Esta é a 4ª canção do Lado B do álbum Rubber Soul,
a história do álbum, cenário, assuntos e canções, aqui neste LINK
É uma de 6 canções dos Beatles no tema Sonho em Solidão
as outras 5 canções do mesmo Assunto e Classe, aqui, neste LINK
John sonha: Há lugares dos quais vou me lembrar, por toda a minha vida, embora alguns tenham mudado, alguns para sempre, não para melhor, alguns já nem existem, e outros permanecem. Todos esses lugares tiveram seus momentos'
A letra é John aceitando a sugestão de escrever sobre sua infância. No primeiro esboço que fez, imaginou-se num ônibus que usava em Liverpool e ia descrevendo os lugares por onde passava, o que incluía, inclusive, os hoje famosos Penny Lane e Strawberry Fields. Tinha coisas do tipo “Penny Lane is one I’m missing / Up church and to the clocktower / In the circle of the Abbey, / I have seen some happy hours”. Como?Evidentemente, ele e Paul acharam aquilo de duvidosa qualidade, e então, John eliminou todas as citações municipais e elaborou a coisa mais filosoficamente, o que ficou magistral. E a transformou na canção que ele considerava a melhor de sua carreira até então.
Paul contribui com a harmonia e com a melodia da ponte ("All these places had their moments with lovers and friends, I still can recall"). Ali também na ponte, em “some are dead and some are living” identifica-se perfeitamente a referência a Stuart Sutcliffe, companheiro dos bons e maus momentos, e membro da primeira formação da banda, morto três anos antes devido a um aneurisma em Hamburgo. Num segundo verso, ele conecta o passado ao presente, com seu amor de então, onde comete um deslize gramatical, “and of all these friends and lovers, there is no one compareS with you”, falta um “that” antes do verbo, né, uma licença poética que poderia ser facilmente evitada, e na métrica requerida, com a substituição do “S” ressaltado por um “D”, mas ele quis deixar assim, ele pôde, a música era dele. Depois, vem uma segunda ponte, com letra diferente (“Though I know I’ll never loose affection”), como era a política dos letristas da banda.
Esse trecho é repetido ao final, após um terceiro verso, onde reside o ponto mais alto da canção, não uma letra diferente, mas um sensacional solo de piano de George Martin, inesquecível, barroco, inspirado que foi em Bach, como disse uma vez. Parece um cravo, mas na verdade é um piano eletronicamente acelerado. Martin não conseguia tocar o que ele mesmo compôs na velocidade necessária ao tempo da canção, então tocou-a a 50% da rapidez, e em uma oitava abaixo, de forma que, após a aceleração, o som sairia no tempo e no tom corretos! Sensacional! Ele a gravou na solidão do estúdio, sem a presença dos rapazes, numa manhã, fez os ajustes necessários, e quando eles chegaram, de tarde, perguntou: “Que tal?”, e os quatro, em uníssono: “That’s great!”. E como!!
Com esse gancho, passamos à parte musical. O ritmo é mantido por John em sua guitarra base, Paul no baixo, Ringo na bateria, com um charmoso sincopado nos versos, trocado por notáveis batidas no prato durante as pontes, e George em sua guitarra solo arpejando aquela magnífica introdução, que é repetida duas vezes ao longo da música, e num climático final. Detalhe: foi Paul quem compôs aqueles trechos de guitarra, e não George! Acrescentou-se, somente depois, o sensível vocal de John, inclusive o brilhante falseto do final, depois sua dobra (John cantando por cima dele mesmo) e, finalmente, as harmonias vocais de Paul e George (“...places I remember”, “...’rever not for better” e outros) e o apoio com uuu’s (“... liiife though some have changed”, “...gone and some remain” e outros), o pandeiro de Ringo nas pontes. E, claro, apenas dias depois, o ‘cravo’ dissimulado de George Martin.
In My Life nunca foi tocada ao vivo pelos Beatles e apenas uma vez, surpreendentemente, por George, em sua turnê de 1974, onde ele a dedica a seus velhos companheiros, mas modifica a declaração final pra "In my life, I love GOD more". Por outro lado, ela foi muuuito regravada, e está sempre na lista das melhores dos Beatles e menos vezes na lista das melhores de todos os tempos, a depender do veículo. Dentre os covers, destaco uma ideia que George Martin teve em seu projeto “In My Life”, com regravações de músicas dos Beatles, quando chamou ninguém menos que Sean Connery para declamar a letra (conto sobre o projeto aqui, neste LINK)! Apesar de o projeto ter ido 'ao ar' ainda no século passado, mais recentemente é que ela vem tendo destaque nas redes. A oportunidade serviu para redimir, em parte, uma heresia que James Bond fez em Goldfinger (1964), quando disse algo como: “Para aguentar Beatles, apenas com um tapa-ouvidos!”. Se a brilhante gravação não redimiu o personagem, ao menos serviu ao efeito para o grande ator escocês, que subiu recentemente ao andar mais alto.
Um grande amigo meu e Guru sobre Beatles, ao comentar o presente texto, me disse:
"ADOREI!! Mas tenho um reparo!
In My Life não é uma canção, é um HINO!!"
Pronto, sem reparos agora!
Talvez a melhor letra de música q John fez...
ResponderExcluirImortais em cada música. Linda
ResponderExcluirO texto está perfeito mostrando o que muitos se recusam a aceitar: Os Beatles trabalhavam juntos cada um completando o outro. A música veio de John, mas para que ficasse tão linda como ficou vemos grande participação de Paul inclusive na melodia. Lennon/McCartney realmente existiu. E vemo também que sem George e sem Ringo não seria tão bom. Sem contar ...George Martin, o perfeito produtor que soube entende-los como ninguém. The Beatles era de fato um quarteto não acaso chamado de Fab Four.
ResponderExcluirOtimo! Adoro o solo que George Martin fez pra essa música, captou de maneira ímpar o espírito da música.
ResponderExcluirNão apenas a letra mas também a canção, está entre as tantas melhores, produzido em um conjunto fantástico
ResponderExcluirComo disseram ao G Martin “ thay’s great “
Comentar sem comentar: você destrinchou todos os aspectos da canção, históricos, musicais, técnicos. Você se aprimora a cada comentário!
ResponderExcluirDuas coisas, apenas: essa é a canção preferida do meu sobrinho Ulisses (quarentão), que a cantou e declamou quando foi paraninfo de seus alunos de História. Vamos passando os Beatles de geração em geração...
Outra coisa: a bela versão feita pela Rita Lee. Captou a emoção e a delicadeza dos versos, trazendo-as para nossa cultura.
"In my life, I love them all".
A música é lindíssima e a letra toca qualquer pessoa com um passado envolvendo amigos, paixões e locais especiais. Difícil isso? Claro que não e essa conjunção a faz uma composição universal.
ResponderExcluirLinda a música, realmente. E conhecer o caminho artístico de sua construção, quem fez o quê, sua motivação inicial, suas inspirações faz tudo ainda mais especial. E vai ao encontro daquela máxima de que tudo é 90% trabalho e 10% inspiração. Que ninguém pense que tudo simplesmente apareceu. Não, foi sendo feito
ResponderExcluirBelíssimo trabalho, obrigado por nos trazer essas informações tão importantes.
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