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quinta-feira, 24 de junho de 2021

Past Masters Project - The Book 1

 Capítulo 49 

De minha saga  

O Universo das Canções dos Beatles

Todos os Capítulos têm acesso neste LINK 

Atenção, canções com títulos em vermelho 

 são links que levam a análises sobre elas.

Uma coletânea definitiva


Os Beatles tiveram sete anos e meio de carreira, nos quais lançaram 12 LPs fenomenais, dos quais apenas UM não chegou ao topo das paradas (Yellow Submarine - 1969), feito imbatível. Entretanto, havia outro formato que foi muito utilizado ao longo de toda a carreira, o compacto! Foram muitos sucessos absolutos da carreira lançados apenas nesse formato, não eram incluídos nos LPs. Era uma estratégia de vendas, que deu muito certo. O notável 'BILHÃO' de discos vendidos pelos Beatles decerto teve como maior parte de contribuição aquelas bolachinhas de vinil fenomenais. Foram 22 compactos, dos quais apenas DOIS não chegaram ao 1º Lugar (love Me Do - 1962 / P.S.I Love You e Penny Lane / Strawberry Fields Forever - 1967). Adicionalmente, lançaram um compacto duplo com inéditas e um EP Duplo com uma trilha sonora também foram lançados, com igual sucesso. E lançaram duas canções em coletâneas diversas. Em termos de inéditas, foram 27 canções, das quais 23 autorais, que ficaram naquele limbo, dizendo: "Queria um LP pra chamar de meu!!"

Terminada a carreira, com o lançamento do último LP e do último compacto, em 8 de maio de 1970, o catálogo dos Beatles estava assim, desconjuntado, com 12 LPs, um EP Duplo e um monte de compactos. Faltava muito ainda a ser feito pra organizar a vida sonora e, para matar a saudade dos milhões de fãs inconformados com o fim da banda, vieram as coletâneas oficiais, que agrupavam matricialmente as canções, fosse por estilo ou por colocação temporal. Alguns daqueles sucessos que estavam perdidos em pequenas bolachas viram a luz do dia em LPs. Houve muitas coletâneas, porém destaco 4 delas, que descrevo brevemente a seguir.

Em abril de 1973, a EMI dividiu a carreira dos Beatles em duas partes, temporalmente, e lançou os mundialmente conhecidos Álbuns Vermelho e Azul, o primeiro trazendo canções lançadas entre 1962 e 1966, e o segundo, as lançadas de 1967 a 1970, notabilizados também pelas imagens escolhidas para as capas. O Vermelho trazia exatamente a imagem dos Beatles no começo da carreira, tirada na escadaria dos escritórios da EMI da mesma sequência da que l extraíram a capa do 1º LP, Please Please Me. O Azul tinha os mesmos rapazes, seis anos mais velhos, nas mesmas posições na mesma escadaria em seus novos visuais, uma foto que fora tirada para ilustrar o LP Get Back, que acabou não saindo, em 1969, mas materializou-se no LP Let It Be em 1970. uma composição verdadeiramente genial. Ambos álbuns era duplos, tinham dois LPs cada um. O Vermelho tinha 26 canções, das quais 7 haviam sido lançadas apenas em compactos.  O Azul tinha 28 canções, das quais 10 estavam em compactos. Ausências notáveis, que foram deixadas para trás, I Call Your Name, Rain, The Inner Light. 

Em 1976 e 1977, a EMI pensou em resumir a carreira dos Beatles numa matriz por ritmo, lançando outros dois álbuns duplos, as Love Songs e as Rock'n Roll Music. As primeiras foram 25 canções, sendo apenas duas em compactos, This Boy e Yes It Is. Só por desencargo de consciência, fui conferir a lista da coletânea Love Songs. Basicamente todas as canções de lá estão aqui classificadas em alguma categoria da minha classificação de Girl ou Miss Songs. Só não concordo com She's Leaving Home estar lá, pois está longe de ser uma Love Song! Aliás, In My Life também não é, pois é uma reminiscência do passado em Liverpool! As últimas foram 28 canções, sendo 6 anteriormente lançadas em compactos, um deles duplo, com 3 covers de bom rock and roll (Long Tall Sally, Slowdown e Matchbox), que trouxeram à luz I Call Your Name e I'm Down, dos Beatles, e um outro cover, Bad Boy, magnífico, que fora lançado numa coletânea de 1966, A Collection of Oldies but Goldies. Esta, apesar de ser oficial, continha canções já lançadas em sua maiora, na verdade, N-1.

Além dessas, a EMI houve por bem oficializar a ideia da Capitol, que lançara, ainda em 1967, as 6 canções da trilha sonora do filme Magical Mistery Tour no Lado A de um LP, tendo no Lado B as 5 canções que haviam sido lançadas em compactos no mesmo ano, então All You Need Is LoveHello Goobye e outras 3 canções viraram canções de "LP". Isso foi em 1976. Naquele momento, os Beatles tinham 13 LPs no catálogo oficial britânico. Esqueci de ressaltar que aqui, em toda esta minha saga, o que vale é o catálogo daquela ilha fria de clima miserável. Nem ligo para o catálogo da Capitol nos Estados Unidos, que produziram verdadeiras saladas. 

E em 1978, veio a 'rapa do tacho! The Beatles Rarities juntou tudo o que as coletâneas matriciais deixaram escapar, tipo Rain, She's A Woman, You Know My Name, The inner Light, as 3 covers de Rock'n Roll de 1964, e as duas únicas canções gravadas em alemão pelos Beatles. 

Percebe como era dura a batalha de quem queria ter a carreira toda dos Beatles em LPs? Tinha que comprar variadas coletâneas, e ter de novo canções que já estavam nos LPs Oficiai. Como se diz em inglês, 'not a good value for money!'.
Então, já passados 10 anos das citadas coletâneas matriciais, resolveram resolver (!!) a situação. Foi já na era dos CDs, em março de 1988 (John nunca soube desse lançamento... John nunca ouviu um CD, triste...), quando lançaram a discografia dos Beatles naquele revolucionário veículo digital, os 13 álbuns existentes e mais dois, juntando todos os lançamentos em compacto que não saíram em LPs, mais aquele compacto duplo puro rock and roll de 1964, mais aquele rock que saiu na coletânea de 1967, mais a versão original de Across The Universe que saiu num álbum de caridade em 1969, depois modificada para o lançamento no LP Let It Be, e, finalmente duas estranhas versão em alemão de She Loves You e I Wanna Hold Your Hand. Ficaram assim os novos CDs:
Past Masters - Volume 1 (referenciado por Past Masters #1), numa capa negra, e colocaram 18 canções que haviam sido lançadas ente outubro de 1962 e julho de 1965, e
Imagino que deve ter havido uma grita geral dos saudosos dos LPs, e lançaram dois Álbuns Duplos em vinil, tudo no mesmo pacote, em outubro daquele mesmo ano.

Uma decisão genial, não!

A partir daquele momento, a carreira dos Beatles estava resumida a 15 Álbuns!

Bom pra fechar a conta, matematica e espantosamente,

15 Álbuns em 7,5 anos

2 Álbuns por ano

Past Masters #1


Neste LINK, encontre a razão de ser deste álbum e de seu irmão #2, a ser descrito em seguida. Foi em 7 de março que vieram ao mundo essas coletâneas que completam a coleção oficial dos lançamentos dos Beatles. Grandes méritos dessa linda caixa preta: 
  • trazer à luz, oficialmente a versão de Love Me Do que saiu no primeiro compacto dos Beatles em 5 de outubro de 1962. Ela foi tocada por Ringo, em contraposição à apresentada no álbum Please Please Me, em que tocou o baterista Alan White, 
  • além de mostrar a versão de Across The Universe de 4 de fevereiro de 1968, em que cantava a brasileira Lizzie Bravo, que fora preterida por Phil Spector ao lançá-la no álbum Let It Be em 1970..

Neste primeiro volume, foram 18 as canções trazidas à tona no formato de Álbum Oficial. Veja quais foram, seus autores e datas originais de lançamento, quando cada uma viu a luz do sol.


A razão do título do post é a seguinte. TODAS as canções AUTORAIS falam, ou sobre Garotas, ou sobre Saudade de Garotas, em suas diversas Classes, portanto, falam 'Ao Coração'. Note que a capitalização do AUTORAIS é por, que não é nem nunca foi objeto desta saga a análise dos Assuntos das canções Covers, que não são de autoria. dos Beatles.


Traduzindo, TODAS as canções de Past Masters #1 falam ao Coração!
  • 11 das 12 canções falam sobre Garotas!
  • Na outra, tem Saudade dela e pede sua volta!
  • Das 11 sobre Garotas, em duas eles estão dando uma de Cupido, em outras duas num DR, em quatro estão na Paquera, e as outras trê são declaração de Amor!

Conclusão! Past Masters #1 é um Álbum
100% Heart
92% Girl
33% Flirt

Finalizando, abaixo encontrem um trecho da letr de cada uma das autorais, justificando minha escolha de Classe e Assunto!




As Canções do Past Masters #1

1. Love Me Do (Flirt Girl Song by Paul McCartney)

John e Paul paqueram: 'Ame-me de verdade, você sabe que te amo. Serei sempre verdadeiro, então por favoooor, ame-me de verdade')

"A primeira gravação, a gente nunca esquece!"  
O slogan Valisére do comercial de soutién decerto serviu para quatro rapazes. É certo que nenhum deles, vindos de Liverpool, no norte da Inglaterra,  jamais de esqueceu daquele 4 de setembro de 1962, na Abbey Road Nº 3 em Londres, capital do país. O mais velho deles acabara de completar 22 anos de idade. Naquele dia, os Beatles gravaram a primeira de 211 canções que comporiam a carreira em estúdio de maior sucesso da história da música. A ideia original da canção veio de Paul, ainda em 1958, ano bonito, aliás, ano marcante, o primeiro ano desse meu atual estágio neste plano, decerto minha chegada teve suas participação no astral para que ele compusesse aqueles versos simples, de letra mais ainda, e que continuaram simples até maio de 1962, lá em Hamburgo, quando eles receberam um telegrama de seu empresário Brian Epstein, dizendo que preparassem mais composições, porque estava garantido um contrato de gravação com a EMI. Claro que o recado era para dois deles, chamados Paul e John, já que na cabeça do terceiro, George, do alto de seus 19 anos, decerto (terceira vez que uso a palavra) nem passava a ideia de compor qualquer coisa. O quarto? Sim, o quarto ainda não estava com eles àquela altura, mas Ringo já estava nos planos dos outros três. Bem, dado o recado, Paul se lembrou daquela canção simples já com quatro anos de vida, com apenas um verso (Love, love me do, you know I love you, I allways be true, so please love me do) e disse a John para incrementá-la um pouco, e ele criou a ponte ('Someone to love, somebody new, someone to love, someone like you). Note que esta é a totalidade da letra e que as rimas ocorrem no mesmo fonema 'oo' em inglês, o nosso 'u', 'do-you-true-new'. 
 
Ali em cima, eu mencionei o 4 de setembro, mas o processo de gravação começou em junho, dia 6, quando John, Paul e George, junto com o então baterista Pete Best, chegaram aos estúdios da EMI para a primeira gravação de fato. Após acertarem seus instrumentos, tocaram nada menos que Besame Mucho, sim, o bolero, numa versão em inglês que Paul adorava, e já haviam tocado no famoso teste em que foram recusados pela gravadora Decca, em 1º de janeiro daquele ano, deixo aqui o LINK do boleringlish, como curiosidade. George Martin, o produtor, não gostou muito dela e passaram para a segunda, justamente Love Me Do. Martin achou a letra muito simples, mas gostou muuuito da gaita que John tocava, era uma novidade, mesmo assim, considerou-a apenas para o Lado B do compacto, jamais para o Lado A. 
E aqui vai uma fofoquinha sobre a gaita que John usou .... ele a 'tomara emprestado' de uma loja numa cidade da Holanda, lá da primeira viagem a Hamburgo e o 'empréstimo' já durava três anos.... fim da fofoquinha! 
Bem, a tal gaitinha provocou a primeira intervenção como produtor daquele que interviria centenas de vezes na carreira dos Beatles. George Martin não gostou da sobreposição que ocorria na entrada da gaita no final do primeiro verso, quando John a toca, após o 'so ple-e-e-ease... love me ...'. Martin desceu da sala de controle e disse: 'A canção não se chama Love Me Waaaah, então, nessa hora, Paul, você assume o vocal!' Simples assim! Paul declarou que tremeu nas bases, mas venceu esse primeiro desafio, como sabemos!! Só que aquela bateria não agradou a George Martin, e ele disse que iria trazer um baterista de estúdio na próxima sessão. Veja aqui, neste LINK, um dos motivos para esta decisão, note o estilo que acompanha a ponte, bem estranho mesmo! Bem, aquilo veio a calhar! 
 
John e Paul, principalmente, gostavam muito do baterista dos Hurricanes de Rory Storm, banda de Liverpool que também ia a Hamburgo, e a decisão de Martin precipitou as coisas, foi feito o convite a Ringo, ele aceitou, assumiu as baquetas em 22 de agosto, para mim, a data de fundação dos Beatles e, agora sim, no dia 4 de setembro, os quatro voltaram a Abbey Road, um deles, George, com o olho roxo por conta de uma briga com fãs inconformados com a saída de Pete Best. A primeira canção que gravaram, entretanto foi How Do You Do It, que Martin havia mandado a eles em Liverpool, para que ensaiassem. Ele realmente não queria Love Me Do no Lado A. Foram dois takes apenas e partiram para a autoral Love Me do, á qual dedicaram 15 takes, produzindo um resultado muuuito melhor que aquele de junho. Os takes foram só com instrumentos, e acrescentaram as vozes depois. Mesmo assim, Martin ainda não estava satisfeito e chamou-os de volta uma semana depois. 
 
O desejo de John e Paul de terem duas originais deles no primeiro lançamento foi conseguido porque Dick James, o editor das canções, ouviu e não gostou da versão de How Do You Do It, e decidiram que finalmente Love Me Do abriria o compacto. No dia 11 de setembro, gravaram P.S. I Love You, sem Ringo, com Andy White, o baterista contratado (Ringo tocou chocalho e nunca perdoou George Martin por aquilo), e ela chegou a ser considerada para ocupar o Lado A do compacto, mas alguém se lembrou de uma canção de mesmo nome já lançada, e a dos Beatles só poderia ver a luz do sol num Lado B. No mesmo dia, também gravaram Please Please Me, e ela chegou a ser considerada para integrar o compacto, mas Martin a considerava boa demais para ser um Labo B e a deixou para o segundo lançamento. O calvário de Ringo foi ainda maior naquele dia: seus três companheiros ainda fizeram 18 takes de Love Me Do com Andy White na bateria, e ele no pandeiro. Aquele último take foi editado e utilizado no LP Please Please Me, no ano seguinte. Felizmente, a versão que Ringo gravara na semana anterior foi a utilizada para o lançamento do compacto, em 5 de outubro. 
  
Esse grande dia chegou! E o mundo.... quer dizer, a Inglaterra ouviu, um novo som, um rythm&blues gostoso, meio que um skiffle, ritmo que já estava ficando pra trás, com uma letra simples, com três versos repetidos, mas com algumas características marcantes: 
  • a introdução na gaita de John, 
  • os vocais principais em harmonia, de John nos médios e Paul nos mais agudos, e um pleeeeeease estendiiiido (a gente até imagina o autor de joelhos) de dois compassos e meio, 
  • uma parada total (portanto, logo de cara, o mundo foi apresentado ao Beatles Break, que ocorreria em muitas de suas gravações no futuro), 
  • chegando ao final do Verso 1, Paul entoando solo o título da canção Love Me ... e, quando entoa o Do, entra John com sua gaita repetindo a introdução. 
Esse verso e suas manobras são repetidos mais duas vezes, mas entre eles, vêm as pontes, uma vez cantada (Someone to love...), em harmonia, e outra vez apenas na gaita de John. Isso, por si só já era diferente, pois os solos instrumentais acompanham normalmente a melodia dos versos. Essa ponte tocada é estendida até quatro compassos, para mais um break introduzindo o verso final. Notável! 
 
Os ingleses gostaram do novo som, as duas canções foram bem tocadas nas rádios, o compacto chegou ao 17º lugar na parada britânica, posição talvez alcançada por conta de uma massiva compra de 10 mil unidades feita pelo empresário Brian Epstein para sua loja de discos em Liverpool, que, aliás, ficou em festa! Ela foi muito tocada ao vivo em 1962 e 1963 em shows pelo Reino Unido e também na última vez em Hamburgo. Deixo aqui uma vídeo-montagem muito simpática, com cenas interessantes daquele começo de carreira, e notem logo no começo aquele sujeito respeitável numa loja de discos, ele é Brian Epstein. Nos Estados Unidos, ela apareceu no álbum Introducing The Beatles apenas em janeiro de 1964, dias antes de os Beatles estourarem 'na América', com I Wanna Hold Your Hand e She Loves You. Na esteira do sucesso, Love Me Do foi lançada em compacto, com a versão tendo Andy White, e atingiu o Nº1 nas paradas americanas, o que possibilitou seu lançamento 38 anos depois no mais que espetacular sucesso da compilação "1". 
 
Antes disso, em 1988, Paul fez um medley com as canções do compacto, chamou-a de P.S.Love Me Do e a cantou no Brasil em 1990 e nos demais locais de sua primeira grande excursão mundial apresentando canções da época dos Beatles. Deixo o LINK aqui, até porque é uma das pouquíssimas vezes em que Paul não está comandando um instrumento, apenas ele e o microfone e passeando no palco, muito raro. E nós fomos brindados com isso! 
 
Posteriormente, em 1998, Ringo incluiu Love Me Do em seu álbum Vertical Man, que é a versão que deixo aqui para vocês, até como uma homenagem ao Ringão, que foi preterido nas versões das duas canções naquele 11 de setembro de 1962, que ele sempre quis esquecer. Tanto que ele até faz piada com a lembrança, dizendo: "Vou apresentar aqui aquela primeira daquela canção em que eu NÃO toquei bateria." Aqui, neste LINK.


2. From Me To You (Flirt Girl Song by Lennon/McCartney)

John e Paul paqueram: 'Se tiver qualquer coisa que você queira, se tiver qualquer coisa que eu possa fazer, apenas me chame que eu mandarei, Com amor, de mim, pra você'

Quem acompanha minha saga, sabe que comecei a fazer um post por canção, somente no 6º LP, Rubber Soul, +e sabe que normalmente eu falo sobre a gênese da canção, quem compôs o quê, e tal. Só que àquela altura, a maior dupla de compositores da história já haviam abandonado o jeitinho com que costumavam suas canções. Uma Lennon/McCartney já estava no jeito de um ter uma ideia e levar ao outro para complementar. Poucas vezes, a partir de então, eles fizeram uma canção juntinhos, do zero. Agora, que acabei de analisar as 113 canções autorais dos álbuns Nº6 a Nº13, o álbum Nº14 volta ao começo da carreira, e nesta 2ª canção do Past Masters#1, já encontrei uma pura Lennon McCartney, e esta foi feita, literalmente, na estrada!  
 
Após o sucesso de seu primeiro compacto Nº1, com Please Please Me/Ask Me Why, os Beatles foram convidados para formar uma trupe, com alguns artistas, liderados pela cantora Helen Shapiro (em destaque na foto), para um tour de 30 dias pelo interior da Inglaterra, viajando de ônibus entre as cidades. Numa dessas pernas, após o show de York, John lia uma revista pop, New Musical Express, e o nome da seção de cartas começou a piscar pra ele. Era From You To Us. Como eles já estavam na pressão para produzir mais canções, ele chamou Paul para o fundo do ônibus com um violão, os acordes e letras começaram a surgir, primeiro por John que fez a primeira linha do primeiro verso (If there's anything that you want,) e Paul com as seguintes ('If there's anything I can do, Just call on me and I'll send it along) e finalizaram o verso, com 'With love from me to you' com o nome da canção! Disso que falei, apenas tenho certeza do primeira frase de John, o resto eu romanceei, mas os dois declararam que foi uma composição fifty/fifty entre os dois. E veio mais um verso, com letra diferente, mas com a mesma finalização, repetindo o título da canção. Os demais artistas da trupe (eram 4 além da líder Shapiro) testemunharam, com espanto, a criação de mais um Nº1 dos Beatles, ainda antes do destino daquela perna. Aliás, não só ela, ainda mostraram aos demais uma  outra canção, Thank You Girl, que sairia no Lado B. A líder da trupe foi chamada a opinar qual das duas seria Lado A e ela escolheu a mesma que eles já haviam decidido. Paul era especialmente orgulhoso da ponte, que veio depois, com um acorde menor, que deu um charme todo especial à melodia, (I've got arms that long to hold you, and keep you by my side). E a ponte ainda terminava com aquele Uuuuuu!, que já cantavam ao vivo e que já haviam gravado em estúdio, e que lançariam em Twist And Shout e levariam aos píncaros da fama em She Loves You com aquelas cabeças balançando e levando fãs ao delírio.  Era 28 de fevereiro de 1963. 
 
Os Beatles e George Martin
Cinco dias depois, estavam todos no estúdio para gravar as duas canções, e resolveram tudo naquele 5 de março. Após uma sessão de fotos na cantina da EMI, foram ao trabalho, sempre tocando e cantando ao vivo. Começaram em uma batida mais lenta que a original, à que chegaram somente no Take 3, ainda sem os temperos instrumentais que viriam depois. No Take 5, George Martin deu a ideia de fazer um verso instrumental, John gostou mas sugeriu ao outro George, o da guitarra, para apenas abrir a 1ª linha, e ele e Paul respondiam em uníssono 'From me' e depois a 2ª com 'to you' e eles voltariam a cantar a 3ª e 4ª linhas. Ficou marcante! No Take 7, Martin deu a ideia de usar gaita em vez de guitarra, na introdução, no verso instrumental e na conclusão, e levaram três takes para ficarem satisfeitos, mas então Martin deu outra ideia, em seu papel de produtor, e disse pra John e Paul acompanharem em uníssono, primeiro murmurando, depois com Da-ra-ran Da-ra-ran-ran-daaa nas mesmas notas da gaita, na introdução e na conclusão, mas não no verso instrumental. Mais duas tentativas e a canção estava pronta, com tudo no lugar: as harmonias vocais, perfeitas, em pontos selecionados, as viradas de Ringo introduzindo o Verso 1, finalizando a ponte, e também na conclusão entremeando os 'to you' precisas, além da mudança na batida durante a ponte, o baixo de Paul em duas notas por compasso, discreto, a gaita de John, enfim, tudo certo. 
 
 
From Me To You foi muito cantada ao vivo, em shows e em programas de rádio e TV. Destaco, neste LINK, a apresentação para a realeza, no Royal Variety Show, aquele da melhor piada de John ao vivo, na introdução de Twist And Shout. Note que na impossibilidade de tocar adequadamente a gaita, as partes dela são tocadas pela guitarra de George, aliás, como era no original, até que George Martin veio com a ótima ideia. O compacto From Me To You/Thank You Girl foi lançado em abril, e rapidamente chegou ao 1º lugar nas paradas inglesas, estava começando a febre que seria denominada Beatlemania no final do ano, e ele ficou incríveis 7 semanas no tipo, feito só igualado por Hello Goodbye, quatro anos depois. Paradoxalmente, nos Estados Unidos, ela não passou da 41ª posição, quando foi lançada como Lado B de Please Please Me, durante a febre que assolou o país, no início de 1964. 

 

3. Thank You Girl (Love Girl Song by Lennon/McCartney)

John e Paul agradecem 'Oh, oh Você tem sido boa comigo, você me deixou alegre quando eu estava triste. E eu serei eternamente apaixonado por você e tudo que eu tenho que fazer é agradecer a você, garota, agradecer você, garota.'

A canção com esse nome foi feita para agradecer às muitas fãs que enlouqueciam nos shows e enchiam a caixa de correios dos rapazes. A letra conta de um cara profundamente apaixonado e agradecido e que faz juras de amor eterno. Ela foi feita e face a face, John e Paul, um propondo uma frase o outro propondo a seguinte e assim por diante, provavelmente John na ímpares e Paul nas pares, e Paul chamou para si o título, que é a alma da canção. Esse tête-a-tête aconteceu durante a excursão dos Beatles na trupe de Helen Shapiro pelo interior da Inglaterra em fevereiro de 1963. A estrutura é deveras complexa, tem verso refrão e ponte, além de uma introdução que serve também como uma elaborada e vibrante conclusão, criada pela imaginação do produtor George Martin e por um excepcional desempenho de Ringo. Delineando os elementos estruturais, temos: 
  • Versos: 'You've been good to me, you made me glad when I was blue, and eternally I'll always be in love with you,' e 'I could tell the world a thing or two about our love. I know little girl, only a fool would doubt our love!' 
  • Refrão: 'And all I gotta do is thank you girl, thank you girl!' 
  • Ponte: ' Thank you girl for loving me the way that you do, (way that you do). That's the kind of love that is too good to be true!' 
O refrão insere-se após cada verso e também após a ponte. O 'little girl' ali do Verso 2 talvez tenha motivado o nome de trabalho da canção, Thank You Little Girl, mas logo desistiram, até porque não cabe nem um pouquinho na métrica. 
 
O dia da gravação foi um 5 de fevereiro encaixado numa agenda de shows diários e apresentações em rádio e TV. E a ordem de gravação obedeceu à que apresentaria o próximo compacto, primeiro a Lado A, From Me To You, depois, o Lado B, Thank You Girl. Para esta última, os Beatles tocaram seus instrumentos usuais e cantaram ao vivo seis vezes, a última sendo considerada a melhor. E aí veio a primeira ideia de George Martin, que gostou da Introdução, com aquele 'oh... oh ...', e instigou-os a acrescentar mais um 'oh....', e Ringo a fazer o que não gostava, solos seguidos de bateria, e ele fez no no estilo do baterista de Buddy Holly, entremeados duas vezes entre os 'oh... oh ... oh...', três vezes seguidas, concluindo magistralmente a canção. Demoraram mais 7 takes até atingir a perfeição. Na edição final, acrescentar-se-iam ecos adicionais aos 9 'oh...' 
 
Depois, os Beatles seguiram para seus intensos compromissos, mas John voltou ao estúdio no dia 13, para a implementação de mais uma ideia do produtor. George Martin adorava aquela gaita de John, foi o que o fez aceitar Love Me Do, e recomendou sua inclusão em From Me To You. Só que John estava num péssimo dia, super resfriado, ouvia-se seu nariz trabalhando em meio às gravações, tão ruim ele estava que nem fora a Bedford na noite anterior para o show dos Beatles, que viraram um power trio, e tiveram realmente que se virar nos vocais de Please Please Me, com George honrando a casa (adoraria ouvir essa versão...). Para complementar, John chegou sem a sua gaita e teve que usar a de um técnico de som, imagina, uma coisa tão pessoal, ainda mais com ele naquele estado. Enfim, John levou uma hora e 15 takes para produzir 6 inserções de gaita. A versão que saiu no compacto, em mono, tinha apenas 3 delas, as mais importantes eu diria, ficaram de fora duas breves inserções durante a ponte e a finalização. O compacto foi direto ao 1º Lugar nas paradas inglesas.  Já
 
Apenas as versões em estéreo mantiveram a meia-dúzia de inserções da gaita, que podem ser ouvidas neste LINK, com a versão remasterizada em 2009, no Projeto 090909 (veja aqui, neste outro LINK a descrição de minhas reações ao abrir a preciosidade). Aliás, vou usar como ilustração deste presente post, a foto da preciosidade 090909 em minha estante! 
 
Destaca-se também Thank You Girl por ser a última canção gravada e lançada da hoje estranha parceria McCartney/Lennon.,que estampou as 8 canções autorais do álbum Please Please Me e From Me To You, o lançamento a seguir, She Loves You / I'll Get You já estampariam no selo a mais famosa parceria da história como a conhecemos. Várias razões.. 
John é mais velho que Paul - 1x0
John vem antes de Paul no alfabeto - 2x0
Lennon vem antes de McCartney no alfabeto - 3x0
John começou tudo - 4x0

 

Algo contra? 

 

4. She Loves You (Cupid Girl Song by Lennon/McCartney)

John e Paul alertam 'Ela te ama, sim, sim, sim. Você pensa que perdeu seu amor? Bem, eu a vi ontem. É em você que ela pensa. E me disse o que te dizer. Ela diz que te ama, e você sabe que isso não pode ser ruim. Sim, ela te ama e você sabe que deveira estar feliz. UUUUU' 
 
She Loves You é uma tradicional Lennon/McCartney de 1963, Lado A de compacto N°1 instantâneo, que encantou as meninas com o Uuuuuuh e as cabeças tremendo dos rapazes, mas encantou também o público masculino, vejam só ESTE VÍDEO, com a torcida do Liverpool, com 100% de  marmanjos cantando em uníssono a canção, em 1964. 
 
As linhas até aqui foram as mesmas que usei quando apresentei as Cupid Girl Songs, num dos capítulos iniciais de minha saga. Eu sigo impressionado com o vídeo que anexei, ainda mais porque acabei de fazer a análise de Thank You Girl, e com a alegria de homens entoando inteirinha a canção que ora analiso, vi que o título daquela canção poderia muito bem ser expandido para Thank You Boy. Também os homens amavam os Beatles. 
 
She Loves You foi a primeira obra-prima dos Beatles, na 11ª canção autoral apresentada ao mundo. Seu ritmo alucinante, seu brado inconfundível Yeah Yeah Yeah ecoando até hoje, sua bateria marcante, seus acordes inovadores, e as cabeleiras balançando, permanecem indeléveis nas memórias dos fãs e até de não-fãs. Os números alcançados por suas vendas permaneceram imbatíveis até que um dos seus compositores o bateu quase 15 anos depois, explicando: o compacto liderado por She Loves You vendeu 1,3 milhão de cópias no Reino Unido, imbatível até que Paul McCartney, em carreira solo, vendeu 2 milhões de cópias com sua Mull of Kintire em 1977. Interessante que seu desempenho não foi suficiente para desbancar From Me To You do título de canção com mais semanas no topo, que ficou sozinha, com 7 semanas, até ganhar a companhia de Hello Goodbye, quatro anos depois. She Loves You teve apenas 6, e em dois períodos, respectivamente de 4 e 2 semanas cada um, a competição estava mais acirrada. A quantidade espantosa de bolachinhas vendidas foi por conta da longevidade de sua presença nas paradas, com 6 meses no Top 20.                                                                                                                                      
Com o acúmulo de excursões, shows, apresentações em rádio e TV, por conta da fama que vinha junto com dois compactos e um álbum Nº 1 nas paradas, as composições daquele tempo foram muitas delas feitas na estrada. She Loves You começou com uma ideia de Paul numa viagem de ônibus, quando gostou da ideia de 'mudar de pessoa', todas as composições deles vinham usando a primeira e segunda pessoas, I, You, Me, e estava na hora de passarem para a terceira pessoa e veio o She .... Loves You. Chegados da viagem, enquanto aguardavam o show em Newcastle, sentaram-se em suas camas num quarto de hotel, um de frente pro outro, John complementou com o Yeah Yeah Yeah , e estava pronto o refrão, aliás, foi a primeira vez em que usavam essa peça estrutural em suas canções, até então eram apenas versos e pontes. Ali no tête-a-tête, foram desenvolvendo os versos, contando como o autor dava uma de cupido com o amigo, dizendo que a ex-namorada ainda pensava nele e o amava (Verso 1), e que apesar de ferida e quase ter perdido a cabeça, sabia que ele era um cara legal, e queria dar uma segunda chance (Verso 2) e que ele tinha que deixar de ser orgulhoso e ir lá 'apologyze to her' (Verso 3). Àquela altura de sua vida como compositores, já estava em curso a política de não repetição de letras, que abandonaram em Do You Want To Know A Secret. 
 
Cinco dias depois das camas no hotel, e dois após uma reunião de finalização na casa de Paul em Liverpool, os Beatles adentraram aos estúdios de Abbey Road para gravar as duas canções do compacto, num 1º de junho. Infelizmente, os registros de sua gravação foram perdidos, então não esperem deste escriba os detalhes de número de takes, completos ou abortados, e quem errou o quê, quando, e mesmo se eles tocaram tudo ao vivo como vinham fazendo, ou se fizeram uma base e gravaram os vocais depois. Geoff Emmerick escreveu em seu livro Here There and Everywhere que ocorreu esta última opção, mas há controvérsias porque eles vinha utilizando a primeira até então. O que dá pra afirmar é que nunca os sorrisos dos técnicos estiveram tão presentes ao longo de toda a sessão, todos orgulhosos pelo que ouviram naquela sessão. George Martin e todos ficaram intrigados com 6ª de Sol (Mi), que George entoava no 4º Yeah da introdução, complementando John na terça (Si) e Paul na quinta (Ré), acorde repetido na conclusão. Martin garantiu que já ouvira aquilo em um certo grupo vocal, mas decerto foi a primeira vez em um grupo de rock'n roll. 
 
Era o crescimento musical dos Beatles, patente a cada movimento... a começar pela batida sincopada da bateria de Ringo, triplo tom-tom nos compassos pares da introdução/refrão (ele repetiria o movimento em Ticket To Ride dois anos depois). Note-se a descida de uma oitava no mesmo verso, 'she says she loves YOU....' terminando lá no alto, e despencando no 'and you know it can be bad', e logo George emenda as notas do 'Yeah Yeah Yeah' na guitarra. Ao longo da canção John e Paul cantam em unisom, mas com precisas harmonias em pontos selecionados, especialmente nas palavras finais de algumas linhas ('thinking OF - your LOVE - be BAD - her SO - she KNOWS - to YOU - you TOO') nos pontos de rima aliás, adoro esta última. George se junta nos refrões e com aquela nota sinistra no final dele, e também harmoniza nas frases pares dos versos. E encante-se com as batidas 1-2-3 de Ringo no 'love like that' introduzindo 3 Beatles Breaks sensacionais. 
 
Não é preciso dizer que She Loves You foi muuuito tocada ao vivo. Deixo aqui, como registro, a performance no show de Ed Sullivan em 9 de fevereiro de 1964, quando The Beatles conquistaram a América. Neste LINK. E é um still desse vídeo a imagem que deixo, também é do show, com aquela configuração simétrica de Paul e George, somente possível porque Paul é canhoto. Eu rio sempre nos momentos em que els balançam as cabeças, e as garotas vão à loucura. E choro...

 

5. I'll Get You (Flirt Girl Song by Lennon/McCartney)

John se declara 'Eu penso em você noite e dia. Eu preciso de você e é verdade, quando penso em você, eu posso dizer que eu nunca, nunca, nunca, nunca fico triste. Então eu estou lhe dizendo, minha amiga, que eu vou conquistá-la, eu vou conquistá-la no final. Sim, eu vou conquistá-la, eu vou conquistá-la no final' 
 
Quando veio a missão de fazer o próximo compacto após o lançamento do 1º LP, eles estavam numa parada em casa, em meio a mais uma excursão pela Inglaterra, quando ainda moravam em Liverpool. I'll Get You foi a primeira que veio à cabeça de John. Foi em sua casa em Menlove Avenue, onde morava com sua Tia Mimi, que ele e Paul a começaram e finalizaram em menos de três horas de trabalho. Foram dois versos, sendo o primeiro repetido após uma ponte, tradicional estrutura 'aaba', sem refrão. No Verso 1, ele começa incitando a imaginação da garota em como seria bom ela ficar com ele, "Imagine I'm in love with you...e termina mostrando aquela confiança em seu taco, no magnífico "...Yes I will, I'll get you in the end. Oh Yeah Oh Yeah". O Verso 2 tem o mesmo final, confiante, mas antes ele abre seu coração, dizendo "I think about you night and day..." e que, com ela, ele jamais seria triste de novo. Finalmente a ponte, aquelas sensacionais três frases em acordes descendentes "Well, there's gonna be a time, when I'm gonna change your mind, so you might as well resign yourself to me, oh yeah", ele mostra a confiança de novo e aconselha que ela desista de resistir ao seu charme. A canção seria a Lado A do lançamento até que chegou a arrasa-quarteirões She Loves You.
 
Pausa para uma estrutura alternativa. 
Eu vou aqui propor uma estrutura um pouco diferente, acho que ela é uma canção um pouco mais complexa. Eu enxergo, dentro de cada verso original, na verdade, um verso menor, uma sub-ponte e um refrão, veja se não. Minha estrutura alternativa seria 'abcabcdabc'. A sub-ponte (b) seria apenas a 5ª frase de cada verso original, que tem uma melodia diferente "It's not like me to pretend" e "So I'm telling you my friend" fazendo a ligação para a peça seguinte. E o resto de cada verso original, pra mim, seria um refrão (c), veja: "But (that) I'll get you, I'll get you in the end, yes I will, I'll get you in the end, oh yeah, oh yeah". Não tem uma tremenda cara de refrão? Ah, mas isso é só uma ilação deste analista. Somente para finalizar,  nessa nova estrutura, o 'd' da estrutura alternativa seria a verdadeira ponte da estrutura original.

 Fim da estrutura alternativa.    

Seja qual fora a real estrutura, eu queria dar um destaque para a tal sup-ponte, como eu a defini, até mesmo porque o próprio Paul, que parece ter sido seu autor, pois fez propaganda do acorde menor que ele usa, no caso, o La Menor (Am) ali quando se ouve "to preTEND" e no "you my FRIEND", quando o usual seria um acorde maior, no caso, o La Maior (A). Além disso, no arranjo, ele estimula a que as guitarras pulsem firme em staccato, o que tem um efeito fantástico nos shows ao vivo, vejam, ou melhor, ouçam como as garotas recebem, histéricas, os começos daquelas duas frases, neste LINK, gravado em um programa de TV e felizmente recuperado e revelado oficialmente no Anthology 1. 
 
Antes de passar à gravação, mais umas poucas considerações sobre a letra. Rimas que seriam ricas (não todas) em português, "day-say", "true-you-blue","pretend-end-friend", "time-mind"... ou seria "time-mine"? O porquê da interrogação? Note as duas primeiras frases da ponte. Para rimar com "be a time" da 1ª frase, a 2ª vem "change your mind", só que a é toda cantada em harmonia tripla John-Paul-George, e um deles troca para "make you mine". Dado o cronograma apertado, eles não voltaram para corrigir o erro, que foi percebido ao menos por uma fã que escreveu à EMI, solicitando que corrigissem o erro, e recebeu de volta uma carta de desculpas. Interessante que o "mine or mind" rima  internamente com o verbo da "resign 3ª frase que, aliás, apresenta mais uma outra rima 'entre quatro paredes', perceba: "So you might as WELL resign YOURSELF to me, oh yeah". Eu acho essas coisas geniais! Para completar esse papo de letras, eu dou destaque a uma rima métrica, se é que posso chamar assim,  entre a 4ª frase do Verso 1 com a 4ª frase do Verso 2. Uma diz "many, many, many times before" a outra "I'm never, never, never, never blue", ambas a mesma palavra, três ou quatro vezes. Eu acho essas coisas geniais! (acho que á disse isso...). 
 
Bem, pensando bem, foi bom evoluir um pouco no assunto 'letra' porque no assunto 'gravação' temos pouco a falar. Ela foi gravada no mesmo dia que She Loves You, e já sabemos que não há registro sobre os detalhes da gravação naquele dia, parece que baixou um buraco negro naquele 1º de julho em Abbey Road. Sabe-se apenas que ela foi gravada na sessão noturna, após uma tarde dedicada ao Lado A do compacto. Sabe-se que foram duas horas de tentativas, Sabe-se que ela era conhecida como Get You In The End. Sabe-se do vocal principal de John e das harmonias perfeitas, primeiro de Paul em pontos selecionados dos versos, e de Paul e George na ponte, com certeza com o dedo mágico de George Martin os orientando. Sabe-se, porque se ouve, que John gravou a gaita que acompanha os versos (não a ponte) posteriormente (porque seria impossível cantar e tocar gaita ao mesmo tempo), mas não se tem noção se foi no mesmo dia ou em outro dia. Mas não se sabe se houve evolução no arranjo ou se ela chegou já pronta. Tampouco se sabe quando as deliciosas palmas foram gravadas. Não se sabe dos erros, nem de brincadeiras, nem de falhas ao longo do processo, coisas que nós gostamos tanto de saber. Enfim... 
 
O compacto, tendo She Loves You como carro-chefe, foi lançado em 23 de agosto e fez tremendo sucesso, como falei, vendeu 1,3 milhão de cópias na Inglaterra, em 6 meses no Top 20 das paradas. Interessante é que nos EUA, ainda antes de a Beatlemania chegar lá, seu lançamento inicial foi um fracasso. Coisas dos americanos... Deixo aqui o LINK do YouTube com a gravação original, onde poderão apreciar a gaiata de John, as palmas de todos, e notar os detalhes de letras e acordes que ressaltei no texto!

                            ENJOY  

6. I Wanna Hold Your Hand (Flirt Girl Song by Lennon/McCartney)

John se declara 'Oh, sim eu direi algo a você, eu acho que você entenderá quando eu disser: Eu quero segurar a sua mão! Eu quero segurar a sua mão! Eu quero segurar a sua mão!'
 
Uma letra singela, um desejo simples, um pleito comum, cujo objetivo maior era segurar a mão de uma garota, envolto em uma canção pulsante foi o veículo para catapultar The Beatles ao Olimpo do entretenimento. Precisou mais de um ano de carreira bem sucedida do outro lado do oceano para que aquele 'fenômeno social' acontecesse em terras do novo mundo. Foi assim que uma garota de 15 anos definiu o que acontecia, quando expressou seu espanto a uma rádio de Washington, numa carta súplica para que tocassem Beatles. A canção que ela ouvira foi She Loves You. O DJ que a leu, pediu que uma aeromoça trouxesse a novidade da Inglaterra para que pudesse exibi-la, mas o que a moça trouxe foi I Wanna Hold Your Hand, ele a colocou no ar e a coisa começou a acontecer, quase um mês antes da chegada oficial daquele som prevista pela Capitol. Era 17 de dezembro de 1963, outras rádios fariam cópias em fita para serem reproduzidas ao redor do pais. A Capitol tentou bloquear judicialmente essas iniciativas que pipocavam pelo continental país, ninguém ligou e a febre já estava instalada até que finalmente ela decidiu antecipar o lançamento, para 26 de dezembro, quando quase todas as rádios populares já tocavam clandestinamente a canção. Seu Lado B era I Saw Here Standing There. A procura era tanta que eles tiveram que contratar fábricas de discos adiconais para atender à demanda, que chegaria rapidamente aos 7 dígitos.  
 
Quase um mês depois, no dia 24 de janeiro, os Beatles receberam a notícia da chegada de I Wanna Hold Your Hand ao topo de uma das principais paradas de sucessos americanas, e celebraram com uma guerra de travesseiros, e com um jantar de gala no Hotel George V em Paris, onde estavam hospedados durante 19 dias para dois shows diários no famoso Olympia. Finalmente, estava dado o sinal verde que eles mesmos se impuseram para atravessar o Atlântico. Só queriam desembarcar nos Estados Unidos quando fossem o Nº1. 
 
Quando o desembarque aconteceu, em 7 de fevereiro de 1964, em New York, com  uma multidão aglomerada no Aeroporto John Kennedy, as vendas estavam a caminho dos 2 milhões de cópias. Dois dias depois, a América sentou-se em frente à TV para assistir ao Ed Sullivan Show na edição mais famosa de sua história. Mais 10 dias nos EUA, com shows no Carnegie Hall (para nunca mais), no Washington Collyseum (1º show em um ginásio de esportes), e mais um Ed Sullivan em Miami, sendo tratados como reis que já eram (e um encontro com outro Rei, Cassius Clay no dia 18), eles estavam de volta a Londres, e um mês depois, I Wanna Hold You Hand já havia vendido 3,4 milhões de cópias só na ex-colônia ultramarina, cifra que subiria para incríveis 5 milhões ao longo dos meses seguintes. Era muito para quatro rapazes de 22 a 24 anos de idade. 
 
Bem, vocês notaram que desvirtuei de minha estrutura regular de análise. Normalmente, esse papo de vendas só viria ao final do post, após, detalhes da composição, quem escreveu o quê, qual a estrutura da canção, como foi a gravação, e tal. Foi porque, neste caso, o mais relevante de tudo foi essa reação que a canção provocou, ponto de mutação na carreira deles. Enfim, voltemos ao reme-reme. 
 
Buscava-se uma canção para o 5º compacto dos Beatles, e, claro, a encomenda foi dada à sua dupla fenomenal. Paul e John se reuniram no porão da casa da namorada do primeiro, aliás onde ele moraria nos próximos 4 anos, a convite dos pais dela. O objetivo deles era claro: buscar um som que agradasse aos americanos, que era o próximo mercado alvo da banda! Parece que conseguiram, né? Após duas horas, estavam elaborados alguns versos, com letra bem assim, assim, pareando "tell you something" com "say that something", conviremos que não foi nada muito brilhante, não é mesmo? O começo, com o "Oh, Yeah", seguia a linha das últimas duas canções, She Loves You e I'll Get You, que usaram a interjeição bem americana com grande sucesso. A ponte que vem a seguir tem a ótima repetição de frases, que fica na cabeça, e que pega, e que leva ao 3º grito que leva meninas à loucura, o famoso "
I get hiiiiigh". Oooops, não é isso? Não... mas isso foi o que Bob Dylan achava que era, quando apresentou a maconha aos rapazes em 28 de agosto de 1964, e pensou que eles já a conheciam por causa do canto, que na verdade era 'I can't hide, I can't hide, I can't hiiiide'. Pra quem não sabe, "I get high" era gíria para 'Eu fico doidão!" 
 
A gravação foi feita integralmente no dia 17 de outubro. Após duas horas de ensaio, inauguraram o equipamento de gravação de 4 canais em 17 takes, dando adeus ao de dois canais usado nas primeiras gravações. Fora uma concessão da direção da EMI, que reservava o equipamento melhor para gravações de orquestras, só que aquele grupo de jovens estava ganhando mais dinheiro para a gravadora do que muitas gerações de instrumentistas clássicos... A confiança de John era imensa, tanto que chamou George Martin lá da sala de controle: "Prepare-se para conhecer nosso novo Nº1"! Mas acho que nem ele imaginava que seria verdade também nas plagas americanas. Logo nos primeiros takes, eles decidiram abrir a canção com aquele final de pontem da três frases repetidas, apenas nos instrumentos, o que se mostrou uma ótima decisão. Todos tocaram e cantaram juntos em todas as 17 vezes. Paul cantou em unisom com John, fazendo a harmonia aguda nos primeiros "hand' de cada verso, e também na na totalidade ponte. John dobrou seu vocal por cima do Take 17, bem como as palmas foram acrescentadas por todos os quatro que se tornariam Reis na América 100 dias depois.
 
A canção foi muuuuito tocada ao vivo durante seu primeiro ano de vida. Claro que foi destaque no Ed Sullivan Show, LINK que deixo aqui, e notarão também nos EUA se faz caquinha, pois o microfone de John estava praticamente desligado e quase que somente se ouve a voz de Paul! O compacto original na Inglaterra vinha com This Boy no Lado B, e vendeu 1,25 milhão de cópias, somente perdendo para o compacto anterior, She Loves You e I'll Get You. 
 

No Brasil, a canção saiu no LP Beatlemania e num compacto simples tendo nada menos que She Loves You no Lado B., ambos em 1964. Na década seguinte, essas duas canções foram homenageadas pelo grande Belchior que termina sua linda canção Medo de Avião, se não conhece, puça aqui neste LINK, se já conhece, ouça de novo, e arrepie-se, e quem sabe, chore, como eu, ao ouvi-la de novo... 

7. This Boy (Cupid Girl Song by Lennon/McCartney)

John aconselha: 'Ela te ama, sim, sim, sim. Você pensa que perdeu seu amor? Bem, eu a vi ontem. É em você que ela pensa. E me disse o que te dizer. Ela diz que te ama, e você sabe que isso não pode ser ruim. Sim, ela te ama e você sabe que deveira estar feliz. UUUUU' 
 
This Boy, também de 1963, é John aconselhando a moça de como ela não deve ficar com AQUELE rapaz que a vai fazer chorar, mas, sim com ESTE que a quer de volta pois é feliz só por amá-la. Bem, se ESTE rapaz é ele mesmo, não sei, e nesse caso, a canção seria na Classe Paquera mas, de qualquer forma, ele seque atuando como Cupido, mesmo que seja dele mesmo!! Aliás, a primeira linha do primeiro verso, 'That  boy took my love away' estabelece que a garota dele foi embora com outro, pobre rapaz, então, eu poderia afixar a canção no Assunto Saudade, na Classe Retorno, também sem problemas, mas como ele passa o resto da letra tentando convencê-la a ficar com ESTE rapaz, mantenho-a como uma Cupid Song. Até porque mudar tudo agora ia dar um trabaaalho.... 
 
Bem, seja de que assunto for,  trata-se da primeira balada que os Beatles fizeram, primeira no ritmo de valsa, mais especificamente no tempo 6/8, mostrando a versatilidade da banda, e quem teve a ideia foi, incrivelmente John, bem mais afeto ao bom rock'n roll. John chama a autoria da canção para ele em entrevistas posteriores dizendo ter-se inspirado em Smokey Robinsson, mas Paul garante que foi mais uma daquelas tête-a-tête (eye-ball to eye-ball, como eles gostavam de dizer) em quartos de hotel, cada um sentado de frente pro outro em suas camas de solteiro (twin beds). A ideia da harmonia tripla sempre esteve presente, claro que ainda dupla naquele quarto de hotel, mas depois chamaram o companheiro George para ensaiá-la e, claro, o outro George, o Martin, para dar aquele retoque final em estúdio. Olha, pode ser que outros grupos vocais tenham harmonias melhores, mas considerando que This Band ainda compunha e tocava e brilhava em todos os campos, não tenho duvida de que é mais completa conjunção de talentos de todos os tempos. 
 
A estrutura da canção é a mais-que-comum verso-verso-ponte-verso, sem refrão, cada um dos quatro componentes tem 16 compassos, a batida nas cordas é aquela Pã-pararapã-pã-pã. Para acompanhar a contagem dos compassos, fixe o número em cada 1º Pã, você vai ver que depois que chegar ao 16, a canção muda de verso, ou vai pra ponte, e note que internamente, você conta até 6 em cada compasso, por isso o tempo é 6/8, estou aprendendo junto com vocês essa coisa de compasso e tempo musical.
 
Na letra, John conversa com a garota tentando convencê-la a voltar. No Verso 1 ele reclama ter perdido seu amor e avisa a ela que o outro vai se arrepender, e que ele a quer de volta. Esta última linha é repetida nos Versos 2 e 3. Mas entre esses últimos tem uma ponte, uma espetacular ponte, eu a chamaria de a Golden Gate dos Beatles, porque John entrega um desempenho ímpar e aí é John mesmo, pois deliga-se a magnífica harmonia tripla dos dois primeiros versos, e ele chora, só, acompanhado dos murmúrios de seus companheiros em harmonia dupla... 
Oh, and this boy .... Would be happy
Just to love you .... But oh, my-y-y-y
That boy ... Won't be happy
'Til he's seen you cry-y-y-y 
Fiz questão de aumentar a fonte da ponte do my-y-y-y e do cry-y-y-y porque a emoção dele (e a nossa) vai aos píncaros, nesses trechos só ele mesmo, solo, chorando pra ela voltar, magnífico! Logo depois, volta a harmonia tripla em um 3º verso, desta vez com uma rima tripla pain-same-again. 
 
A gravação em Abbey Road foi feita em 17 de outubro de 1963, no mesmo dia que I Wanna Hold You Hand, e durou incrivelmente poucos 60 minutos, em 15 takes, já no novíssimo gravador de quatro canais, com que foram presenteados pela direção da casa, pois seria prerrogativa das gravações clássicas. 
 
Lembrar que a canção, só instrumental sem a letra, foi creditada como Ringo's Song no primeiro filme dos Beatles, Os Reis do Iê Iê Iê, de 1964 e acompanha o querido baterista numa longa e famosa cena. Admire aqui, neste LINK, o talento de Ringo, ou ainda, se quiser apreciar o talento de George Martin, deixo aqui o arranjo, só em áudio LINK. 
 
Porém, o maior destaque são mesmo os vocais em harmonia tripla tripla John/Paul/George ao longo de toda a canção, ou no contraponto para John, ou acompanhando-o em hummmmms, no solo da ponte, majestoso. Deixo aqui ESTE VÍDEO, dos 3 gênios no show de Ed Sullivan em Miami, 16 de fevereiro de 1964, em que dividem um microfone único. Imperdível e emocionante! Note que deligam-se os berros das garotas, todos prestando enorme atenção, inclusive a linda menina que aparece no final. É dauele show, também que tirei o still para ilustrar este post.

 

8. Komm Dib Mir Deine Hand - I Wanna Hold Your Hand

9. Sie Liebt Dich - She Loves You

Camilo J Nicolas Felgen
Depois de conquistarem o Império Britânico, e vendo que seu som não emplacava na América, os Beatles voltaram-se para o mercado alemã o. Ocorre que vigia à época a sensação de que o público alemão só consumiria canções em alemão, por mais estranho que isso parecesse. Eles não engoliram muito a ideia mas, jovens que eram acabaram cedendo. porém não sem resistência. O projeto seria lançar um compacto contendo os dois últimos Nº 1 nas paradas inglesas. Para tanto, contrataram um compositor e canto alemão de nome Camilo Felgen, que fazia razoável sucesso nas telas alemãs para traduzi-las ao idioma. Camilo, que usou seus nomes do meio para os créditos, J. Nicolas, fez um trabalho decente na versão, bem mais honesto em relação ao original do que, por exemplo, nosso querido Renato Barros, que traduziu 'And when I tell you that I love you' por 'Menina linda eu te adoro' ou 'All my loving I will send to you ' por 'Coisa linda, coisa que eu adoro' e dezenas de outras no mesmo diapasão. O máximo que Camilo teve que apelar foi criar um 'Bonita como um diamante' exaltando a qualidade da garota, coisa que a original não fazia. Já para She Loves You a tradução foi bem mais fiel, e inclusive foram inteligentes o suficiente em não traduzir o Yeah Yeah Yeah para Ja, Ja, Ja...   
 
O projeto foi executado enquanto os Beatles estavam em Paris para 19 dias de dois shows diários no Olympia. E o projeto foi realizado em apenas um dia, em 29 de janeiro, mas não sem uma pequena tensãozinha, pois no dia e hora marcado, para os Beatles se encontrarem com seu coach e George Martin nos estúdios da EMI em Paris, eles simplesmente não apareceram. George Martin foi ao Hotel George V, onde se hospedavam, e os encontrou na sala de chá do saguão. Assim que Martin adentrou ao recinto, gritando com eles, cada um foi para um canto da sala se escondendo, atrás de um sofá, ou cobrindo o rosto com uma almofada, ou entrando debaixo de uma mesa, ou indo para trás de um biombo, e rindo á beça, como quatro moleques travessos, e o Maestro acabou por ceder ao clima e começou a rir também, mas pode-se imaginá-lo carregando os rapazes pelas orelhas para cumprir o compromisso. George conta que foi a única vez que levantou a voz para os Beatles. Deve ter contribuído para a má vontade dos rapazes o fato de que àquela altura, 29 de janeiro de 1964, fazia já 5 dias que eles haviam conquistado o mercado americano, com I Wanna Hold Your Hand atingindo o Nº1 na paradas.

Dirigiram-se então ao Pathé Studio para o efeito. Competentes que eram em todas as frentes em que se metiam, e ajudados pelo fato de saberem algum alemão pelos diversos períodos de shows malucos em Hamburgo, eles precisaram de apenas 11 takes para se acostumarem à métrica e à pronúncia correta das palavras, por sobre a base gravada em 17 de outubro de 1963 em Abbey Road, portanto não pegaram em instrumentos, a não ser as próprias mãos, para acrescentarem palmas por sobre uma edição dos Takes 5 e 7. Já para She Loves You  a coisa foi mais complicada, pois o tape com a base gravada em 1º de julho se perdeu, e eles tiveram que lançar mão de seus instrumentos e, com muita precisão, reproduzir a gravação de quase à perfeição em 13 takes para a base, e apenas UM take para o vocal... sim apenas isso para cantarem em alemão. com correção! É muita competência! 
 
Enfim, a raça alemã tem algumas cruéis razões para se lamentar de algumas atitudes de personagens de sua história, mas certamente pode se orgulhar por sua língua ser a ÚNICA a ter canções inteiras, aliás, duas, aliás, dois enormes sucessos, entoados pelos Beatles, fora do idioma inglês! Foi lançado na Alemanha ocidental em março, direto para as paradas locais. Essa curiosidade só chegou aos ouvidos dos ingleses 14 anos depois de sua realização, na coletânea Rarities. Já os americanos, que demoraram em sentir o gostinho do som inglês, tiveram acesso a  uma delas, logo em seguida, com Komm Gib Mir Deine Hand, oficialmente fechando o álbum Something New, pela Capitol, e também, rapidamente, com Sie Liebt Dich, pelo pequeno selo Swan Records, que achava que tinha direitos porque os tinha sobre a original She Loves You.  O interessante é que mesmo brevemente 'no ar' até a Capitol bloquear, o disco não vendeu muito porque fizeram a bobagem de traduzir TAMBÉM o nome da banda, que ficou Die Beatles (Os Beatles)!!! Perceberam o mau agouro? 'Die' em inglês quer dizer 'Morrer,' ou pior, no tempo imperativo do verbo, 'Morra', ou 'Morram'! Mesmo assim, o compacto também foi lançado pela Capitol em junho, chegando a ficar entre os 100 da parada americana.
 
Como curiosidade, deixo aqui os LINKS, e as letras para acompanharem a curiosidade.. 
 

    I Wanna Hold Your Hand (LINK)                                   She Loves You (LINK)  

 

10. Long Tall Saly (by Little Richard)

Paul grita:
I saw Uncle John with long tall Sally
He saw Aunt Mary comin' and he ducked back in the alley
Oh, baby, yeah now baby
Woo baby, some fun tonight
... explicando rapidinho, Tio John, safadinho, estava de trique trique na rua com a alta Sally, quando viu Tia Mary e se escondeu num beco. Mais adiante, dá-se a entender que Sally é um travesti. "Ela tem tudo de que o tio John precisa", ai ai. 
Paul é o vocalista, e ele faz aí uma das melhores gravações de sua vida! Vocal gritado, um tom acima do que cantou seu autor Little Richard. E a banda contribuiu tão bem, que foi necessário APENAS UM TAKE, ao efeito.  George Harrison fez dois solos perfeitos. Até George Martin entrou na onda, lascando seu piano com perfeição. Uma vez só! Quando acabou, todos se entreolharam espantados com a própria performance. Não tocaram mais nenhuma vez, não tem take alternativo, não fizeram nenhum overdub, nenhum ajuste ou edição foi necessário. Era a resposta de Paul para o show de John em Twist and Shout um ano antes, que também fez a proeza.
 
Esse show foi dado num hoje histórico 1º de março de 1964. Não foi à toa, não foi difícil escolher qual seria a primeira cover a se candidatar a entrar no mais novo álbum da então mais famosa banda do mundo, posto que eles haviam acabado de conquistar a América. Long Tall Sally era uma favorita de John e Paul, aliás, desde seu primeiro encontro em 6 de julho de 1957 no pátio de uma igreja em Liverpool. Paul sabia os acordes e a letra (e cantá-la, o que não era fácil) e impressionou John com sua habilidade na guitarra. Tocaram-na ainda como Quarrymen, depois como Silver Beatles, e seguiram tocando-a, já com o nome definitivo da banda, ainda antes da chegada de Ringo, no Cavern Club e em noitadas compridas nas casas noturnas de Hamburgo na Alemanha. E ela estava em quase todos os shows já depois da fama, e também com Ringo. Ela normalmente fechava os shows, e levaram-na em excursões pelo mundo, em todos os 4 anos que durou sua carreira ao vivo da banda, interromperam sua presença brevemente quando chegou I'm Down, de Paul, que passou a fechar os shows, mas retornaram com ela aqui e ali, inclusive no último show em San Francisco, em agosto de 1966. Ela é a primeira canção do Lado A do compacto duplo. Deixo aqui este LINK, na 1º vez que tocaram a canção no Estados Unidos, em Washington, para terem uma ideia.

  

11. I Call Your Name (Retun Miss Song by John Lennon)

John chora 'Eu chamo o seu nome, mas você não está lá. Será que eu estou sendo injusto?
Ah, eu não consigo dormir à noite desde que você se foi. Eu nunca choro à noite, assim não dá mais'

Essa canção foi feita por John em 1957, e provavelmente é a primeira composta por ele.  Ela foi terminada em 1963 (somente aí veio a ponte) para ser dada para o grupo Billy J Kramer and The Dakotas gravarem. Eles o fizeram e gravaram uma outra de Lennon/McCartney chamada Bad To Me, e lançaram as duas em compacto de grande sucesso, que chegou ao Nº1 das paradas. Só que cometeram um pecado: lançaram a canção de John no Lado B. John, então, resolveu promovê-la com sua gravação pelos Beatles! E ela sem dúvida merecia fazer parte do catálogo beatle! É ótima!! Eu adoro!! I Call Your Name chegou a ser sugerida para a trilha sonora de A Hard Day's Night, em 1964 quando ainda não havia surgido a canção título. Uma vez composta a nova canção, I Call Your Name acabou relegada e não entrou nem na trilha do filme (as 7 canções do Lado A) e nem no Lado B do próprio álbum de mesmo nome. Uma pena, porque caberia perfeitamente, e completaria as 14 canções que foi a regra dos primeiros álbuns dos Beatles de 1963 a 1966. A Hard Day's Night foi exceção à regra, com 13. E poderia muito bem ser cantada por Ringo, que ficou sem vocal no LP, e ele provou isso ao cantá-la em sua carreira solo. Bem, a canção não poderia ser abandonada e acabou sendo lançada num EP (Extended Play), ou compacto duplo, com duas canções em cada lado da bolachinha de vinil, que foi nomeado Long Tall Sally EP, que tinha, além da canção título, também Slow Down e Matchbox, das quais falo em post separado. 
 
O assunto da canção merece uma discussão à parte. Quem lê assim de pronto, como eu, define como o nome como de uma garota que está dando um gelo para o autor. Assim fiz eu e a classifiquei como Miss Song, Return Class, ou seja, uma canção de saudade em que o abandonado quer o retorno à condição antiga. Só que ele poderia estar se dirigindo a uma de duas figuras importantes de sua vida: sua mãe Julia, que o deixou para ser criado com a irmã,  mas estava com ele à época e morreu atropelada em 58, uma verdadeira tragédia. Ou seu pai Fred que o abandonou logo cedo, depois voltou para pegá-lo, mas John preferiu ficar com a mãe.,.. e talvez venha daí a  parte em que pergunta se foi injusto... São traumas da vida de John que ele voltou a tratar em canções de 1968 e 1969, especialmente Mother, das mais pungentes canções da história da música. Só que John nunca disse, nem para seu parceiro Paul, quem era o alvo de seu lamento, então, sigo com minha interpretação. Em tendo percebido essa outra conexão, eu a teria classificado como Self Song, ou ainda, Speech Song (para uma pessoa).... mas deixa como está. 
 
A gravação foi feita em 1º de março, o último dia antes de começarem as filmagens de A Hard Day's Night, e ela dormiu aquela noite como parte da trilha sonora. Foram 7 takes, com todos cantando e tocando ao vivo, houve variações na introdução com relação ao que havia sido lançado um ano antes. Em 1º de junho veio um overdub com um instrumento fundamental da canção, e quem o trouxe foi Ringo Starr: o cowbell. Adoro aquele som! E ele está lá na canção toda. Ele havia utilizado o simpática percussão cinco dias antes na gravação de You Can't Do That, e voltaria a usá-la na canção título do filme, e depois em I Need You do filme HELP! em 1965 e em outras 4 canções da carreira! Gosto tanto que é a imagem dele que eu uso para ilustrar o post! Eu tenho até mesmo a tara de contar quantas vezes ele é acionado! Aqui, foram 201 vezes! Mas por que não é um múltiplo de 4, como se esperaria, afinal ele é acionado a cada tempo dos compassos, que são de 4 tempos? É que, quando vai começar o verso instrumental, Ringo bate apenas uma vez no 1º compasso e para, voltando apenas quando volta a ponte. Aliás, estou falando em verso pra lá, ponte pra cá, e o leitor pode não estar identificando. 
 
Vamos lá! Os versos de I Call Your Name são provavelmente os mais curtos da carreira dos Beatles, apenas duas frases cada um:
Verso 1: 
I call your name, but you're not there
Was I to blame, for being unfair?
Verso 2: 
Oh I can't sleep at night since you've been gone
I never weep at night, I can't go on 
 
A Ponte é mais generosa, com quatro frases e ainda apresenta uma guitarra em gangorra fenomenal com 8 puxadas por compasso. O amigo beatlemaníaco notará uma semelhança desse riff com Hold Me Tight, que foi gravada 6 meses antes: 
Don't you know I can't take it?
I don't know who can
I'm not going to make it
I'm not that kind of man

Depois da ponte, vem um verso, com letra um pouco diferente e, em seguida, um verso sem palavras, apenas instrumental e magnífico, porque introduz um ritmo novo para os Beatles, um ska, ou reggae, defina como quiser. Talvez por causa dessa mudança foi que Ringo desistiu de pulsar o cowbell nesse setor! Depois dele, vem mais uma vez a ponte e um verso final, que termina com o título da canção repetido várias vezes em fade-out. 

I Call Your Name nunca fez parte de shows ao vivo, mas os Beatles a tocaram ao vivo na BBC, ouçam neste LINK, claro que sem o cowbell. Notem o riff da ponte um pouco modificado e também que John erra a letra do verso final. Mas é sensacional!

Bem, a ligação de Ringo com a canção, com sua bateria precisa, o desafio de fazer um novo ritmo no verso instrumental, e a decisão pelo cowbell, foi muito forte, tão forte foi que ele veio nos salvar, em sua carreira solo, com uma performance da mesma, tendo como companheiros Jeff Lynne, Joe Walsh e Tom Petty nas guitarras. Como Ringo está na bateria, um terceiro teria que se encarregar do cowbell, então veja um sujeito, um outro baterista famoso, Jim Keltner, ali atrás, encarregado do instrumento! Valeu, Ringo!!! Vejam e deliciem-se aqui, neste LINK!

 

12. Slow Down (by Larry Williams)

John implora:
Well, come on pretty baby, won't you walk with me?
Come on, pretty baby, won't you talk with me?
Come on pretty baby, give me one more chance.
Try to save our romance!
Slow down, baby, now you're movin' way too fast.
You gotta gimme little lovin', gimme little lovin'
  
   
Ow! if you want our love to last
... nos outros dois versos, Larry, na voz de John, dá ainda mais argumentos para a garota dar mais uma chance pra ele
Pois é, John é o vocalista, e entrega um magnífico desempenho vocal, es-pe-ci-al-men-te no 3º verso, ele faz aí uma das melhores gravações de sua vida! Sua voz rouca se encaixou como uma luva no clima desse magnífico rock'n roll americano. São 5 vezes um 12-bar-blues duplo, pode contar, você vai ver que vai contar até 24 em cada um. O primeiro deles é instrumental, com piano e floreios de guitarra, depois dois versos são cantados (com direto a um sensacional "Brrrrr, if you wan your love to last"), e vem mais um verso instrumental, com solo de guitarra de George e, finalmente, o verso matador de John, não deixem de ouvir. Isso foi conseguido, não em um, mas 3 takes, dedicados à base, sem a voz de John, só com os instrumentos tradicionais.  Depois, vieram o piano de George Martin e o vocal inicial de John, e depois seu vocal dobrado, onde ele erra algumas vezes a letra, mas com direito a uma harmonização dele com ele mesmo no último 'slow down' da letra, percebam. vale a pena
 vale a pena, neste LINK!! Era 1º de junho. Slow Down fazia parte do set list do Cavern Club e de Hamburgo, mas não viu a luz do palco na era dos shows do Beatles, com exceção de uma participação num programa da BBC.

13. Matchbox (by Carl Perkins)

Ringo se resigna:.
  1. I ain't got no matches, but I sure, Got a long way to go
  2. I'll never be happy, cause everything I've ever did was wrong  
  3. I got news for you, baby, Leave me here in misery 
  4. And when your big dog gets here. Watch how your puppy dog runs

 A numeração corresponde à finalização de cada um dos versos diferentes da canção, naquela estrutura comum dos lamentos do blues, uma frase, depois ela é repetida, e depois vem a conclusão. O 1º verso é repetido na finalização da canção.

A letra, de autocomiseração, "ó vida, ó azar!", é típica das preferências de Ringo, que adorava esse tipo de declaração, de dar essa conotação de sad and lonely poor boy que viria em várias de suas outras 10 participações como vocalista na carreira dos Beatles, duas delas com autor da canção. E também seria a physique de role de seu papel como ator Beatle, em 3 dos 5 filmes da banda, abrindo com a sensacional cena de A Hard Day's Night, que é  acompanhada por uma This Boy instrumental, depois sendo O CARA que é perseguido por uma seita maluca em HELP!, e mesmo na animação Yellow Submarine, sendo O CARA que aperta o botão errado e é ejetado da nave que viajava por mares psicodélicos. Grande Ringão! 
 
A sessão de gravação ocorreu no mesmo 1º de junho de Slow Down, acima descrita, e Matchbox foi a primeira gravada. E foram 5 takes, dos quais 3 completos, e com tudo dentro, todos tocando, inclusive George Martin ao piano, e Ringo cantando, em sua bateria. O curioso é que foi John quem fez o solo na guitarra, entre o 3º e o 4º versos. Posteriormente, Ringo dobrou seu vocal, depois triplicou seu vocal, o que dá pra ser notado explicitamente em algumas ocorrências do "Weeeell" no começo de alguns dos versos, que se ouve 3 vezes claramente. Uma figura ilustre estava nos estúdios, o próprio autor Carl Perkins, então em excursão pela Inglaterra, que foi convidado para testemunhar a primeira de 3 composições que ele autorizou, com muita satisfação, que os Beatles regravassem, as outras sendo Honey Don't, tambem com Ringo e Everybody Is Trying To Be My Baby, com George, outro admirador do roqueiro americano. 
 
Nos EUA, as duas canções do Lado B do EP foram lançadas em compacto simples, com grande sucesso, tendo inclusive a de Ringo alcançado melhor posição que a de John nas paradas americanas. Ringo era o mais popular dos Beatles naqueles tempos, terra de Tio Sam, sendo inclusive lançado para Presidente dos EUA! Hehehe!

  

14. I Feel Fine (Love Girl Song by John Lennon)

John conta: 'A minha garota é boa comigo, você sabem ela está muito feliz, você sabe, foi o que ela disse. Estou apaixonado por ela e me sinto bem!

Quer mais felicidade que isso? A letra é toda assim. "Eu a amo, ela me ama e está tudo bem! Eu sou feliz, ela também e conta pra todo mundo que ele compra tudo pra ela, até um diamante"! Esse era o clima. Junte-se uma entrada revolucionária, um riff matador, um ritmo inovador, o sorriso de John, e está pronta a receita para mais um compacto Nº 1 nas paradas. Interessante que John não achava que ela era tanta coisa assim, ela foi pensada para ser mais uma do álbum Beatles For Sale, foi gravada numa sessão daquele álbum, mas terminada a sessão, decidiram que I'm A Loser perderia seu posto no compacto do final de 1964 e foi colocada na faixa nº2 do 4º álbum dos Beatles. A troca do "Eu sou um perdedor!" por "Eu estou feliz!" mostrou-se adequada para o momento'. 
 
A canção tem 3 versos com letras diferentes mas com a mesma base, as duas primeiras linhas terminam com "you know" com rimas acontecendo antes, uma terceira linha com "...she said so", e uma última que varia entre "I'm in love with her" com "She's in love with me", mas sempre terminando com "...and I feel fine". Os versos 2 e 3 são repetidos, e uma ponte aparece a cada dois versos, com Jonh bradando ao mundo sua felicidade "I'm so glad that she's my little girl" e a dela "She's so glad she's telling all the world". 
 
A razão daquele qualificativo 'extraordinária' ali de cima começa não em 18 de outubro, que foi o dia da gravação, mas 12 dias antes, enquanto trabalhavam em Eight Days A Week. John aproximou-se do amplificador com sua guitarra em punho, mas se esqueceu de diminuir o volume, e ao mesmo tempo, Paul, do outro lado do estúdio, soltou uma LA gravíssimo em seu baixo, e a guitarra de John deu feedback, retroalimentando o som, e produzindo um lamento sonoro que encheu cada metro cúbico da sala. John adorou aquela 'serendipity' (*) e resolveu reproduzi-la de forma controlada em I Feel Fine, ficando para a posteridade. Aquele uivo entrou para a história da música. Notaram que mesmo ao acaso, a parceria Lennon/McCartney funciona?
(*) palavra inglesa sem tradução em português 
sobre a qual escrevi neste post: 
encontrar algo bom sem ter procurado
       

Voltemos à gravação. Naquela sessão foram gravadas nada menos que 8 canções, ficando a duas do recorde de 11 de fevereiro do ano anterior, quando gravaram 10 canções de Please Please Me. No primeiro take, os Beatles chegaram à conclusão de que deveriam baixar o tom da canção, porque John não estava em sua zona de conforto vocal. Mais quatro takes foram feitos. Take 5 foi o primeiro completo, mas chegaram à conclusão de que seria melhor gravar uma base apenas instrumental: John estava se atrapalhando em cantar juntamente com o complicado riff que ele mesmo inventou (inspirado em um sucesso da época). George também dobrava o riff de John, mas resolveu deixar o solo da parte instrumental para depois. Enquanto isso, Ringo imprimia um ritmo latino em sua bateria e Paul firme no baixo preciso. Daí, mais 4 takes nesse novo esquema, até chegar ao nível de poderem fazer os overdubs, sobre o Take 9! John então gravou seu vocal. Sem a pressão de desempenhar na guitarra, ele até incluiu uns murmúrios hummm, primeiro introduzindo a sessão instrumental e depois na conclusão) Paul e George acrescentaram a harmonia vocal perfeita, em dois trechos de cada verso e nas pontes, alternando letra com Uuuuh's, note bem. George também acrescentou seu solo na seção instrumental! 
 
Bom, se John não estava à vontade cantando e tocando durante a gravação, decerto que treinou bastante, porque I Feel Fine era uma das favoritas dos shows ao vivo, e foi sempre tocada, até mesmo o concerto final, em agosto de 1966. Uma delas, no Shea Stadium (fala-se 'shei') em New York em 1965, um marco na história, o primeiro show num estádio aberto (de baseball), com 65 mil espectadores. Deleite-se no LINK. Como o som foi prejudicado, eles voltaram ao estúdio para regravar todas as canções do show, porque seria um especial para a TV Americana. O som que se ouve, então, é o da regravação. Perceba como John se atrapalha no verso final, ele canta "I'm in love with her" quando deveria ser "She's in love with me" que é cantado por Paul e George, ali ao lado em um microfone só. Você percebe pelo movimento da boca de John. É desse show a imagem que escolhi para ilustrar o post. Aliás congelei a imagem justamente quando John abre a boca pra cantar "I'm in love" quando deveria ser "She's in love". E note que ele dá um sorrisinho quando percebe que errou! Demais!
 

 

 










15. She's A Woman (Love Girl Song by Paul McCartney)

Paul conta: "Meu amor não me dá presente algum. Mas eu sei que ela não é rude. Ela é a única que até agora tem me dado amor, incansavelmente. Ela me deixa doido quando fico sozinho, as pessoas me dizem que ela só 'tá a fim de tirar onda', mas eu sei que ela não é disso."

Esta canção entra na seleta lista das 'Beatles-one-day-songs', ou seja, aquelas em que da ideia inicial até sua gravação completa, leva menos de um dia! Outras são Birthday , All Together Now e The Ballad Of John and Yoko. Na verdade, esta foi menos que 12 horas, porque estava pronta às 6 da tarde, e eu duvido que Paul tenha-a começado antes das 6 da manhã. Ele mesmo diz que foi durante a manhã de 8 de outubro de 1964 que teve a ideia em uma caminhada, voltou pra casa, escreveu o 1º Verso e, ao chegar ao estúdio, chamou John num canto, apresentou o que tinha, compuseram o que faltava (mais um verso e a ponte), mas ainda não o ritmo definitivo, que só chegou no 2º Take da sessão que começou às 2:30 e foi até o fim da tarde! 
 
Pausa para digressão educativa  
É bom dar aqui uma parada para esclarecer uma natural confusão com o termo 'verso' que venho utilizando em minhas análises até aqui. Em um poema, o verso é uma linha de uma estrofe, que é um conjunto de versos. Na estrutura de uma canção, verso é um conjunto de linhas que estabelece a melodia e a ideia principal da letra da canção. Neste caso de She's A Woman, quando John diz que 'Paul chegou com o 1º verso pronto',  não foi apenas com 'My love don't give me presents', mas sim com esta e outras 7 frases, até "fooling, I know she isn't'. Aproveitando a digressão, ´ponte' é um segundo elemento estrutural da canção, com melodia diferente do 'verso', às vezes em ritmo diferente também, que une, como toda boa 'ponte', dois versos, ou um 'verso' e um 'refrão' ou um 'coro'. A ponte serve também para quebrar a tensão de versos vigorosos ou, por outro lado, levantar a tensão de versos tênues. Finalmente, 'refrão' é o que carrega a mensagem mais mnemônica, que muitas vezes leva o nome da canção, uma mensagem mais definida, que fica na cabeça, mas não é sempre que se o usa. A maioria das canções dos Beatles não têm refrão, apenas versos e pontes. Aqui, a ponte é o ponto mais alto da canção e traz a conclusão das situações apresentadas nos versos,  "She's a woman who understands, She's a woman who loves her man", ela traz o nome da canção, também é o que fica na cabeça, mas não é considerada como refrão. 

__________________  

Fim da digressão  

 
John, como sempre ferino, bota a letra de She's A Woman como lixo. Sem dúvida, não é! Tem algumas pérolas em palavras e rimas. Por exemplo, para rimar as duas primeiras linhas da canção, Paul foi buscar 'peasants' para rimar com 'presents'. O significado básico da palavra é 'camponês', mas não faz sentido dizer que ele saque que sua garota não é uma 'camponesa', eu sempre fiquei intrigado com isso, que era aparentemente sem sentido, apenas recentemente descobri um segundo significado, figurado, que seria uma adjetivação do 'camponês', uma pessoa de baixo status social, não sofisticada, ignorante (no sentido correto, por não saber), e eu escolhi 'rude' na minha tradução ali de cima. Para completar a geiialidade, ele ainda termina rimando com as duas primeiras linha, com "I know she isn't". Ainda sobre rimas, o Verso 1 apresenta "make me jealous" pareando com "all the time as well as", simplesmente genial, também porque o raciocínio termina no começo da linha seguinte. No mesmo ponto do Verso 2, Paul repete a estrutura com uma rima aparentemente batida, mas que se salva pelo mesmo recurso de empurrar o fim do raciocínio para a linha seguinte, refiro-me ao "when I get lonely" com "that she's only". E ainda há as rimas ricas "eye-cry", no Verso 2 e "understand-man" na ponte. 
 
Não se sabe a exata extensão da contribuição de John na letra, mas, no mínimo, foi dele a inclusão do "turn me on when I get lonely", foi a primeira letra deles que faz alusão a drogas, pois dizia-se que elas "ligavam" a mente dos usuários. Não fazia nem dois meses que eles haviam sido apresentados ao hábito por Bob Dylan, durante uma excursão aos EUA. Nim ponto final sobre a letra, deixo com uma dúvida: o que Paul quis dizer na ponte com "Ela é uma mulher que entende. É uma mulher que ama seu homem"? Bem, na verdade, desconfio qual seja a resposta: sua namorada e ele mantinham um relacionamento aberto. Jane Asher 'entendia' que Paul não conseguiria resistir ao assédio das fãs, e aceita as traições como naturais... Será? 
 
E vamos à gravação. Como falei, a canção não existia no dia 7 de outubro, e na noite do dia seguinte ela estava pronta para constituir o Lado B de I Feel Fine. No primeiro take, John propôs uma guitarra que não vingou.... dizem que era muito parecido com a de Eight Days A Week, mas não tenho como confirmar, pois não achei em nenhum lugar. Seja como for, a partir do Take 2, John já escolheu uma batida que foi marcante, pois é o que  mais ressalta na gravação: ele toca os acordes de maneira sincopada, meio que fora do tempo, e assim fica até o final. Paul toca seu baixo e canta a plenos pulmões todo tempo. Naquele take, Ringo ainda não se acerta com o tempo, e tentam até o Take 6, considerado bom para os próximos passos. Cadê George? Ele não estava! Em seguida, vieram os overdubs, de Paul ao piano o tempo todo, principalmente repetindo os vocais dos versos, e de John dobrando os acordes da introdução e de Ringo, com um chocalho! Vocês sabem que há um solo de guitarra, não é mesmo? Só não se sabe quem fez! Se George não estava, Paul poderia ter feito, mas não havia guitarra para canhoto àquele tempo. O mais provável é que George tenha aparecido depois e feito em overdub., ali, logo após a repetição do 1º Verso após a ponte, um delicioso 12-bar-blue que antecede mais uma ponte. A finalização da canção repete os compassos da sessão solo, recheada pelos pratos de Ringo.
 
Nesta que é a primeira canção dos Beatles mais chegada a um blues, todos os acordes dos versos são feitos em acordes dissonantes A7, D7 e E7, somente retornando aos consonantes na ponte, mais comportada, mesmo assim, começando num menor (C#m) até chegar ao único cheio, em D. E como os versos são dos mais longos da carreira dos Beatles, com 24 compassos, decerto She's A Woman é um recorde de acordes dissonantes em sequência, e ainda dobra-se tudo porque são dois versos em seguida. Se contar no relógio, é um minuto e 15 segundos sem sair de cima, até chegar a ponte.  É tanto acorde dissonante que John até erra algumas vezes, e se esquece de um ou outro, mas resolveram não partir para mais um take. E a escolha da nota LA como tom fez Paul cantar lá no alto o tempo todo, propositalmente, era mais uma homenagem a Little Richard, de quem era fã declarado, aliás, havia gravado recentemente Long Tall Sally num EP. E ele honrou o tom em dezenas de performances ao vivo, nos quase dois anos seguintes em que fizeram shows, até mesmo no último deles em agosto de 1966. Entretanto, quando ele a tocou novamente, 25 anos depois, no show Unplugged (o primeiro Acústico da MTV), ele baixou o tom. E é este que eu deixo aqui pra vocês, neste LINK. 

 

 16. Bad Boy (by Larry Williams)

John conta: 
A bad little kid moved into my neighborhood
He won't do nothing right just sitting down and looks so good
He don't want to go to school and learn to read and write
Just sits around the house and plays the rock and roll music all night
Well, he put some tacks on teachers chair
Puts some gum in little girl's hair
Hey, Junior, behave yourself!

... na verdade, Junior é apenas um garoto que não gosta de escola mas adora sua guitarra, e faz umas travessuras de vez em quando, numa letra muitíssimo divertida.

 
O trecho acima é o longo primeiro verso, em 20 compassos, da canção. Mais outros dois versos, com letras diferentes viriam, mas com mesma duração, sanduichando um solo de guitarra. Aqui cabe uma observação deste observado que vem observando estruturas de canção há pouco tempo em sua vida, e já com a bagagem de uma centena de canções analisadas dos Beatles. Estes últimos adotaram na grande maioria de suas canções uma configuração de versos e pontes, às vezes introduzindo um refrão. Nesta 4ª análise do bom rock'n roll dos anos 1950, eu notei um padrão diferente, de apenas versos na estrutura. As 4 apresentam 3 versos, com um ou dois solos de guitarra imiscuindo-se entre eles. Não sou doido de extrapolar, mas apenas apontar essa tendência! 
 
John é novamente o vocalista, e comandou a gravação da base, em 4 takes, na noite de 10 de maio de 1965. Ele fazia apenas um guia vocal, com o microfone desligado, tocando sua guitarra, e tendo Paul no baixo,  Ringo na bateria e George em outra guitarra, em que faz um solo durante 12 compassos entre os Versos 2 e 3 que seguem no padrão original do 1º Verso, de 20 compassos.  Ao longo dos versos, George estabelece um 'diálogo' de sua guitarra com as frases de John, sensacional. Depois, vieram os overdubs, de George e Paul em suas respectivas guitarras, de Ringo com um pandeiro e de John, com seu mais uma vez estonteante, áspero e rouco vocal de rock'n roll, e John também acrescentou aquele órgão esperto. Em minha opinião, Bad Boy seria muito mais merecedora de fechar o álbum HELP!, como foi o caso da outra de Larry Williams daquela noite, Dizzy Miss Lizzy. Essa má escolha fez com que eu conhecesse essa maravilha apenas por causa do Past Masters#1 em 1988. Confira comigo, neste LINK.

A analise das demais 14 canções, 

todas autorais, do álbum Past Masters#1,  

você encontra neste LINK


17. Yes It Is (DtR Girl Song by John Lennon)

John reclama: "Por favor, não use vermelho hoje à noite. Isso é o que eu disse hoje à noite. Porque vermelho é a cor que vai me entristecer, apesar de você, é verdade. Sim, é verdade. Sim, é verdade"

John abre os trabalhos como compositor em 1965, e parece que estava doido para fazer uma canção nos mesmos moldes de This Boy. E fez! Yes It Is é uma linda balada, em ritmo de valsa, com harmonia vocal tripla nos versos e com ele cantando pungentemente a ponte acompanhado de Paul e George no vocal de fundo, tudo do mesmo jeito que o sucesso de 1964. As duas foram lançadas como Lado B de grandes sucessos, aquela, de I Wanna Hold Your Hand, esta de Ticket To Ride. Paul requer para si uma participação na música, mas não mais do que 20%.
 
É uma canção de DR, mas com forte tendência para Saudade, veja bem! Começa com o apelo que transcrevi acima, que é do Verso 2, com o autor pedindo que a garota não use roupa vermelha, porque aquilo o deixa triste. Aqui, mais uma vez, destaco a letra em inglês, porque mais uma vez não se vê a palavra 'sad', que quer dizer 'triste'. Ele usa 'blue', como já expliquei, que quer dizer 'triste', porque azul é considerada uma cor triste, daí que Blues, na música, tem aquela profusão de temas tristes, enfim. Veja: "For red is the color that will make me blue". John já havia usado o jogo de palavras em Baby's In Black, (but I'm feeling blue) no ano anterior. Mas no Verso 1, ele diz: "For red is the color that my baby wore", então ele não quer que a atual garota use a mesma cor que sua outra garota, que o deixara, que partira, que morrera (?), uau, isso é que é saudade! E a ponte, pungente, tem John bradando: "I could be happy with you by my side, If i could forget her. But it's my pride, Yes it is, yes it is, oh yes it is, yeah." Veja o desespero do rapaz. E a moça, coitada, sem chances, se ela continuar vestindo vermelho, de nada vai adiantar, mesmo ela sendo muito legal, é o sentido do "in spite of you" do 2º Verso.
 
Como eu disse, eram as primeiras sessões de gravação para o álbum HELP! o primeiro de 1965. Na primeira, em 15 de fevereiro, gravaram Ticket To Ride. Dia seguinte, começaram e terminaram a canção objeto deste texto. Porém, não foi fácil... foi a canção que mais teve takes naquele ano, um total de 14 vezes foram necessárias para terminar sua base. Essa base era John no violão, Paul no baixo, Ringo numa leve bateria. Até a metade da sessão foram vários takes incompletos, com exceção justamente do 1º.  Até o Take 4, faltava um compasso entre os dois versos iniciais, que foi introduzido por John no 5º, facilitando a respiração. A gente pôde perceber essa diferença porque o Take 2, apesar de incompleto, foi utilizado, em sua parte inicial, aé ametade da 1ª ponte, para o lançamento no Projeto Anthology 2, 30 anos depois, mesmo com a divertida cantoria de John, quando esqueceu a letra da mesma! Só no Take 9 veio a configuração definitiva, porém sendo aperfeiçoada até o Take 14, completando duas horas de trabalho. A base ocupou a trilha 1 da fita de 4 canais, George finalmente chega com sua guitarra na trilha 2, modificada por um pedal de volume (que evoluiria mais adiante para um  Wah Wah), e os 3 tenores, digo, cantores entregam sua magnífica harmonia vocal tripa na trilha 3, após exaustivos ensaios, comandados pelo maestro George Martin, e a trilha 4 teve John dobrando seu vocal na ponte e também mais guitarra de George. A parte final dessa fita, a partir da 2ª ponte, completa a ponte errada do Take 2, já com os overdubs, e foi lançada no Anthology, o qual deixo aqui neste LINK pra vocês.  
 
Outras diferenças entre This Boy e Yes It Is  é que a primeira tem sua ponte cantada apenas uma vez enquanto na última, são duas vezes. E outra é que esta nunca foi tocada ao vivo, de verdade. A harmonia vocal era bem mais complexa que This Boy e acho que decidiram não arriscar! Ela foi dublada sobre playback em 3 ocasiões para divulgação na BBC. 
 
E deixo aqui uma curiosidade: é que Yes It Is foi uma das canções que mereceu uma declamação do grande comediante Peter Sellers, neste LINK 
 

Um grande lance aconteceu no Brasil, porque Verônica Sabino lançou uma versão em português, que tem só um pouco a ver com a letra original, mas ficou linda 'Demais', aliás, que é o nome que saiu aqui. Foi tema da novela Selva de Pedra de 1986, muito sucesso!!! Veja aqui, neste LINK.  


18. I'm Down (DtR Girl Song by Paul McCartney)

Paul grita: "Você diz mentiras achando que eu não posso ver. Você não pode chorar porque está rindo de mim. Eu estou deprimido (realmente deprimido) Eu estou deprimido (Pra baixo do chão) Eu estou deprimido (realmente deprimido) Como você pode rir quando sabe que eu estou deprimido? (Como você pode rir?) Quando sabe que eu estou deprimido?"

Dura e gritada DR, sem a menor dúvida, em 3 Versos e 2 solos. Cada verso tem duas frases contextualizando uma situação e termina com os lamentos, no que poderia ser chamado de Seção Refrão do Verso. Aliás, pensei agora como seria uma versão do 'refrão', na métrica da canção e com  uma tradução decente. Poderia ser assim: 
Tô mal! (Tô muito maaaal!)  
Tô mal! (Tô lá no chããão!!) 
Tô mal! (Tô muito maaaal!) 
E você ri quando estou tão mal? 
(E você ri) quando estou tão mal?
 
Voltemos! A tradução correta ali de cima mostra a falta de respeito da garota com o estado depressivo do namorado. No Verso 2, uma situação de mágoa, com o desleixo "Man buys ring, woman throws it away". Depois dos dois versos, vem um ótimo solo de George Harrison, um 12-bar-blues. Quando vem o Verso 3, traz uma dúvida pra mim, "We're all alone and there's nobody else. You still moan: 'keep your hands to yourse lf!'", devo confessar que sei a tradução, literal, mas não captei a mensagem, principalmente porque quem lamenta o tempo todo é Paul, mas a letra diz: "Você ainda lamenta!". Será que nesse ponto é a garota quem fala? Seja o que for, depois desse verso vem mais um solo instrumental em que o destaque absoluto é o órgão de John, sobre o qual ainda falaremos mais adiante! Rimas boas, que seriam ricas, em português: "see-me, down-ground, way-day, else-self" 
 
Bem, vamos à gravação!! O contexto era o seguinte: os Beatles haviam feito uma primeira temporada de gravações para a trilha sonora do filme HELP, depois ficaram um mês filmando, em locações inclusive estrangeiras, nas Bahamas e nos Alpes Austríacos, e agora voltavam ao estúdio para produzir canções para o Lado B do LP. Em 14 de junho de 1965, ocorreu a primeira das 3 sessões para o efeito, e nela foram gravadas 3 canções de Paul, sendo I'm Down a segunda delas. Foram 7 as tentativas de acertarem a base, que tinha Paul no vocal e no baixo, George na guitarra solo, John fazendo o ritmo num órgão e Ringo na bateria. O 1º Take já foi espetacular e felizmente sobreviveu, sendo lançado oficialmente no Projeto Anthology 2, e deixo aqui o LINK pra vocês. Note que Paul está animado de que vão fazer história! A magia da canção está quase toda lá, note a entrada a Capella, sem instrumentos, de Paul, com a totalidade da primeira frase, depois uma entrada solo dos instrumentos e mais a segunda frase, também a capella no começo e a bateria chamando todos no último verbo ("laughing at me"). Os Beatles breaks se repetem magistralmente nos Versos 2 e 3. 
 
Quem conhece a canção original sentirá a falta dos famosos vocais de apoio concordando e amplificando o lamento do astro. Eles viriam em overdubs só após a base pronta. Vejam que o solo de George está bem bom para um primeiro take, mas foi melhorando. E finalmente, o 'quase' que disse ali em cima é porque ali, John não fez o solo que combinou a Paul na última seção da canção, ficou apenas no ritmo. O que Paul diz no final exprime a felicidade em que estava, elogiando a performance com 'Plastic soul, plastic soul", uma expressão que ele ouvira um bluesman falar, sobre Mick Jagger, e que depois inspiraria o nome do álbum seguinte, já naquele ano, Rubber Soul. Com a base pronta, vieram os overdubs por sobre o Take 7. Ringo adicionou bongôs especiais nos dois primeiros versos e na conlusão. George resolveu fazer um solo de guitarra ainda melhor. E John melhorou seu antológico solo de órgão. E também vieram os backing vocals dos companheiros John e George respondendo aos lamentos do pobre Paul ("I'm really down", "Down on the ground", e "How can you laugh") e depois ainda John acentuou com graves "down"s em vários pontos. Tudo isso foi feito em hora e meia de gravação. 
 
I'm Down ficou tão boa que não foi colocada no Lado B do LP HELP!, como era a intenção, mas foi elevada à categoria de Lado B de um compacto, tendo a canção título filme no Lado A e sendo lançada em julho. Era a intenção de Paul com essa composição, que ela substituísse Long Tall Sally, um cover de Little Richards, também magnificamente gritado por Paul, com que os Beatles fechavam todos os shows. A partir de então e até o final de sua carreira ao vivo, em agosto de 1966, todos os shows foram fechados por ela. Uma dessas vezes foi no Shea Stadium, em New York e deixo aqui o LINK para vocês se deliciarem com o desempenho dos rapazes, em especial de John, verdadeiramente possuído em seu órgão, usando até os cotovelos, e divertindo os companheiros que riam muito. E essa a imagem que deixo como registro desta análise. Notem ao final do vídeo John comentando sobre a efeméride que foi aquele dia, o maior público que uma banda havia conquistado até então, primeira vez em um estádio. 

3 comentários:

  1. O que me impressiona: sua dedicação. Os discos feitos depois sem nem mesmo ter a participação deles não me atraem a não ser quando usam apenas os singles visto que assim não desmembram os álbuns. Mas o fabuloso é como você se entrega e vai fundo em cada música sempre informando algo novo e interessante. Eu só tenho de cumprimentá-lo pçelo excelente trabalho.
    Olha, sabe que gosto mais da versão de Accross the Universe como saiu no Let it Be? Ou ouvi a outra onde a Lizzie canta e não me deu a mesma emoção não. Mas eu so conheço a versão que vi no youtube uma vez. Pode não ter sido bem trabalhada. Se tivesse sido escolhida ainda dariam uma burilada. Da forma que ouvi as vozes femininas, bem comuns e um pouco estridentes...cobrem a voz de John!
    Deve haver outra gravação e que desconheço.

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  2. Pois fui investigar. Descobri a tal versão que sau para a Fundação Wild Life. Como suspeitei a que eu tinha ouvido não estava terminada. Faltava a tecnologia ainda. E ficou bem melhor do que a que ouvi.As vozes das meninas não ficaram sobre a voz de John. Mas...ficou sem gracinha assim mesmo. Parece um coral infantil! Sinceramente, embora bem melhor do que a versão que eu conhecia parece não pertencer à música.Parece sobrando ali.
    Então achei a do Let it Be Naked...Sorry, Paul. Eu ainda não tive a chance de ouvir todo o Let it Be naked. Mas esta faixa parece demo. Falta alguma coisa...
    Hora de ouvir de novo a versão de Phil Spector. Quase chorei de emoção. É linda demais. Juro que me vi conversando com ele. Dizendo que jamais poderia aprovar sua vida particular, as coisas que fez, o assassinato da moça...mas que ele poderia se orgulhar de algo realmente lindo que fez: o Let it Be. E Accross the Universe em especial. Quase chorei. Rezei por ele...Pedi aos anjos por ele...agradeci a ele pela música, pelo que fez musicalmente...O cara era gênio sim, musicalmente falando. Teria ficado melhor com George Martin? Eu acho que sim. E com todos juntos trabalhando com Mr. Martin teria ficado do jeito certo. Mais uma jóia deles. Mas um trabalho feito com eles separados...Spector fez um milagre. Entendo que eles tinham planejado outro tipo de coisas, sem overdubs...Spector colocou até coral. Mas olhando só o resultado final da gravação só tenho a aplaudir e agradecer. Lindo, lindo, lindo.
    Outro motivo para eu me emocionar tanto pode ser apenas porque é esta a versão da minha juventude. Do disco que comprei em Londres e ouvia pensando em Londres, na Apple em tudo Beatles que lá vi. As vozes fazendo oooooo passaram a fazer parte para mim. Sem elas, como está no naked, ficou vazio...parte de mim necessita dela, pois é da trilha sonora da minha vida. Mas se fosse apenas por isso não seria suficiente. Foi por isso e também devido ao extremo bom gosto do cara para embelezar uma música. Tiro meu chapeu para Phil, que Paul me perdoe.

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