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quarta-feira, 3 de março de 2021

Strawberry Fields Forever - Que viagem!

Esta canção foi lançada em compacto, em fevereiro de 1967

Esta canção é a  2a do Lado B do LP Magical Mystery Tour 

a história do álbum, cenário, assuntos e canções, aqui neste LINK

É uma de 5 canções espelhando DRs com suas garotas

as demais 4 canções de mesmo Assunto e  Classe, neste LINK

Atenção, canções com títulos em vermelho 

são links que levam a análises sobre elas.

8. Strawberry Fields Forever (Trip Acid Song by John Lennon)

John convida: Deixe-me te levar comigo porque eu estou indo para os campos de morango, nada é real e não há nada com o que se preocupar. Campos de morango para sempre!  Viver é fácil com os olhos fechados, entendendo errado tudo o que você vê. Está ficando difícil ser alguém, mas tudo vai dar certo! Isso não me importa muito...'

John convida a todos para viajarem com ele para Strawberry Fields. O local realmente existiu (sem o S, era singular), era um orfanato que John e seus amigos iam espiar quando crianças em Liverpool. Mas esseS campoS da canção não são reais, são locais na mente dele, onde tudo é imaginário. É uma viagem para dentro dele, a canção é uma autoanálise. John considera que esta canção suplantou In My Life no posto de sua melhor na época dos Beatles, como um conjunto letra-música (depois ele consideraria Across The Universe como sua melhor letra). Eu a classifiquei como uma viagem alucinógena por causa do convite ("Let me take you down") e do baixo teor de realidade do destino dos locais para onde ele ia nos levar ("nothing is real"), que é para onde levam os alucinógenos, mas em verdade, é uma viagem para dentro de si mesmo. Desde criança, ele fazia essas 'viagens', muito antes de adentrar ao mundo das drogas. O menino vivia numa viagem alucinante, mesmo sem agentes externos. Deixo aqui uma declaração dele mesmo, abrindo seu coração, antes de eu embarcar em detalhes da composição.

  “There was something wrong with me, I thought, because I seemed to see things other people didn't see. I thought I was crazy or an egomaniac for claiming to see things other people didn't see. I always was so psychic or intuitive or poetic or whatever you want to call it, that I was always seeing things in a hallucinatory way. Surrealism had a great effect on me, because then I realized that the imagery in my mind wasn't insanity; that if it was insane, I belong in an exclusive club that sees the world in those terms. Surrealism to me is reality. Psychic vision to me is reality. Even as a child. When I looked at myself in the mirror or when I was 12, 13, I used to literally trance out into alpha. I didn't know what it was called then. I found out years later there is a name for those conditions. But I would find myself seeing hallucinatory images of my face changing and becoming cosmic and complete. It caused me to always be a rebel. This thing gave me a chip on the shoulder; but, on the other hand, I wanted to be loved and accepted. Part of me would like to be accepted by all facets of society and not be this loudmouthed lunatic musician. But I cannot be what I am not."

Ele começou a escrevê-la num set de filmagens em Almería na Espanha. Aliás, existe um filme espanhol inspirado nisso, onde um professor da cidade ensina inglês pra crianças com letras dos Beatles, e fica doido quando sabe que Lennon está lá filmando, e faz o possível para encontrá-lo. Muito legal! E o nome do filme é justamente o primeiro verso ali de cima 'Vivir es fácil con los ojos cerrados', sim, a primeira frase do primeiro verso, "Living is easy with eyes closed"). Segundo John, isso inspirou a decisão de colocar as letras das canções, o que eles fizeram no álbum. Álbum, aliás que não teve Strawberry Fields Forever.

A estrutura é simples: após uma introdução (antológica), vêm 3 refrões e 3 versos, alternadamente. Bem, quer dizer, simples uma ova, porque, depois vêm a conclusão, e depois outra conclusão, numa efeméride de inovação. É o refrão que inicia a fala, com o convite à viagem ("Let me take you down, 'cause I'm going to Strawberry Fields, nothing is real, and nothing to get hung about"), que ele repete outras três vezes. No Verso 1, ele incita as pessoas a deixar abrirem os olhos para o mundo, "Living is easy with eyes closed, misunderstanding all you see". Depois do segundo refrão, o Verso 2 o mostra inseguro sobre o que vê "No one I think is in my tree, I mean it must be high or low". Após mais um refrão, a dúvida dele é patente no Verso 3, vou até colocar em português, pra sentir o desespero de não saber o que está acontecendo: "Sempre, não, algumas vezes, penso, mas você sabe, eu sei quando é um sonho, eu acho, bem, nem sei, bem, é, mas está tudo errado, por isso eu acho que discordo". Chega a dar pena!!

Strawberry Fields Forever foi a primeira canção a ser gravada na nova fase dos Beatles, que haviam decidido não tocar mais ao vivo. E eles chegaram com tudo!! Foram várias idas e vindas até se atingir a versão final, foram quase 55 horas de estúdio, quase 30 takes, desde novembro de 1966 até seu lançamento em fevereiro de 1967, em um compacto Duplo Lado A com Penny Lane, de Paul, ambas as canções com reminiscências de suas infâncias. É apaixonante acompanhar a evolução da canção, desde o voz e violão, sem refrão, e letra incompleta, até aquela efeméride de técnicas e ousadia da versão final. 

Quando John mostrou o demo, já com o refrão, mas ainda no meio, para George Martin, o Maestro quase passou mal, de tão impactado que ficou com a beleza da canção!  Paul também ficou impressionado e entregou uma introdução histórica à canção. O que você pensa ser um conjunto de flautas ali, na verdade, é um mellotron, um teclado que 'sampleia' (sorry!), ou simula outros instrumentos, que era uma baita novidade na época, e todos os Beatles tinham um em casa, sob influência de John.  E a 'flauta' mellotrônica acompanha todos os versos da canção, que são quatro. Tape loops, instrumentos reversos, em alguns takes, sinos, tímpanos, atabaques, em outros, e um arranjo de trompetes e violoncelos de George Martin, e um som de um trem passando, em outros, olha, eu não vou detalhar em que sessão cada instrumento entrou e tocado por quem, senão isso aqui vai ficar muito grande, mas deixo aqui o detalhe da grande sacada que tornou Strawberry Fields Forever única, e que envolveu a mente criativa e exigente de John e a técnica dos maiorais do estúdio, George Martin e Geoff Emmerick, o engenheiro produtor.

John queria misturar as coisas, que estavam gravadas em tempos diferentes, deixando a missão para o Maestro resolver, numa época em que edição de fita era feita na base da tesoura. Sinta a complexidade do problema! O demo, com voz e violão de John, estava em Dó Maior num tempo de 83 bpm (beats por minuto). O Take 1 também estava em Dó Maior, mas nem tanto, porque John queria sua voz mais aguda, então Martin acelerou um tiquinho a fita, para 95 bpm. No Take 4, o tom já estava em Si Bemol Maior e em 90 bpm. No Take 7, estava mais pra La Maior. John gostou dessa, mas espera que tem mais. Uma semana depois, John decidiu que queria começar tudo do zero novamente, e o Take 26 (vê só) estava de volta ao Dó Maior, mas num tempo de 111 bpm, rapidinho e agudo, bem parecido com a versão final, só que não. John havia gostado (lembra?) do Take 7, e pediu uma Missão Impossível: "Quero o primeiro minuto do Take 7 e o resto do Take 26!" quando Martin ia reclamar, John disse: "You can do it!!". O Rei falou, faça-se sua vontade! John não queria saber se o tom de um estava em La (ou quase) e do outro estava em Dó (ou quase), e com tempos diferentes (90 contra 111 bpm). Depois de muito coçarem as cabeças, Martin e Emmerick, viram que a solução era acelerar um e desacelerar outro. Reduziram o tempo do Take 26 para 99 bpm, o que levou o tom para algo próximo de Si, e aumentaram o tempo do Take 7 em apenas um ponto, para 91 bpm, o suficiente para levá-lo para um La mais próximo do Si do Take 26. E pra juntar os dois tapes, usaram a técnica do Cortar e Colar, muito antes do Cut and Paste que fazemos hoje, eletronicamente. Lá, eles cortaram, efetivamente, com tesoura, e colaram, efetivamente, com durex! Isso mesmo!! E ao mostrarem o resultado a John, estava tão perfeito que ele não percebeu, e perguntou: "Já passou?", ao que Martin e Emmerick responderam com um sorriso, e John disse três palavras: "Brilliant! Just brilliant!!". Portanto amigos, é im-pos-sí-vel tocar Strawberry Fields Forever ao vivo, e-xa-ta-men-te como na gravação, o que ouvimos hoje é algo parecido, mas nunca igual!

Outros destaques: encante-se com o swarmandal, instrumento indiano tocado por George ao terminar a segunda e a terceira vezes em que o refrão é cantado, e eu recomendo fortemente que o façam com um fone de ouvido, notando como o som começa agudo no ouvido direito e percorre sua mente lindamente até terminar grave no esquerdo, sem brincadeira, faça isso e viaje, aliás, deixo aqui o LINK com o trecho mencionado, repetido 4 vezes, pra você fixar bem; note a bateria ressonante de Ringo a partir do meio do segundo refrão e até o final; e preste atenção ao fade out, cheio de tape loops, e o fade in (retorno) quando ninguém espera, e ali pelo meio, John falando 'cranberry pie´' e o povo entendendo 'I buried Paul', contribuindo para a conspiração de que Paul era agora um sósia do original. 

O resultado ficou 'astonishing', às vezes é preciso usar o inglês, sorry. E então, parece que o povo se assustou com a proposta da canção e a resposta das vendas surpreendeu, e pela primeira vez em quatro anos, um single dos Beatles não chega ao topo das paradas, nem em UK nem nos EUA!! Já comentei o mistério no post sobre Penny Lane. Sendo um duplo Lado A, as vendas têm que ser divididas por 2, então um intruso que tinha menos vendas, ficou no topo. Foi o maior arrependimento de George Martin, pois tivessem lançado cada uma das canções B-ladeadas por uma canção menor de Sgt. Peppers, tipo When I'm Sixty Four e Good Morning Good Morning, decerto ambos atingiriam o merecido topo. 

Bem, se o povo não entendeu muito bem a mudança do som dos Beatles, os críticos receberam muuuito bem. É considerada um marco da cena psicodélica, influência séria para outras bandas que surgiriam, especialmente Pink Foyd, por exemplo. E seus colegas de profissão ficaram boquiabertos. Conta-se que Brian Wilson, dos Beach Boys, ouviu a canção em seu carro, parou e falou ao seu interlocutor passageiro: 'They did it again!', bastante sério, e depois até interrompeu seu projeto de disco. Os Beatles eram imbatíveis! E seu filme promocional não fica atrás e é considerado precursor dos vídeo-clipes, a amostra mais antiga de vídeos que formataram o mercado da música na TV, registrado oficialmente nos MOMA's pelo mundo. Aqui, neste LINK

10 comentários:

  1. Seu comentário é genial ! Admiro os Beatles cada vez mais, principalmente John ! Parabéns...

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  2. Sensacional! Sua abordagem nos permite "viajar" na genialidade da canção, seu trabalho é uma arte! Vou reler algumas vezes, pois, como em um livro, cada leitura permite um novo despertar.
    Muito obrigada!! Denise do Nascimento

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  3. Uma de suas melhores análises
    Fantástico

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  4. Uma análise e tanto. Mas qdo John fala em STRAUWBERRY FIELDS FOREVER e IN MY LIFE, como as melhores, me sinto a vontade de fazer esse comentário por se tratar de um gênio. A música mais sensacional dos Beatles e de John Lennon, chama-se I'AM THE WALRUS. Por que é uma música espetacular e que só vai ser entendida daqui a 1555 anos. Fantástico...

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    1. Para mim, também I Am The Walrus está à frente.... Já viu minha análise sobre ela?

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  5. A primeira coisa que tenho a dizer é que de fato eu não tenho músicas favoritas dos Beatles. Eu amo todas. Mas um dia me perguntaram..."E se fosse para salvar sua vida?" Se eu tivesse de dizer apenas uma para que não me matassem. Nesse caso, apenas nesse caso, eu teria dito. "Strawberry Fields Forever".

    Mas tem uma coisa que não estou entendendo. Algum tempo depois de lançada, creio que depois da sepração, John disse que Paul tinha arruinado sua música. Que ele queria um música simples e acústica. Eu não lembro mais quando nem onde li isso. Mas li em mais de uma publicação. Sendo assim, ficou óbvio que Paul teve uma participação muito maior do que apenas ter composto a introdução. E se ele queria uma coisa acústica Paul teria sido responsável pela mudança para uma música psicodélica. Ele já tinha feito isso com Tomorrow Never Knows. Eu não consigo ver Paul ali no estúdio tocando um melotrom e ficando quietinho depois. Deve ter tido uma partipação maior. Mas é verdade que nada vejo sobre isso atualmente. Porém, recentemente vi uma declaração de George Martin dizendo que John tinha dito a ele que se pudesse mudaria os arranjos de suas músicas. Ele perguntou se até mesmo Strawberry Fields...E John respondeu: principalmente STrawberry Field. Isso parece indicar que ele realmente não ficou satisfeito com o resultado final, o que é impressionante. Como não gostar de algo tão extraodinário assim? E qual seria de fato a participação de Paul para o resultado final maravilhoso?
    Curiosidade: na parada de sucesso ( vendagens) da Melody Maker magazine, Penny Lane/Strawberry Field esteve no primeiro lugar por três semanas. Quase nunca falam sobre isso. Só na parada que colocou o disco no segundo lugar. Nos Estados Unidos tinha aquela coisa de separarem as musicas . Entao Penny Lane foi primeiro lugar por uma semana. E Strawberry Fields em oitavo, como se fossem dois díscos diferentes. Gente, colocavam uma música dos Beatles competindo com a outra também deles. Que horror.
    Mas, pelo que entendi, e posso ter entendido errado, na Inglaterra também contavam as vendas em separado embora aceitassem ambas as músicas como lado A. E foi por isso que ficaram em segundo lugar. A música Release teria vendido bem menos e mesmo assim aparecia na frente. O single com as duas músicas foi primeiro lugar na Austrália, na Noruega e no Canada. Não sei aqui no Brasil.

    Eu sempre escuto Cramberry Pie. E não Cramberry Sauce. E Pie para parece mais com Paul.



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    1. Você está certa 1. Ficou faltando mais detalhe sobre a participação do Paul
      Você estava certa 2. É Cranberry Pie... vou consertar!

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  6. Quero agradecer pela informação aí das declarações de John sobre suas viagens em sonhos desde criança. Portanto muito antes de tomar qualquer tipo de droga. Nasceu assim. Pois é, informo que sempre tive visões semelhantes também quando criança. E tinha medo de falar porque me classificariam como doida. Já falavam que eu era doida e ficaria pior. Eu via coisas. E tinha sonhos alucinantes. E tinha uma coisa de pensar estar saindo do corpo e viajar pelo céu com diamantes. Aqui estou brincando com o nome da música. Mas eram coisas parecidas. Algumas vezes encontrava com os Beatles principalmente John.
    Triste foi porque vi sobre o assassinato duas vezes sendo que a primeira vez foi seis anos antes. E dois dias antes, ou três, sonhei com o trio Peter Paul and Mary cantando Nowhere man. No meio da musica eles pararam de cantar e sairam com as cabeças abaixadas. Também na noite terrível eu me vi num lugar parecendo rodoviária com os canais de TV ligados mostrando os Beatles. E eu perguntei se tinha acontecido algo com eles? Não me responderam. Fiquei sabendo ao acordar. Na noite seguinte estive com Yoko num nevoeiro. Nunca a aprovei. Mas naquela noite eu me aproximei e perguntei se procurava por John. Ela mexeu com a cabeça dizendo sim. Eu a peguei pela mão e saimos voando baixo...Então eu vi John e chamei por ele, que nos viu. Veio flutuando e nos abraçou. Achamos um banco. Ele sentou entre nós. Fiquei de mãos dadas com ele por longo tempo...até acordar. Muitos anos depois eu vi fotos de sua residencia em Ascot. Era o lugar do sonho. Até o banco estava lá. Não estou dizendo com isso que realmente estive com ele. Pode ter sido uma coincidência. Quem sou eu para ter respostas. Mas fiquei muito emocionada.Agora em 2015 achei um video rodado lá naquela casa onde estão num nevoeiro. Bem como no sonho. Tocam number 9 dream. Uma mulher chama por ele... estã na letra da música. Bem como eu chamei, meio sussurrado.

    Bem estou sabendo agora que ele tinha essa coisa surreal na sua vida desde cedo. E eu tinha. Que tal caveiras descendo do telhado rodeadas por luzes coloridas? Eu via sempre isso até aos cinco anos. Mudei de residencia e as visões pararam. Era acordada mesmo.

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  7. Noothing is Real é uma frase usada muito entre místicos ou algo semelhante. O curso em Milagres sempre diz que este mundo não é real. Uma vez eu vi, não sei explicar como, mas vi que realmente nada aqui é verdadeiro. Eu não diria real, porque é real de alguma forma. Mas não é o mundo de verdade.

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