era justa, não!? Sim,
     e tão bem humorada, e musicalmente rica ficou, que deu a George pela primeira e única vez, a distinção de abrir um disco dos Beatles! John declarou, e não foi contestado por George, que o ajudou em algumas linhas, mas jamais saberemos em quais. Os dois devem estar confabulando sobre isso lá em cima. O fato é que o humor ferino das letras combina tanto para George como para John. O que se tem certo é que o 1°, o 2° e o 4° versos, bem como a conclusão, devem ser de George, pois estavam de alguma forma no manuscrito original. O 3° verso e a magnífica ponte podem ter o dedo de John. A música termina com uma pérola, que assegura que nem morrendo se escapa dos impostos: "Now my advice for those who die: declare the pennies on your eyes." (penny é a menor sub-divisão da libra esterlina). E a conclusão é definitiva "I'm the taxman, and you're working for no one but me". São quatro versos diferentes, sem repetição de letras, mantendo a tradição Beatle, bem como as rimas ricas, em sua maioria: além do par "die" com "eyes" já mostrado, os versos apresentam "be" com "me", "small" com "all" e "for" com "more". Já na ponte, as rimas são pobres, pois são quatro substantivos, afinal são quatro 'coisas' que são objeto da sanha impositiva do Taxman, que garante que vai taxar "Street, Seat, Feet, Heat". Nada menos que brilhante! 
    Musicalmente, George ficou orgulhoso por ter uma música sua burilada durante TRÊS sessões de gravação. Nada sobrou da primeira, mas a base foi gravada na segunda sessão, com George na guitarra base, Paul no baixo, notável, bastante inventivo, e Ringo na bateria, feroz, como se pode reparar logo antes de todos os 'Cause I'm the Taxman'.  John ficou apenas olhando e ouvindo. E na terceira sessão, vieram os overdubs. George acresceu alguns riffs de sua guitarra (mas não o solo, voltaremos a ele mais adiante!), Ringo acrescentou pandeiro, a partir do  2° verso, variando a percussão entre triplets e trepidação constante, e adicionando também um sempre bem-vindo cowbell (adoro!), a partir do 2°  'Cause I'm the Taxman'.  John, agora sim, acrescentou .... nada! Pois é, isso acontecia de vez em quando com nosso adorado líder da banda, mormente em canções do George, de vez em quando ele não tocava nada. Entretanto, ele aparece muito bem nos fundamentais vocais de apoio, juntamente com Paul, primeiramente em todos os "Yeah I'm the Taxman", depois intercalando as frases do 3° verso com "Ah-ah, Mr. Wilson." e "Ah-ah, Mr. Heath." em falsetto, e as do 4° verso, com dois "Taxmaaaan"s. Inventividade, diversidade, perfeição! E, na ponte, John e Paul estabelecem quatro duelos, abrindo as frases ("If you drive a car, try to sit, get too cold, take a walk"), com George terminando-as ("I'll tax the street, your seat, the heat, your feet"). Eu já usei o adjetivo 'brilhante'? Não tem problema, uso de novo! Brilhante!!! Puxa, ia me esquecendo de ressaltar o cínico, demente, engraçado contador de Paul, que abre a canção, o "one-two-three-four-one-two", com sons e falas ao fundo, e com direito até a uma tosse! 
    Finalizando o quesito overdub desta análise, tem o solo de guitarra, um dos mais famosos solos de guitarra dos Beatles, em uma canção de George Harrison,  que era o guitarrista-solo dos Beatles, numa canção composta pelo guitarrista-solo dos Beatles, com a enorme distinção de abrir um LP dos Beatles, única vez que aconteceu na história dos Beatles, um solo de guitarra que foi executado por ... Paul McCartney!!!! Oooooh!! Paul já fizera o papel de guitarrista-solo em algumas oportunidades, mas sempre em canções compostas por ele mesmo. Ocorre que George realmente não estava inspirado naquele dia, tentou, tentou, tentou, os outros olhando, olha a pressão, por algumas horas ele tentou, constrangido, até que seu xará George Martin olhou pra Paul, com aquele olhar de ‘Resolve isso pra nós?’, e Paul olhou de volta, com um olhar de ‘Pódexá, chefe!’. Martin chamou George num canto e anunciou ao estúdio que Paul iria tentar o solo, George recebeu serenamente, e saiu do estúdio. Paul pegou a guitarra, e em poucas tentativas concebeu aquela pérola, de difícil execução, selvagem, feroz, com aquele pulo uma oitava pra cima, inda mais repetido, deixando todos boquiabertos. Tão bom ficou que Martin resolveu repeti-lo no final, em fade-out. Em entrevista posterior, George diz que ficou feliz por Paul ter feito aquele solo para ele, mantendo a ideia de um som indiano. Ele se referia àquela descendente entre os dois saltos de oitava. 
    Um fato que eu vou contar aqui pela primeira vez, mas que se repetirá em todas as outras 13 canções: nenhuma canção de Revolver foi tocada ao vivo pelos Beatles!!! Sim, calma, houve sim uma canção gravada naquelas 32 sessões que viu a luz do palco: era Paperback Writer, mas ela foi lançada em compacto, não no LP. Dela, falarei quando destrinchar o álbum Past Masters #2, que será o derradeiro capítulo desta Saga! Felizmente, entretanto, George nos brindou com uma execução de Taxman, ao vivo, em 1991, seu último show, em Tokyo, numa versão estendida, de quatro minutos, quando nos presenteou com um verso adicional, chamando Boris Yeltsin e Mr. Bush, e uma segunda letra para a ponte, como que dizendo que ele podia, sim, produzir humor, além de John, suspeito de tê-lo ajudado na letra. Veja: “If you get a head, I’ll tax your hat, If you get a pet, I’ll tax your cat, If you wipe your feet, I’ll tax the mat, If you’re overweight, I’ll tax your fat." Muito bom!  E o famoso solo guitarra, desta vez, ele .... também não tocou.... É que em sua banda naquela ocasião, ele tinha um guitarrista chamado Eric Clapton, que o executou brilhantemente, aliás, duas vezes, um pouco diferente, mas com com o salto de oitava, e bastante estendido! Deixo aqui, neste LINK.


    2. Eleanor Rigby   Alone Story Song by Paul McCartney)

    Paul conta "Eleanor Rigby morreu na igreja e foi enterrada, só, ela e seu nome. Padre McKenzie batendo a poeira das mãos enquanto deixa a tumba. Todos os solitários, de onde vem, aonde eles pertencem!"  

    Escolhi este trecho, dos versos 5 e 6, porque conclui a história dos dois personagens, juntos na canção, mas solitários em seus corações, apresentados anteriormente, em um par de versos cada um. Entre a apresentação e a conclusão, vem o brado, na ponte:
    'Aaah, look at all the lonely people!' 
    Lindimais!!! Paul sempre foi um bom menino e diz que perambulava pelas ruas de Liverpool abordando as pessoas solitárias e ouvindo o que elas tinham a dizer, sobre suas vidas, sobre suas experiências de guerra, enfim, achava que fazia uma boa ação e gostava disso. Eleanor Rigby é a transfiguração de seus bons atos em uma canção, alertando o mundo para que não se esqueçam das pessoas solitárias. Ademais, é a primeira canção de Paul em que ele fala sobre outras pessoas, que não ele e seu par romântico.
    Há rumores de que os dois personagens existiram de verdade, talvez um registro num hospital do nome dela, ou uma tumba de um certo Padre McKenzie, e até mesmo de uma Eleanor Rigby, mas Paul sempre disse que os nomes haviam saído de sua mente, absolutamente fictícios, tanto que, originalmente, o Father era McCartney, mas ele desistiu porque poderiam pensar que se referia a seu pai, que era um sujeito feliz, não combinava, então pegou a lista telefônica (lembram?), foi à página do Mc e escolheu McKenzie, simples assim! Eleanor seria um nome que ele gostou desde que conheceu uma atriz homônima, no filme HELP!com quem John havia tido um caso (ah, pobre Cynthia), e Rigby seria o nome de uma loja que existia em frente a um teatro onde Jane atuava. Os dois juntos combinavam na métrica, pronto, decidido! Tenha existido ou não uma Miss ou Mrs. Rigby, a coisa pode ter chegado de maneira subliminar a Paul, e tal, o único fato é que hoje existe uma estátua de Eleanor Rigby em Liverpool, muuuito visitada (quer dizer, era, no tempo em que havia turismo no planeta). O interessante é que pode ter sido uma das poucas canções em que houve participação dos quatro Beatles em sua composição. Após a ideia original de Paul e algumas sugestões de John, todos estiveram num jantar na casa deste último e se reuniram para trocar ideias sobre a canção, quando George (Harrison) teria sugerido o brado da ponte em destaque ali em cima, e Ringo, a frase sobre as meias e o sermão do padre. E estava presente também um amigo de John, que teria dado uns palpites. Eu uso sempre o futuro do pretérito nessas descrições, porque tudo são, rumores, hipóteses, com várias versões, enfim ... O fato é que a letra é pungente e brilhante. 
    Após usar a ponte da canção como introdução sobre pessoas solitárias, um 1° verso apresenta Eleanor Rigby, solitária, e termina com uma conclusão de quatro sílabas poéticas "lives in a dream", que rima ricamente com "been", e um 2° verso complementa sua solidão, sempre olhando pela janela, maquiada, e conclui com mais quatro sílabas "who is it for", rimando ricamente com "door". A estrutura Declaração + Conclusão com quatro sílabas + Rima rica se repete mais quatro vezes até o final! Veja o 3° verso, que apresenta Father Mckenzie, escrevendo um sermão que ninguém vai ouvir, e concluindo "no one comes near", rimando ricamente com "hear", e o 4° verso complementa sua solidão, cozendo meias de noite, e concluindo com "what does he care?", que rima ricamente com "there". Depois, vem o refrão com questões no estilo Globo Repórter: "Todos os solitários, de onde vêm, aonde pertencem?". Não perca a conta, caminhando para o final: um 5° verso conta o destino de Eleanor, morta, ela e seu nome, e conclui “nobody came!”, que rima ricamente com “name”, e um 6° verso, final, para Father Mckenzie, limpando suas mãos após encomendar a alma da pobre mulher, concluindo com “no one was saved!”, que rima ricamente com “grave”. Quer poesia mais genial que essa? E ainda embalado por um arranjo de cordas im-pe-cá-vel!

    Desde sempre, ficara claro que um arranjo de cordas seria o acompanhamento único da canção, os outros Beatles nem chegaram a gravar uma base, como aconteceu com Yesterday, no ano anterior. George Martin compôs o arranjo de cordas, em ritmo staccato (ao invés do legato, usado no arranjo daquela canção), para dois quartetos de corda, portanto, quatro violinos, duas violas e dois violoncelos. Os instrumentistas ficaram tensos, porque Geoff Emmerick, o jovem produtor que assumira a cadeira, encasquetou com a ideia de posicionar microfones bem próximos aos instrumentos, eles não gostaram nada disso, estavam acostumados aos microfones elevados, captando o som ambiente, e a cada take eles se afastavam dos microfones, até que George Martin desceu da salinha e acabou com a brincadeira. É difícil implementar mudanças!! Resistências eclodem! 
    E vamos ao arranjo! O movimento staccato está presente do começo ao fim, é aquele em que os arcos encostam breve, mas firme e repetidamente nas cordas (no legato, o arco passeia suavemente em notas contínuas pelas cordas). A canção abre com a ponte,  de dois violinos, as duas violas e os dois violoncelos em staccato, enquanto os outros dois violinos em legato em nota única ao longo do canto, e ao final de cada frase, aqueles violinos entram em movimento de serra, atacando-as na metade do tempo. Essa ponte se repete ao final do verso 4.  Note o clima como cresce em cada verso: no verso 1, apenas todos em staccato normal; no verso 2, os violinos serram as cordas em dupla velocidade; no primeiro refrão, violinos voltam ao tempo normal, em staccato, enquanto as violas choram em legato melódico descendente ao fundo; no verso 3 os violoncelos deixam o staccato e entram em legato crescente, e no 4, entram violas; então, volta o refrão com o mesmo acompanhamento do primeiro, mas na segunda 'pergunta', os violinos gemem; e, nos versos 5 e 6, após a segunda ponte, parece que estamos num filme de suspense, no momento em que se vai descobrir o culpado, aahh, cansei de descrever um a um, sintam apenas, os instrumentos em serra, e a profusão de violinos e violas, mas perceba como os violoncelos acompanham a melodia cantada por Paul, em “wiping the dirt form his hands as he walks from the grave”. Coisa arrepiante!
    O vocal solitário é de Paul, sendo que no refrão (aquele trecho A La Globo Repórter), o vocal é dobrado artificialmente, com o auxílio luxuoso de um ADT (Artificial Double Tracking), equipamento que fora recentemente criado na EMI, sob encomenda de John, cansado que estava de dobrar seus vocais, cantando por cima de sua própria voz. Note como o som da voz de Paul fica mais denso! John, aliás, junto a George, faz o vocal de apoio, apenas nas duas vezes em que a ponte é cantada, na introdução e após o verso 4. Eles não voltam no final. Há rumores de que foi George Martin quem sugeriu a Paul que voltasse, dias depois para apor sua voz, juntando o refrão às perguntas 'All the lonely people, where do they all come from?' e 'All the lonely people, where do they all belong?', onde então se ouvem ‘dois Pauls’ cantando, o que trouxe um efeito sensacional ao vocal de finalização da canção.

    Claro que a canção nunca foi tocada ao vivo pelos Beatles, que aliás nunca a tocaram nem em estúdio. Felizmente, com a chegada daqueles teclados que mimetizam instrumentos de cordas, Paul começou a tocá-la, com todo o direito de compositor que  era, a partir de 1990. Ela foi lançada em compacto, como duplo Lado A com Yellow Submarine. E falando em Yellow Submarine, a canção dez parte do filme! Veja aqui, o clip, neste LINK, preste atenção nos arranjo orquestral! 

    3. I'm Only Sleeping (Body Self  Song by John Lennon)

    John boceja "Por favor, não me acorde, não me sacode, me deixa aonde estou, estou apenas dormindo!"  

    Ponha-se no lugar de um fã dos Beatles em agosto de 1966, já oito meses sem um LP deles, aí você recebe o Revolver, espanta-se com a capa, retira a bolacha cuidadosamente, e bota pra tocar. Primeiro, você se surpreende ouvindo a voz de George, abrindo pela primeira vez um LP dos Beatles, e com uma letra ferina, depois ouve a voz de Paul numa canção em que clama pelos solitários, mas na qual nenhum dos Beatles toca nada, e finalmente ouve a voz ácida, mas desta vez preguiçosa de John, pedindo que o deixem em paz, que ele só quer dormir, coloca-se na situação dele, porque dormir é mesmo ótimo, e tal, e de repente você ouve um som esquisito, parecendo um zumbido de abelha, porém melódico, e segue na letra, e tal e na hora que entraria um solo de guitarra, lá vem mais zumbidos, mas você gosta do que ouve, é intrigante, se pergunta: “Que diabos é isso?!”. Eu respondo à pergunta mais adiante! 

    Primeiro, o ambiente em que ela foi criada. John era o mais sonolento dos Beatles, e podia ficar horas assistindo TV, vendo a vida passar, olhando pro teto esperando o soninho chegar, e tal, além de tudo, por morar no subúrbio, demorava a chegar de volta da City à noite, e dormia até tarde. Paul, que morava na cidade, não tinha aquele contratempo, e normalmente era quem o acordava no dia seguinte para trabalhar. Tantas vezes foi repetida essa situação, ainda mais naquele longo tempo em que não fizeram qualquer show, que passava muito tempo em casa, que o inspirou a botar em música aquele estado de espírito e de corpo! E nasceu I’m Only Sleeping, vejam os rabiscos de sua criação, escritos no verso de uma carta cobrança de uma conta de 12 libras, folha esta que hoje está nas mãos de um colecionador que pagou meio milhão de dólares por ela... E ele expressou bem tudo aquilo na letra, inclusive o “lying there staring at the ceiling, waiting for a sleepy feeling...”, perdoando-lhe desde já a rima pobre, substantivo com substantivo. Este era o teor do  verso. No 1°  verso, ele apresentava ao mundo do rock o verbo 'bocejar' em “I’m still  yauning” (e olha eu bocejando aqui), em rima rica com “Wake up in the morning”. Depois, vem o 1°  refrão, pedindo pra que não mexam nele e apresentando o nome da canção. O 2°  verso vem com duas rimas pobres, "crazy" com "lazy" e "need" com "speed", ok, vá lá, segue perdoado, inda mais porque ali naquele "speed" e naquele "need" aparecem pela primeira vez aqueles zumbidos.  Lembra que eu qualifiquei o refrão com um 'primeiro'? Foi porque inventividade era a marca dos Beatles, e John nos oferece um 2°  refrão, com uma letra diferente, "Please don't spoil my day, I'm miles away..." olha a rima rica aí de volta. Agora, vem a ponte "Keeping an eye on the world going by my window, taking my time", e sua rima rica interna, "eye" com "by". O 3° verso começa, com aquele papo do teto e do soninho, mas a letra para no meio e entra aquela profusão de zumbidos melódicos, sobre os quais, como disse, falarei mais adiante. Depois, a canção termina com a repetição da ponte, depois do  verso e, finalmente, do  refrão e mais zumbidos em profusão no final!

    I’m Only Sleeping tomou quatro sessões de gravação, sendo a base gravada no primeiro dia, com John e George em violões, Paul no baixo, e Ringo na bateria. Note a importância do baixo, nas paradas introdutórias do 2° verso, e depois, estendido, das pontes, com direito a marcação com estalar de dedos na primeira, sabe-se lá de quem, perceba bem, e, na parada para a 2ª ponte, note um bocejo de verdade, era Paul comandado por John, dizem que dá pra ouvir, bem ao fundo,  John dizendo: “Yawn, Paul!”. Numa segunda sessão, canta seu lead, eles tentam um vibrafone, que não foi adiante! Na quarta sessão, vieram os acréscimos vocais, John dobra sua voz em dois trechos nos primeiros versos “float downstream”, e “there’s no need”, que Paul responde, repetindo as duas frases. E vêm Paul e George com os uuuu’s nos refrões (variando de um pra outro), e finalmente harmonizando com John nas pontes! Ah, sim, eles também harmonizam no “sleeping” dos refrões! Ih, pulei a terceira sessão! Mas foi de propósito!
    Foi na terceira sessão que foi  introduzido o misterioso zumbido acima mencionado. George havia gravado seu solo de guitarra, só que o operador do gravador, sem querer, acionou-o para trás na hora da gravação. Quando percebeu, e reproduziu o resultado no sentido correto, apareceram aqueles zumbidos, e os Beatles ficaram mais que intrigados, excitados, e pediram ao Maestro: ‘Podemos aproveitar isso?”. George Martin disse: “Tudo o que seu mestre mandar!”. Claro que não foram essas palavras, mas o ‘mestre’, figurativo, eram os próprios Beatles, e já corria a política na gravadora de aproveitar e acatar e tentar tudo o que passava na cabeça dos gênios, cientes que estavam do toque de Midas ali instalado. Só que, claro, o som era intrigante, mas não se encaixava perfeitamente na melodia. Então, George, o Harrison, voltou no dia seguinte, para uma sessão só dele, para acertar o efeito desejado. E não foi fácil! Foram quase 6 horas de sessão, no processo de tentativa e erro, toca/grava/reproduz/concentra/ouve-como-soa/gosta/não-gosta/anota/corrige/de-volta-ao-Passo-1 e, em cada tentativa, havia o esforço físico do operador de movimentar-se as pesadas fitas pra lá e pra cá, finalmente chegando-se às duas peças, a do solo no 3°verso, e a final em fade-out. Só que Paul, sempre curioso, apareceu lá e também fez suas tentativas, digamos que foram as duas que se materializaram no 2° verso, acima mencionadas, disso não se tem certeza, mas assim o determino!
    O som se encaixava perfeitamente ao tom psicodélico do momento, eles o usariam algumas vezes, em Tomorrow Never Knows e Strawbery Fields Forever, por exemplo, e influenciaram artistas da época, que materializaram a técnica em algumas canções, como Jimmy Hendrix, The Byrds, The Who, T-Rex, ou mais adiante no progressivo do King Crimson, ou mais ‘recente’, R.E.M e Red Hot CP, e, claro, Oasis, que se achavam os Novos Beatles, mas jamais foram, ou serão!
    Pode continuar dorminode sossegado, querido John!

    4. Love You To   World Speech Song by George Harrison)

    George prega: "A vida é tão curta, uma nova não pode ser comprada, e o que você tem significa tanto pra mim. Faça amor o dia todo! Faça amor cantando canções"
    Ora, ora, seu George Harrison estava com tudo mesmo. Abre pela primeira vez um álbum Beatles (Taxman), depois ouve Paul (Eleanor Rigby) e John (I'm Only Sleeping) apresentarem seus trabalhos, e logo emplaca sua segunda canção em um Lado A de um LP Beatle, outra primeira vez, e que seria a única! E ainda por cima, não deixa nenhum dos seus companheiros tocarem nada: "Fiquem aí ouvindo!". E eu acrescentaria "... e viajando em minha mensagem!".   Como eu disse, os outros Beatles quase não têm vez, as estrelas são os instrumentos indianos (cítara, tabla e tambura) na canção, bem, em verdade, Ringo toca um pandeiro! E Paul faz um backing vocal! A linha é tênue entre considerá-la uma World Speech Song, ou uma Love Song, porque ele fala 'I'll make love to you if you want me to', mas eu prefiro a outra interpretação devido à imersão que George fazia na cultura indiana, de interesses mais planetários, sugerindo que pratique o amor, no sentido amplo, na mesma linha de John fez em Rubber Soul, na canção The Word. No último verso, o alerta é pra tomar tenência, porque podem "screw you in the ground", e complementa com "They'll fill you in with their sins you'll see". Fique atento!
    George segue firme na regra Beatle: tente não repetir letra! E ele vem com três versos diferentes, intercalados com três refrões diferentes,  o que é absolutamente inédito!!! O apoio vocal de Paul, como sempre é no agudo, mas o diferente é que consta apenas de uma nota na sílaba final de cada refrão, três vezes um "me" e uma vez um "see", ao que nem pronuncia as consoantes "m" e"s", apenas a vogal "e", enquanto George faz a mesma sílaba, mas em melismas, variando as notas seis vezes. Como assim, três mais um igual a quatro, não eram três refrões? Sim, mas o principal deles  ("Make love all day long...") é repetido após um verso instrumental. A outra parte da regra informal dos autorqualidade das rimas, está presente, gloriosamente: TODAS elas são ricas, não vou listar aqui, mas pode verificar. Ah, vou listar, sim, mas tudo seguidinho, "fast-past-can-man-short-bought-long-songs-round-ground-you-to", isso sem contar com o "me-see", entre versos!


    O grande charme da canção, claro, são os instrumentos indianos! E a cítara é o grande astro. George a toca na introdução, mas um outro citarista entra em campo ao longo da canção, afinal George não era o virtuose no instrumento para tocar daquele jeito. Seu ponto alto é o riff de 7 notas, e o primeiro antecede à entrada, monumental, dos outros instrumentos, que enchem o aambiente até o final. O riff introduz cada verso, e é repetido três vezes em cada refrão. A cítara segue ativa ao longo de toda a canção em improvisos. A percussão é fornecida por uma tabla, que foi microfonada bem de pertinho por Geoff Emmerick, o produtor de campo que assumiu a batuta em Revolver, enquanto George Martin ficava na salinha do aquário, supervi
    sionando tudo de cima! Os instrumentistas indianos ficaram estupefatos com o resultado, nunca visto!! O som que se ouve ao longo de toda a canção, numa mesma nota, zumbida (drone sound) sem parar, grave, é produzida por um tambura. 
    Entretanto, há a presença de um instrumento ocidental: é George, com sua guitarra alterada pelo pedal de volume (Tone Bender), que Paul havia usado no baixo em Think For Yourself, de Rubber Soul. Você percebe o som quatro vezes em cada refrão, sempre na mesma nota. Foi a terceira vez que eu falei em "mesma nota" nesta análise, com tambura, com guitarra e com voz!  
    A canção foi muito bem recebida pela crítica e pelos doutos da contracultura da época, e considerada revolucionária. Era a quarta em quatro canções instigantes do instigante Revolver!  Nem precisa dizer que nunca foi tocada ao vivo, mas ela volta, linda, no filme Yellow Submarine, introduzindo o próprio George Harrison, cabelos ao vento! Ouça aqui, neste LINK, como saiu no filme.


    5. Here, There and Everywhere   Love Girl Song by Paul McCartney)

    Paul conta "Aqui, mudando minha vida com um aceno de sua mão .... Lá, passando minha mão sobre seus cabelos, nós dois pensando como isso pode ser tão bom"  
    Terceira linda balada de Paul, após Yesterday, em HELP e Michelle, em Rubber Soul, Here, There and Everywhere não teve o sucesso de público das predecessoras,mas é lindíssima! Duas canções antes, nesse Lado A de Revolver, contávamos a história da sonolência de John, de como ele dormia até tarde, e Paul aparecia na casa dele no subúrbio para acordá-lo e botar o amigo para trabalhar (I'm Only Sleeping).
    Uma vez, entretanto, em algum dia da primeira quinzena de junho de 1966, Paul resolveu deixar o amigo dormir, pegou um violão e foi para a beira da piscina e compôs praticamente toda a canção. Quando John acordou, "still yauning", ouviu o que Paul lhe cantou, adorou 
    (ele sempre declarou que Here, There and Everywhere era uma de suas preferidas de Paul), deu uma ou outra contribuição na letra e ela estava pronta pra enfrentar o estúdio. Após uma tocante introdução com a receita para uma vida melhor, interessante perceber que cada um dos três versos é dedicado a cada uma das três palavras do título da canção. No Verso "Here", ele ressalta como seu amor muda sua vida com um simples aceno de mão; no Verso "There", como um cafuné faz seu amor se esquecer da vida, sem perceber o que acontece ao lado; o Verso "Everywhere", em verdade, finaliza a ponte que atesta a necessidade de tê-la em todo lugar, ele declara que seu amor nunca morrerá. Que lindo... mas sabemos que a inspiração, sua namorada Jane Asher, não aguentou por muito tempo aquele amor livre, aquele relacionamento aberto que eles tinham e deu-lhe um chute e seguiu sua vida.
    Bem, voltando à estrutura, Paul segue seu hábito rimas internas e rica: Verso 1, "...wave of her HAND, nobody CAN", Verso 2, "... how good it can BE, someone is sPEAking" (bem, é uma rima bem forçada, mas tudo bem), e Verso 3, "...that love never DIES, watching her EYES". Outras rimas ricas são polvilhadas ao longo de versos e ponte, vejam, assim na forma de trenzinho "hair/there-everywhere/care-share/there" 
    Ela foi a penúltima a ser gravada para o álbum e requereu três sessões para finalizá-la. A base foi Paul na guitarra base, Ringo na bateria e George na guitarra solo, esta última, só aparece nas pontes! Cadê John? Ainda no primeiro dia, Paul, George e John fizeram os "Uuuu's" que se ouvem lindamente ao longo de toda a canção, com os três juntos, dividindo um microfone, como nos velhos tempos. Foi George Martin quem fez o arranjo vocal, simples, mas lindo! Num segundo dia, houve os overdubs, George com mais guitarra nas pontes e também na conclusão, esta com o auxílio do pedal de volume, Paul finalmente toca seu baixo, e os três  cantores gravaram de novo os "Uuuu's" porque a velocidade foi um pouco menor no segundo dia,  e depois preenche a última trilha (que surgiu após uma redução, juntando duas trilhas em uma só) com seu vocal principal, agudo, quase falsetto, maravilhoso, veja como as coisas funcionam! Ouviram-me dizer 'John tocou ---'? Não, não ouviram porque, mais uma vez, a contribuição de John é só no backing vocal, e talvez com os dedos, veja a seguir. O terceiro dia foi muito curto, apenas Paul acrescentando uma harmonia grave nos trechos do Verso 3 "... love never dies!" e "...watching her eyes". E note aí nesse trecho (volte pra ouvir que é legal!), um estalar de dedos, no ritmo, até o final do verso e por toda a conclusão da canção, onde é a única vez que se ouve o título, por completo... "Here, there and everywhere". 
    Nunca se ouviu os Beatles tocarem-na ao vivo, mas sim UM Beatle, Paul, seu autor, não a deixou ao relento da história. Fez uma versão diferente no filme 'Give My Regards To Broadstreet', e uma versão acústica, no primeiro Acústico MTV (Unplugged), sim, mais um primeira-vez-na-história de um Beatle. Deixo aqui, neste LINK.

     6. Yellow Submarine   Tale Story Song by Paul McCartney)

    Paul conta na voz de Ringo: 'Na cidade onde eu nasci viveu um homem que viajava pelo mar. E ele contou sobre sua vida na Terra dos Submarinos!' 
    Olhaí o Paul fazendo uma canção especialmente para Ringo brilhar! Ele se deitou um dia e veio uma imagem colorida e depois um submarino, e uma canção alegre, para crianças, e a fez sem muita variação vocal, para propiciar um desempenho bom ao amigo, que não tinha lá um alcance muito brilhante. John contribuiu na letra, mas a melodia e o refrão 'We all live in a Yellow Submarine são de Paul. Um amigo deles, Donovan, sugeriu o 'Sky of blue and sea of green' super poético. Esse cara é o mesmo quem ensinou a John, anos depois, o dedilhado de violão que acabou usando em Julia e Dear Prudence, portanto, ele pode se considerar já importante no cenário Beatle! Não se pode dizer que a letra seja um primor, pois só tem uma rima, e nem rica é, "green" com "submarine", dois substantivos (mesmo a cor, normalmente um adjetivo, está ali na classe substantivo). Mas está firme a política de não repetição: são 5 (cinco!) versos diferentes, sendo o terceiro pela metade, introduzindo a 'banda' e o quarto com um diálogo marinho (ver lá embaixo)! Uma curiosidade é que Ringo alterou um trecho da letra ao cantar. Estava escrito "Everyone of us has all he needs", mas ele cantou "has all we need", e assim ficou, mesmo errado!
    A gravação teve dois dias distintos, no primeiro se dedicaram à canção itself, com John no violão, Paul no baixo, Ringo na bateria e George na pandeireta, hehehe, não tinha guitarra na gravação. Depois, Ringo acrescentou seu lead vocal, e teve o luxuoso auxílio do maior trio harmônico da história da música, aliás foi o único ser humano que teve esse luxo, em algumas oportunidades na carreira enquanto Beatle. A harmonia dos três aparece no refrão!

    John, assim como todos, estava inserido no clima da canção e acrescentou um tempero fenomenal  ainda naquele primeiro dia de gravação. Foi por sobre o vocal de Ringo, já gravado, ele incorporou um demente e foi espelhando, ecoando o final de cada linha no verso final.  Geoff Emmerick o produtor ali do chão de fábrica, alterou o som de sua voz, para que parecesse saído de um megafone do alto de uma escotilha!  Algo assim: 

    E deixo, em homenagem aos 90 minutos que dediquei a esta canção, um Áudio para explicar melhor este momento final. Neste LINK. 
    Ainda assim, seria uma canção quase normal, mas no segundo dia de gravação, a coisa saiu fora de controle  ... que bom! Após uma parada de quase uma semana, por conta de uma doença de George Martin, mente vazia, oficina do diabo, os Beatles decidiram chamar amigos para participarem da gravação final. Vieram Marianne Faithful, Mick Jaegger e Brian Jones (dos Rolling Stones), Pattie Harrison, esposa do George, eles produzem aquele papo de fundo no segundo verso. Mal Evans (o eterno roadie) estava lá como sempre e alguns desconhecidos, dentre eles o próprio motorista dos rapazes. John e Paul assumem os papéis de Capitão e piloto do submarino "Full speed ahead Mr. Boatswain, full speed ahead, Full speed ahead it is, Sgt. Cut the cable, drop the cable, Aye, aye, Sir, aye, aye. Captain, captain". Vários efeitos sonoros foram criados, ondas do mar, apitos, sinos, latas, correntes, e até bolhas insufladas por John num balde d'água. Sons de motores, gritos de comando, e até uma banda de circo foi simulada, após o "and the band begins to play", não, não era uma banda de metais contratada, mas um som vindo do banco de sons da EMI. Todos que estavam no estúdio entraram no singalong do refrão, e Mal Evans, o gigante gentil  (1,97 m), conduziu a todos portando um tambor daqueles da frente de banda marcial, até porque é  uma marcha mesmo, puxando uma fila indiana pelo estúdio e todos cantando 'We all live in a yellow yubmarine, a yellow yubmarine, yellow yubmarine!'. Uma festa, saudada por John em entrevista posterior: "We virtually made the track come alive in the studio." Pena que não há registro em vídeo da efeméride. 

      

    A canção foi lançada em compacto Lado A (a única vez que Ringo estrelou um compacto), tendo Eleanor Rigby no Lado B, na verdade, um duplo Lado A. Foi o primeiro compacto em que os Beatles lançaram músicas que já estavam em um LP, Revolver, lançado no mesmo dia. O single chegou ao primeiro lugar no Reino Unido, mas 'apenas' ao Número 2 nos EUA, porque coincidiu com a repercussão da fala de John sobre Jesus Cristo e consequente banimento das rádios em alguns estados do sul.  
    Paul conseguiu seu intento de criar uma canção infantil, porque ela é, de longe, a canção mais lembrada e cantada por crianças, até hoje, em todo o mundo, e responsável, em parte, pela penetração de Beatles na juventude, porque eles vão crescendo e depois conhecendo outras canções, se os pais forem preocupados o suficiente com o gosto musical dos filhos. Mas o que Paul não esperava, certamente não estava em seus planos, não a fez com essa intenção, que a canção tivesse tanta repercussão em movimentos de contracultura, a atmosfera colorida, o convite a viajar até o sol, muito daquilo até foi considerado um convite às drogas. A coisa chegou a um ponto de a canção ser usada em  manifestações anti-Guerra do Vietnam na época, e segue sendo até hoje, contra governos fascistas. Tão marcante foi o legado da canção que dois anos depois, ela foi tema do quarto filme dos Beatles, na verdade, uma animação psicodélica da maior qualidade com grande receptividade de crítica e público. E, atrelado ao filme, um LP inteiro, na verdade, um lado dele com canções dos Beatles que aparecem no filme (menos Nowhere Man), três delas inéditas e o Lado B, com as canções clássicas lindas da trilha, criadas pelo Maestro/Criador/Gênio George Martin.

    7. She Said She Said (Dtr Girl Song by John Lennon)

    John argumenta "Ela disse: Você não entendeu o que eu disse.' Eu disse: 'Não, não, não. Você está errada! Quando eu era um garoto, tudo era certo, tudo era certo."  

    Olha, sempre gostei dessa canção, sua guitarra pesada, a bateria inspirada, a valsinha lá no meio, o vocal de John (como sempre), e tal, e sabia algo da inspiração, mas apenas recentemente, atinei para a interessantíssima história de sua gravação.
    Vamos à ordem natural da coisa: a inspiração! Os Beatles estavam na turnê americana de 1965, e descansavam num resort na Califórnia, rodeados de convidados famosos e convidadAs, algumas delas estrelas da revista Playboy, sabem o que eu quero dizer. John e George haviam experimentado LSD em New York, e estavam com a firme intenção de trazer Ringo e Paul para a mesma ‘viagem’. Foram bem sucedidos com Ringo, mas Paul (Paul? Cadê Paul?) resistiu, mas viria a viajar posteriormente. Enfim, o ambiente era de sexo, drogas e até rock and roll, este último só na inspiração, os outros dois, direto! Peter Fonda, ainda antes de Easy Rider, era um dos convidados e, a cada cinco minutos, dizia: “Eu sei o que é estar morto!” Foram muitas as vezes, John se encheu da lúgubre companhia dele, mas guardou a frase “I know what is like to be dead” e respondeu na última vez “You make me feel like I’ve never been born”, que ele guardou no bolso também, mas só no ano seguinte, vieram a melodia e o resto da letra, com alguma colaboração de George, na ponte! Paul? Cadê Paul? John resolveu colocar as palavras de Fonda na boca de uma mulher (“She said”), e a canção virou uma DR de casal. O primeiro verso é “I Said” tra-la-lá, o segundo verso é “She said” tra-la-lá, “eu disse, ela disse”, pronto, típica DR, inclusive na ponte, que está expressa no título do post, e traduzida aqui em cima, no caput!!! Depois da ponte, vem um terceiro verso, com letra diferente, olha a norma Beatle em ação, sem repetição. Já em rimas, são poucas, e todas num único fonema “éd”, veja: “said-dead-sad-mad-head”. Depois da repetição da ponte, vem um quarto verso, porém como repetição do terceiro. Isso é permitido no manual, hehe...
    Agora, o inusitado. Veja o cenário!  
    A última sessão de gravação de Revolver fora em 17 de junho. No dia 21, os quatro Beatles foram a Abbey Road para acompanhar a primeira sessão de mixagem. Numa bela hora, alguém reparou: "Gente, tem só 13!!". Era quase regra que os LPs deles teriam sempre 14 canções (apenas A Hard Day's Night tivera 13, mas eram TODAS Lennon/McCartney). Todos os olhos se voltaram para John! E ele não decepcionou: "Tenho esta musiquinha aqui!" e cantarolou She Said She Said, para estupefação geral. E 'bora descer pro estúdio. Eram 7 da noite, após um dia inteiro de mixagem!!! Mal Evans coletou guitarras dos armários, montou bateria e bora ensaiar, não era o plano, o chão de estúdio estava vazio, varrido, encerado, pronto pra próxima banda dia seguinte. Não tinha outra data... dois dias depois eles partiriam pra excursão à Alemanha, Japão e Filipinas! Bem, ensaiaram, ensaiaram, ensaiaram, perto de 25 vezes até John mandar ligar o gravador. E gravado ficou: John na guitarra base, George no baixo, Ringo na bateria. Paul? Cadê Paul? E depois foram três takes até John considerar ok!! E então vieram os overdubs. George na guitarra solo, mais George em sua guitarra 'indiana', Ringo no chocalho, e John no órgão Hammond (uma nota só ao longo de toda a canção). Paul? Cadê Paul? E veio o magnífico vocal de John e o magnífico backing vocal de George e ... Paul? Cadê Paul? 
    Pois é... algo houve durante os ensaios, alguma desinteligência sobre os arranjos, entre o baixista Paul tentando dar o melhor de si para a canção que acabara de apender, e John, seu exigente compositor, e Paul disse: "Oh, f##k you!". Uma verdadeira DR entre amigos, com o abandono de um deles. Os três olharam um para o outro e disseram: "Well, we'll do it". E George assumiu o baixo, deixou a guitarra para os overudbs, deu o melhor de si. Depois, dos overdubs, de volta à mixagem, mais um par de horas, e She Said She Said estava pronta, ás 4 da manhã do dia seguinte, sem NENHUMA participação de Paul! Foi a primeira vez que isso aconteceu!
    Mas olha, sabe aquela característica dos cegos, que compensam um pouco sua desventura, com uma audição, e um olfato privilegiados, ou um surdo em relação à audição e visão? Foi o que aconteceu em She Said She Said. Ringo e George mostraram ápices de suas competências na bateria e guitarra e compensaram a ausência do amigo. No baixo, George foi apenas burocrático no baixo, afinal não era sua physique-du-role, mas ele extrapola na guitarra, distorcido, presente, arriscando, ecoando as notas de John nos versos. E note como Ringo está agressivo em sua bateria, praticamente acompanhando as notas do vocal de John, e nos ecos de George na guitarra, e depois especialmente vigoroso nos pratos, e depois mudando o tempo para um 3 por 4 na ponte em valsa, e depois no final, acelerando a bateria, um show, considerada seu melhor desempenho até então. E George também super-atuante na harmonia vocal, fazendo a gente nem sentir falta do vocal agudo de Paul! 
    E como é que uma canção de última hora, gravada às pressas e com discórdia na banda chega a tamanha repercussão? É porque era John Lennon, é porque era Beatles. She Said She Said foi considerada, juntamente com I'm Only Sleeping (já analisada) e Tomorrow Never Knows, que fecha o álbum (a ser analisada por este escriba), como o tripé inaugural da era psicodélica. E não ficou por aí, a unanimidade de recepções positivas atingiu ninguém menos que o Maestro Leonard Bernstein, admirado pela mudança no tempo (lembrem da valsa na ponte). Vou deixar aqui sua declaração original: "... remarkable song ... and demonstrated its shift in time signature as an example of the Beatles' talent for inventive and unexpected musical devices in their work". Então, é tão marcante essa mudanã de tempo, que eu fiz questão de deixar aqui pra vocês, neste LINK. 
    Para finalizar, procurava eu por uma imagem para ilustrar o post e encontrei essa capa de compacto, que unia She Said She Said e Good Day Sunshine, justamente a canção que virá em seguida, e achei-a perfeita para ilustrar a presença de Paul, com uma breve edição de minha parte. Afinal, são duas canções com sete Beatles tocando, então, na média, três e meio em cada uma (ah, as estatísticas...), e o Beatle pela metade está bem claro em minha edição! Só não consegui achar aonde esse single foi lançado! Quando algum especialista me informar, eu corrijo aqui!! Essa é a beleza do blog!! Sempre disposto a  aceitar alterações!

     



    8. Good Day Sunshine  Love Girl Song by Paul McCartney)

    Paul está feliz "Estou apaixonado e sei que ela é minha! Bom dia, Sol! Bom dia, Sol!"  
    Segunda canção de amor de Paul em Revolver, única classe e assunto que se repete no álbum!  A outra é a estupenda Here, There and Everywhere. As duas foram feitas sob o sol, ao largo da piscina da casa de John, que teve pouquíssima participação em suas letras. E, falando em sol, é a segunda canção Beatle que leva o sol no nome e, a partir desta, Paul perde o monopólio iniciado com I'll Follow The Sun, e passa a bola pra George e John que dão boas-vindas ao Astro Rei em Here Comes The Sun e Sun King, ambas em Abbey Road. O clima de todas as outras canções do revolucionário álbum é bem menos upbeat (pra cima), menos leve, aliás, o próprio Paul tem canções densas como For No One e Eleanor Rigby, e mesmo Got To Ge You Into My Life, aparentemente outra canção de amor, não é nada disso, verão em breve!
    Bom, interrompendo as curiosidades, vamos à letra! Quer um resumo em poucas palavras? Paul passeia no parque ao sol, e está feliz com sua namorada! E eu digo namorada, pois seu amor no momento, era Jane Asher, a atriz com quem tinha um relacionamento aberto, já comentado em diversas canções. A canção não tem pontes, apenas versos (2,5) e refrões (5x3 "Good day, sunshine!"). A razão do 'meio' verso da contabilidade, é porque a outra metade daquele segundo verso não tem letra, mas um excepcional solo de piano, tocado por quem? Deixo um pequeno mistério, a ser esclarecido mais adiante! As regras Beatle de composição estão presentes, pois os versos têm letras diferentes e as rimas são ricas, em sua maioria, "out-about-down-ground-tree-me-fine-mine", a escorregada ficando por conta da paupérrima "way-day". 
    Good Day Sunshine tomou apenas uma sessão de gravação para ser concluída pelos rapazes. A base foi Paul ao piano, George no baixo e Ringo na bateria, ué, cadê John? Bem John aparece nos overdubs, usando boca e mãos! A boca, com sua voz harmonizando os vocais dos refrões juntamente com George. As mãos, batendo palmas, juntamente com os outros três, note que elas começam durante o solo de piano, em um ritmo, que é mantido no próximo verso, mas dobram a velocidade nos refrões finais. Fundamentais! Ringo acresce um pandeiro ao longo de toda a canção e, finalmente,  vem o solo de piano, complementando o segundo verso, tocado magistralmente por quem, Quem, QUEM? Raimundo Nonato? Não, claro, foi o Maestro George Martin, descendo do aquário para brilhar, num piano, acelerado para assemelhar o som a um Honky Tonky, como faria dali a dois anos em Rocky Racoon! Não chega a ser uma obra-prima como a que fez em In My Life, mas é fenomenal! Não se pode deixar de destacar o piano base tocado pelo autor Paul com muita competência, imprimindo um tom alegre à canção, ao longo dela toda, e só interrompido para o solo entrar. 

    Os Beatles nunca a tocaram ao vivo, mas Paul, ah, o velho Paul, a colocou em status estratosférico! Quase 40 anos depois, Good Day Sunshine foi tocada ao vivo para uma Estação Espacial. Em novembro de 2005, em uma das ‘performances’ do show da US Tour, em Annaheim, California, Paul e sua banda acordaram os astronautas da Estação Espacial Internacional pela primeira vez com uma performance ao vivo. Normalmente, os astronautas são acordados por música gravada. Daquela vez, o foram por uma canção muito apropriada para quem está acordando com a luz do sol batendo firme nos olhos, como nenhum outro ser humano pode apreciar. Veja o LINK: lá no alto, dois astronautas, um americano, que dava piruetas de felicidade, em gravidade zero, ao lado de um soviético que parecia não estar lá muito bem entendendo o que se passava. A outra canção foi English Tea, do disco solo daquele ano! 


    9. And Your Bird Can Sing (Person Speech Song by John Lennon)

    John oferece "VOCÊ me diz que tem tudo o que quer, e que seu pássaro sabe cantar, mas VOCÊ não me pega!"  

    Depois ele repete mais três vezes essa estrutura, com outras declarações terminando com '.. mas VOCÊ não me engana'. John nunca esclareceu o que queria dizer exatamente com a canção, mas as especulações grassaram. Nunca foi esclarecido, jamais será. Rumores povoam a mente dos fãs desde então. O Você poderia ser, no primeiro verso, Frank Sinatra, com quem os Beatles disputavam o estrelato na América, por conta de uma entrevista do  Blue Eyes, em que duvidava veladamente do talento dos Beatles,  onde disse dizia: "I've got everything I want", ou ainda,  segundo verso ("You say you've seen seven wonders"), o  seu parceiro Paul McCartney, que havia 'descoberto 7 níveis', em sua primeira 'viagem' nas drogas, até pedindo ao good old Mal pra anotar!! Ou ainda, na primeira ponte, um recado para Marianne Faithful, namorada do Mick Jaegger, em quem John tinha um olho cobiçante, que quando perdesse suas "prized possessions, ... look in my direction, I'll be round", ou ainda na segunda ponte"When your bird is brokend ... I'll be round".", o Você poderia ser o próprio Mick, sendo “Bird” a própria Marianne... Enfim, mas aqui é um bom gancho para comentar a riqueza da estrutura da letra: já são dois versos com a letra diferente e duas pontes também com letra diferente! E ainda tem um terceiro verso, também diferente! É regra mesmo!! Já em rimas, há ocorrncências de rimas pobres, como "broken-awokenou "possessions-direction", não compatíveis com o usual cuidado. Em compensação, há uma outra rima rica, tipo "down-roundmas, mais importante é uma rima de longo curso, inovativa  ENTRE versos, note que a 2ª  linha do Verso 1 rima com a 2ª  linha do Verso 2, que rima com 2ª linha do Verso 3,  "sing" com "green" com "swing", por sua vez, ricas entre si! Novidade! Note também que as primeiras linhas de cada verso, tem métrica variada, com o primeiro e terceiro versos cantando 10 sílabas e o segundo, apenas 8. Outra novidade! Quer mais uma? O título da canção é cantado apenas uma vez. Note que é raríssimo! Claro que nada comparado às canções em que o nomes nem aparece, aliás, com duas rerpesentantes no próprio álbum, Love You To e Tomorrow Never Knows.

    Musicalmente, o ponto ALTÍSSIMO da canção é o espetacular riff de guitarra, com George e Paul em harmonia,  fazendo uma voz cada, tão bom, mas TÃO BOM, que ele é repetido, aparece duas vezes, na íntegra,  na canção, após as duas pontes, além de parte dele ser usada na introdução e uma diferente no final! Foram duas sessões de gravação necessárias, sendo que, a segunda praticamente jogou fora o que veio da primeira. Gravaram nova base, com John na guitarra rítmica. Paul no baixo, Ringo na bateria e George na guitarra solo, já com aquele complicado jogo de notas, que requereram 7 takes, até ficar no ponto para os overdubs. Somente aí, Paul teve a ideia de harmonizar no já espetacular solo de George, fazendo uma segunda voz! E criou-se a maravilha, que espantou fãs em todo mundo. Outros acréscimos foram um pandeiro de John, meio inconstante, note, e as deliciosas palmas, dos quatro, e o próprio lead vocal de John, com o uso do ADT (authomatic double tracking), que aliás foi usado também nas guitarras, e vieram também as harmonias vocais de George e Paul, em pontos selecionados, ressalto as três vezes em que criam aquele apito, uma verdadeira sirene, nos "meeeee"s que finalizam os três versos! E eu deixo aqui um áudio com um trecho da camção, com a 1ª ponte e o 1° solo, aliás rogo pra notarem as palmas na ponte e como elas dobram no solo! 
    Finalizando, aquela nota triste por And Your Bird Can Sing nunca ter subido ao palco, aliás, ia ser difícil Paul tocar o seu baixo e ao mesmo tempo tocar a guitarra para o solo. Quer ver uma simulação? O videogame Rockband colocou-os tocando no Japão.

     10. For No One    (Sadness Miss Song by Paul McCartney)

    Paul lamenta"E nos olhos dela você não vê nada, nenhum sinal de amor atrás das lágrimas, solitárias, um amor que devia ter durado anos"  
    Ô canção triste! Quarta linda balada de Paul, após Yesterday, em HELP e Michelle, em Rubber Soul, e Here, There and Everywhere neste mesmo Revolver! Paul analisa calmamente a falta de sinais de amor por ele na garota, ainda que ela chore lágrimas, por ninguém, claramente ela não precisa mais dele. Não parece ter sido inspirado em caso real, pois foi escrito enquanto ele e Jane Asher estavam num chalé na Suíça, de férias, enfim. Das melhores baladas da carreira de Paul, apenas piano, bateria e baixo, mas com o auxílio luxuoso de uma trompa (french horn), sobre a qual contarei em seguida!
    Riquíssimas letra e estrutura, onde as rimas falam  menos que a poesia. A estrutura, 3 vezes Verso-Verso-Refrão, portanto 6 versos, um deles ocupado pelo solo de trompa, daí, 5 versos com letra, TODOS diferentes, sim mesmo o último, você pensa "ah, agora ele vai repetir,peguei ele!", porque começa com "Your day breaks, your mind aches", igual ao primeiro verso, mas não, o seguimento é diferente, em genial conclusão. O refrão "And in her eyes you see nothing, no sign of love behind the tears, cried for no one, a love that should have lasted years." é repetido, sem culpas, afinal refrões são repetíveis, ora, e este tem só uma rima e ela é pobre, "tears" com "years", mas quem se importa? Muito mais importante é o que acontece no primeiro e no segundo versos, com os jogos de palavras "linger on" com "no longer", eu acho isso nada menos que genial, e a tripla "wakes up" - "makes up" - "takes her time", no mínimo, fascinante. Bem, chega de letra! 
    Em For No One, os Beatles são apenas Paul e Ringo, no sign of George or John on tune  até podia ser cantado na letra. A base é Paul no piano e Ringo num chimbal bem sutil, aqueles pratos acionados por um pedal. Nos overdubs, Ringo volta com um pandeiro, Paul coloca seu estupendo baixo, descendente enquanto a melodia cresce, e vice-versa, e ele também toca um clavicórdio trazido da casa de George Martin, porque ele queria dar um
    som barroco à gravação, ao que Paul pensou em trazer uma trompa (french horn) para o mesmo efeito. A EMI contratou o melhor instrumentista da cidade (assim eram os Beatles), um certo Alan Civil, mas ele teve que suar, porque assim eram os Beatles, buscando audaciosos limites. Martin perguntou a Paul como seria a melodia da trompa, Paul cantarolou, Martin colocou numa pauta, mas disse: "Paul, não vai dar, porque esse FA lá alto vai ser difícil, o máximo recomendável é um MI para uma trompa normal!" e Paul disse: "Mas é assim que eu quero!" E assim foi!  Foram 4 horas de sessão até conseguir o efeito desejado. E foram duas vezes, uma em solo, outra junto com o  último verso cantado, e ainda uma delicada nota final. Alan Civil carregou a fama de t
    er tocado com os Beatles até o final de sua vida. Deixo aqui, neste LINK, um áudio com a origem desse sucesso. 


    11. Dr. Robert (Story Acid Song by John Lennon)

    John conta: 'Ele é um homem em quem pode confiar. Ele ajuda a todos que precisam, Ninguém é melhor do que Doutor Robert. Bem, bem, bem, você se sente bem. Bem, bem, bem, ele o ajudará'
    Há algumas versões sobre a quem John se referia. Todas elas remetem a pessoas que os teriam introduzido no mundo das drogas. Seria um nome disfarçado para John Riley, um dentista na casa de quem John, Cynthia, George e Pattie foram, e que lhes teria oferecido café batizado com LSD. Porém, há três Robert's candidatos ao posto de inspirador, que poderiam ser a solução da equação: 1. Robert Freymann, um médico que prescrevia vitaminas e anfetaminas para o high society de New York. 2. Robert Fraser, dono de galeria que era conhecido como bom fornecedor de maconha e cocaína, ou 3. Robert Zimmerman, mais conhecido por Bob Dylan, que apresentara a maconha para eles, num evento que já comentei e
    m capítulo anterior (LINK), e voltarei a falar numa próxima canção. John nunca confirmou a quem ele se referia, então sempre ficaremos no terreno das hipóteses, mas, sim confirmou que era sobre 'sentir-se melhor sob o efeito de drogas'. Coisas como "He helps you to understand" ou "If you are down he'll pick you up" ou "Take a drink from his special cup" não deixam dúvidas disso.  Paul teria contribuído com a ponte "Well, well, well, you're feeling fine". Estruturalmente são 3 versos longos, com 5 linhas cada um, e com letras diferentes (check!). Rimas ricas aos borbotões "call-all-up-cup-health-yourself-need-suceed-man-can" 
    Musicalmente, a canção é simples! Todos em seus instrumentos tradicionais na base, e nos overdubs, John toca um harmonium (nas pontes), George acrescenta mais de sua guitarra, e também um chocalho, e, claro os vocais: John no lead vocal, mas com ADT (Authomatic Double Tracking), instrumento eletrônico criado por Ken Townsend usado pela primeira vez nessa canção, Paul harmonizando no agudo com John nas metades finais de cada verso ("... you're a new and better man, he helps you to understand, he does everything he can, Doctor Robert") , e George entra também nas pontes ("Well, well, well, ..."), tudo isso após extensivo treinamento com o Maestro George Martin.

     12. I Want to Tell You   Flirt Girl Song by George Harrison)

    George chaveca: "Eu poderia esperar para sempre, eu tenho tempo. Às vezes eu gostaria de poder te conhecer bem, então poderia falar abertamente e lhe contar, talvez você entenderia. Eu quero lhe contar"  
    Como eu disse, Assunto: Garotas; Classe: Paquera! Se houvesse uma sub-classe, eu poderia classificar como: Paciência! Ou, Timidez! Nesta 3ª canção de George em Revolver (um marco em sua história Beatle),  ele está cheio de coisas pra falar quando  está com ela, mas as palavras parecem sumir quando ele se aproxima, as coisas começam a atrapalhar. E então, ele se resigna: "Está tudo certo! Talvez da próxima vez eu consiga!Poor George!   Mas é apenas um personagem.... ele não parecia ser assim, tímido, na vida real, quando abordou Pattie Boyd, nas filmagens de A Hard Day's Night, por exemplo. No momento da composição, ela já era Mrs. Harrison. Bem, George podia demorar a entregar uma canção mas quando o fazia, entregava perfeição, e de acordo com o cânone Beatle: são quatro versos diferentes um do outro e também duas pontes contando uma história cada uma! Ah, sim, há uma repetição, mas é de uma frase ("I don't mind, I could wait forever, I've got time"). E as rimas, deveras ricas, vejam o 'trenzinho': "say-away-down-around-unkind-mind-my-time". 
    Musicalmente, eis aqui mais uma canção-sem-John-tocar-sua-guitarra. A base é George na guitarra, Ringo na bateria e Paul no ... piano! Sim, começava um período em que Paul preferia deixar sua linha de baixo para os overdubs, onde podia se dedicar mais, e entregar uma coisa mais bojuda! E Paul era o melhor pianista da banda! Assim, foi, mas ele colocou o baixo só na sessão seguinte. Antes vieram o chocalho de Ringo, o pandeiro de John (sim, ele toca algo!) por vezes com energia dobrada, e as harmonias vocais de John e Paul, em nas segundas e quartas frases dos versos! Notáveis são o riff de entrada da guitarra de George chegando de longe, e repetido ao longo da canção, e finalizando-a, mas também o piano de Paul num acorde dissonante, na segunda metade de todos os versos ("When you're here..." e "It's all right ...." e duas vezes "I don't mind...") e no ataque numa nota só anunciando o verso seguinte ou a ponte! Brilhante! 
    Claro que nada foi tocado ao vivo, felizmente George nos brindou naquele show no Japão em 1991, deixo aqui, em LINK, pra vocês. O vídeo é péssimo, note Eric Clapton em solos que não há no original. Note também o percussionista Ray Cooper ao fundo, um careca que sempre dá show! Note que a canção abre o show porque ele faz a mesura ao entrar. Não é a letra toda. Ele tinha muitas coisas a dizer para nós, ainda....

    13. Got to Get You Into My Life  (Story Acid Song by Paul McCartney)

    Paul conta: 'Você não fugiu, você não mentiu, você sabia que eu só queria te abraçar. E caso tivesse ido embora, você saberia a tempo, nós nos encontraríamos de novo, pois eu lhe disse: Oh, você foi feita para estar junto de mim, Oh, e eu quero que você me ouça dizer que estaremos juntos todos os dias. Preciso ter você em minha vida.'
    Perceberam a declaração de amor eterno? Quem seria a felizarda a quem era dedicada essa canção, uma verdadeira Love Song? Jane Asher, sua namorada? Bem, não foi bem assim. Muitos anos depois, Paul contou a verdade: era a maconha 'marvada', chamada de 'Pot' na boca pequena!!! Pois é, vamos voltar ao encontro com Bob Dylan que, aliás, pensava que eles já estavam na onda, porque na canção I Wanna Hold Your Hand, eles berravam 'I get high, I get high, I get hiiiiigh'  hehe, na verdade, era 'I can't hide, I can't hide, I can't hiiiide'. Todos ficaram chapados, mas foi Paul quem descobriu o 'segredo do universo'. No meio da 'viagem', ele chamou Mal Evans, o roadie que sempre estava com eles, e pediu 'Tive uma revelação. Anota aí, Mal, pra eu não me esquecer: Existem 7 níveis!' Paul achou engraçado quando Mal lhe entregou o papel no dia seguinte, e não fez nada com a descoberta, mas, brincadeiras à parte, o fato é ela realmente se tornou companheira dele, tanto, tanto, que as ÚNICAS noites de sua vida de casado em que não passou com Linda foram no Japão, quando ele foi PRESO ao chegar no aeroporto, por porte de maconha. Letra enganosa e extensa, com três versos extensos, com 7 linhas cada um, sendo as 3 últimas com melodias diferentes das 4 primeiras,  e cada um com letra diferente dos demais. Em termos de rimas, note no 1° verso a interessante ocorrência de rimas pobres (paupérrimas, aliás), com palavras iguais "there", mas com precedentes ricas ("mind" com "find"), o que torna o conjunto rico!  No 2° verso, ocorre coisa similar, "hold you" com "told you", porém como as duas precedentes são verbos, a riqueza do conjunto vai pro espaço, mas no 3° verso, tudo volta ao normal, "stay there" com "way there", todas as ocorrências nos segmentos maiores dos versos, onde também a riqueza se estabelece nas rimas "ride" com "I" e "lie" com "time" e . Há outros conjuntos nos segmentos menores de cada verso,  a saber, "see you" com "need you", pobre, depois "near me" com "hear me", rico, e depois repetindo o primeiro no verso final. Saldo mais que positivo!! 
    Na história de gravação da canção, aqui inverteu-se, pois em Revolver, 'as primeiras serão as últimas', explicando: a 1ª canção a ser gravada, Tomorrow Never Knows, seria a última no LP final, enquanto a 2ª, exatamente esta que analisamos aqui, a penúltima faixa! E foram quatro sessões, tendo a última um distanciamento enorme das outras três, explicarei por quê. A primeira base foi apenas o violão de Paul, o chimbal do Ringo e um órgão de George Martin, abandonado ainda no primeiro dia, com a decisão de dar um ritmo soul à canção. No segundo dia, já são os quatro em seus instrumentos tradicionais, sendo que o pedal fuzz da guitarra de George aposentou a primeira ideia acústica! No 3° dia houve apenas um overdub de guitarra, e depois, houve a parada de 40 dias, quando o autor Paul pensou no toque definitivo, de dar uma puxada pro Motown que bombava nos Estados Unidos, decisão e execução que marcariam a faixa para sempre: a chamada de três trompetistas e dois saxofonistas. Eles chegaram, não tinha nada escrito, Paul tocou pra eles a visão que ele tinha da coisa, no piano, e algumas horas depois, saíram com o serviço pronto, cada um com 18 libras no bolso (equivalente a R$ 2000 de hoje) e o nome para sempre marcado na história deles!! Na versão final, os metais dominam totalmente, escondem as guitarras anteriormente gravadas, que aparecem apenas no final entre os dois últimos refrões. Já o baixo é proeminente, e também a bateria de Ringo, o chimbal ao longo de toda a canção e dois tambores anunciando versos e refrões.
    Claro que nunca foi tocada ao vivo plos Beatles, mas Paul a ressuscitou em três de suas excursões, mas deixarei aqui um versão marcante. Quem estava por aqui na década de 1970 com idade suficiente para gostar de boa música, com certeza notou a excepcional interpretação do Earth, Wind & Fire. Conheça ou relembre neste LINK

    14. Tomorrow Never Knows  (Trip Acid Song by John Lennon)

    John viaja: 'Desligue sua mente, relaxe e flutue correnteza abaixo, isso não é morrer, isso não é morrer. Renuncie a todos os pensamentos, renda-se ao vazio, isso é brilhar, isso é brilhar. Ainda você pode ver o significado de dentro, isso é ser, isto é ser'
    John tirou inspiração do Livro Tibetano dos Mortos, na visão de Timothy Leary, o guru dos anos 60, defensor das propriedades terapêuticas do LSD. Pronto! Nem preciso mais justificar minha classificação, né! O nome da canção foi por muito tempo Mark 1, depois The Void (que John não queria, porque atrelava ao estado da mente de um viajante do LSD - O Vazio), e acabou num malapropismo de Ringo, mais uma vez (remember A Hard Day's Night), que disse essa frase aparentemente sem sentido, que John adorou e adotou, mesmo não aparecendo na letra, coisa que aconteceu apenas em outras 6 canções na carreira (A Day In The Life, The Ballad of John & Yoko, Revolution 9, dele, e Love You To, The Inner Light e For You Blue, de George, Paul nunca se utilizou da prática).  Estruturalmente, é uma sucessão de oito versos (sem ponte, sem refrão) diferentes, sendo um deles ocupado por um "solo"... mais abaixo explico as aspas... Rimas? Nenhuma! Mesmo os verbos em gerúndio, terminando em "ing" podem ser assim considerados. Aliás, com essa viagem, quem se importa com rimas? Renda-se ao vazio, desligue sua mente, renuncie à ignorância e ao ódio, amor é tudo, jogue o jogo da existência até o fim, do começo, do começo.

    Musicalmente, a canção é uma verdadeira revolução.... apesar de ser apenas um acorde, um MI Maior. Ela abriu os trabalhos de estúdio para o álbum Revolver, em abril de 1966, com os Beatles já dedicando bem mais tempo ao estúdio, ainda iriam excursionar, mas não teriam mais nenhum filme para tomar seu tempo. Então, começou a experimentação. Coincidiu com a promoção do Engenheiro de Som Geoff Emmerick a Produtor, e o álbum foi seu primeiro trabalho nesse papel. Ao mesmo tempo que tinha boas idéias, ele materializava os desejos dos rapazes. Por exemplo, John queria soar como um monge tibetano no alto de uma montanha, sugeriu até que colocassem-no pendurado de cabeça para baixo enquanto girava em torno do microfone, gravando (!!!). Emmerick arrumou uma solução menos radical, passando a voz de John por um alto-falante Leslie, uma geringonça enorme usada para órgãos, que teve um efeito espetacular na voz de John e na excepcional bateria de Ringo, ambos foram gravados no Leslie! Dá pra notar o efeito. 
    E a revolução passava por invenções! John estava cansado de gravar sua voz por cima de sua voz (pra deixar o som mais cheio, dá pra notar, por causa de pequenos desvios em canções anteriores), Emmerick encomendou a Ken Thousend, um colega engenheiro da casa, e ele apareceu com uma engenhoca eletrônica a que deram o nome ADT - Authomatic Double Tracking, que produz o efeito sem falhas. O ADT foi usado até o fim da carreira dos Beatles e 'exportado' para outros estúdios. Finalmente, a bateria de Ringo precisava ficar de acordo com o peso da canção, e Emmerick autorizou um microfone grudado na bateria, prática que era proibida, Ringo adorou, enfim, uma penca de novidades. Afora isso, foi a primeira vez em que tiveram a ideia de gravar a guitarra de George invertida, coisa que apareceu ao mundo em Rain, gravada depois, porém lançada em compacto antes do LP. Outra inovação foi o uso e abuso de tape loops: os quatro Beatles produziram sons em suas casas, e trouxeram no dia seguinte e que se materializaram na versão final. Parte dessa salada de sons foi utilizada no "solo", agora dá pra entender as aspas!! Pra completar, George trouxe um tambura, instrumento indiano que produz um zunido tipo zangão, e que abre a canção. Foi uma festa! E estavam todos animados com as experimentações!

    A canção é considerada um marco na tecnologia de gravação! Geoff Emmerick ganhou um Grammy de Produção pelo álbum Revover, aos 21 anos de idade, ele era mais jovem que os Beatles! 


    Agora, sua recepção e legado

    O Nome

    Uma vez terminadas as gravações, os Beatles partiram para uma excursão a Alemanha, Japão e Filipinas, que não foi isenta de incidentes, conforme descrito no cenário. 
    Várias foram as alternativas. Abracadabra era o preferido, porque foi mágica o que fizeram em estúdio, porém outra banda lançou LP com o mesmo nome. Four Sides on a Circle, Pendulum e Beatles on Safari foram considerados, mas o mais divertido foi sugerido por Ringo, After Geography, em contraposição a Aftermath, dos Rolling Stones, lançado meses antes.
    Revolver foi considerado por lembrar o movimento do disco na vitrola mas, pra mim, refere-se mais à Revolução que foi o que aconteceu na música. Decidiram-se por ele no Japão e informaram à EMI por telegrama, coisas da época!

     A Capa

    É um desenho vanguardista dos quatro Beatles, com Paul de perfil, Ringo olhando pra cima, John de soslaio e apenas George de frente, com suas cabeleiras entremeando colagens de fotos tiradas ao longo dos últimos anos por Robert Freeman, que fora responsável pelas capas de quatros discos anteriores. O artista foi Klaus Voorman, alemão amigo dos Beatles desde os tempos de Hamburgo, também excelente baixista, que participou de gravações da carreira solo dos amigos. 

    O Lançamento
    Em UK, Revolver foi lançado em 5 de agosto de 1966, e seria o único ano da carreira dos Beatles em que lançariam apenas um LP. Três dias depois, seria lançado nos US, porém sem 3 canções de Lennon, aquela política doida da Capitol Records de desmembrar o catálogo original a seu bel prazer, o que os Beatles detestavam. Em compensação, os americanos foram privilegiados por receberem essas 3 canções (Dr. Robert, I'm Only Sleeping, And Your Bird Can Sing) antes dos ingleses, no LP The Beatles Yesterday and Today, lançado em junho, juntamente com canções que haviam ficado de fora dos lançamentos americanos de HELP! e Rubber Soul, e mais Day Tripper e We Can Work It Out, uma verdadeira salada! Bem temperada, mas uma salada!
    A confusão era tanta que Revolver, que era o  álbum dos Beatles no catálogo original, era o 12° nos Estados Unidos. E a capa original do extemporâneo lançamento certamente não ajudou no cenário de relações públicas em que os Beatles se meteram naquela época. Ela ficou conhecida como The Butcher Cover, veja por quê, ao lado, e toda a vendagem foi recolhida em seguida e trocada pela imagem mais comportada (menor), ficando a original um item de colecionador dos mais cobiçados!

    A Recepção
    Da crítica? Unânime! "Revolucionário!" O melhor álbum dos Beatles!" até então e assim é até hoje, inclusive rivalizando com Sgt. Pepper's como o melhor de toda a carreira. Eram muitas as revoluções por minuto que o álbum trouxe, letras mais profundas, inúmeros estilos musicais, instrumentos incomuns num lançamento pop (tabla, tambura, trompa, naipe de metais, octeto de cordas, além de todos os sons de Yellow Submarine), técnicas de estúdio (ADT, varyspeedtape loops, reversão, microfonagem próxima, compressão de som, Leslie speaker em voz e bateria), tudo isso foi notado e muito bem recebido, e muito bem copiado por outras bandas e outros estúdios.
    De público? Não 100%!! Quer dizer, não que o álbum não tenha atingido os píncaros das paradas em todo o mundo, porque chegou lá e ficou por muito tempo. Ocorre é que nos Estados Unidos, além da cara feia com que a capa de Yesterday and Today foi recebida, aquela entrevista de John ao Evening Standard lá de março, em que John disse que os Beatles eram mais populares que Jesus foi apresentada em uma revista americana bem na época do lançamento. As rádios do meio-oeste conservador fizeram boicote, e houve cidades em que foram promovidas queimas em praça pública de discos dos Beatles. O clima ficou tenso na excursão americana que empreenderam logo após o lançamento. John teve que se retratar, eles foram algo como perdoados mas tiveram redução de público nos locais de show. Ringo, como sempre bem  humorado acabou levando para o lado prático: "Queimaram os discos? Melhor, porque vão comprar tudo novamente quando passar!" E foi verdade!
    O fato é que aquele clima, que os fizeram temer por sua integridade física, mais os acontecimentos de Japão e Filipinas, mais a péssima qualidade de som nos estádios em que se apresentavam, acabaram por precipitar uma importante decisão. No voo de volta de San Francisco, após o último show da excursão, em Candlestick Park, em 26 de agosto de 1966, foi George quem propôs: "No more tours!" E os outros concordaram!
    Era o fim de uma era!
    E o começo de outra!

    Sgt. Pepper's vinha aí! 

    3 comentários:

    1. Magnífico meu caro Homero. Muito boa documentação. Parabéns pelo trabalho!! Venho sempre ler suas matérias. Forte abraço!!

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