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sexta-feira, 30 de julho de 2021

Nas Voragens do Pecado - de Yvonne Pereira

Poema em Oitavas Heroicas 

Estrofes em 8 versos decassílabos 

com rimas ABABABCC

 

1

Martinho Lutero fez a reforma.

Era contra maus hábitos da Igreja.

Muitos franceses seguiram a norma

E a defendiam de forma sobeja.

Porém, a Igreja não se conforma

E quer suas cabeças na bandeja.

 

Catarina de Médicis concorda

E manda sobre eles sua horda!


 2

Era época de grande desgosto

Matavam e diziam: Ora pois!

Era coisa de se esconder o rosto,

De ser lembrado bom tempo depois.

Um macabro 24 de agosto

Em Mil Quinhentos e Setenta e Dois

 

Na França, onde o massacre aconteceu,

Era a noite de São Bartolomeu...

 

 

3 

Lá no nordeste do país vivia

Uma família de gente do bem.

Eram pautados na filantropia

Faziam o bem sem verem a quem

Eram protestantes no dia a dia.

Eles não faziam mal a ninguém,

 

Porém, sua fé custou-lhes a pele:

Eram os Bréthancourt De La Chapelle.


 4

Eram companheiros da realeza.

Afastou-os das armas a doutrina.

Criaram sua prole com nobreza.

Os pais, Carlos Filipe e Carolina,

Os cinco Felipes e uma lindeza,

A todos se previa linda sina.

Era muito feliz a linda Ruth.

Porém, a crença deles repercute…

 

 5

Denunciam ao Capitão da Fé

Que a família era real perigo.

Em dúvida, ele consultou até

A Rainha, o Monsenhor e o amigo.

Porém decidiu ir contra a maré,

A fé cega carregava consigo.

 

Elaborou ultimato em missiva

Para manter sua família viva.


 

 6

À Família lhes deram as opções

De emigrarem à vizinha Alemanha,

Ou interromperem as pregações.

Porém, não cabia em suas entranhas

Ir contra ao que estava em seus corações,

E resolveram enfrentar a sanha.

 

Por precaução, enviaram a filha

Ao refúgio da quase nora Otília.

 


 7

Entretanto, num domingo normal,

Carlos Felipe fazia o sermão,

Ouviu de Narbonne a ordem fatal.

Uma espada varou-lhe o coração.

E todos tiveram destino igual,

Muito sangue espalhado pelo chão.

 

A fé na Reforma selou a sina

Da família de Ruth Carolina.



 8

A menina não pôde acreditar.

E como suportar tamanha dor?

A ela, Otília veio se juntar,

E propôs-lhe vil pacto opressor;

Que lhe tomasse o nome e o lugar,

E empreendesse um plano vingador.

 

Quando Otília morreu, Ruth assumiu,

E em busca de vingança ela partiu!

 


 9

Suas armas seriam seus encantos,

Cabelos, olhos, modos de princesa.

Da inocência vestiria o manto,

Conquistaria o coração da presa.

Ao passar o capitão sacrossanto,

Espalhou-se toda sua beleza! 

 

Pobre Capitão ficou aturdido,

A rosa foi a flecha do Cupido.



10

E retornou ao quartel transtornado. 

E desistiu de seus votos de pronto. 

Enviou seu emissário fardado

A descobrir quem o deixara tonto.

Cumpriu sua missão como acordado,

Na igreja marcaram um encontro.

 

Ruth Chapelle apresentou-se ali:

Otília, irmã de Arthur de Louvigny.


11

Simulando recato tão gentil, 

Pediu audiência com Catarina. 

Narbonne a levou, em paixão febril. 

Ruth viu lá no alto a adrenalina, 

Quando viu desmascarado o ardil. 

Contou da vingança à carnificina.

 

A Rainha virou sua aliada

E combinou o plano da empreitada! 


12

Ruth que armasse algo escandaloso. 

Seria punida de mentirinha. 

Quando nota que o Capitão garboso  

À primeira sacada se encaminha ,

Deslumbra com seu sorriso formoso, 

E o segue pelas sacadas vizinhas.

 

Como segunda flecha do Cupido,

Arremessa-lhe um laço do vestido.


13

Então, Ruth se recolhe a convento 

E lhe manda uma carta apaixonada.  

A vil Rainha segue em seu intento

Pois ela sempre foi desconfiada,

De ser Narbonne bastardo rebento, 

Que fora pelo marido enganada.

 

A ser deposta pelo Capitão, 

Resolveu se precaver de antemão.

14

O preceptor falhou segunda vez 

Em mudar a ideia do Capitão. 

Ele inclusive teve a lucidez 

De desconfiar de conspiração, 

Que podia não ser ela, talvez, 

Mas ele estava cego de paixão!

 

Narbonne seguiu firme no caminho. 

Deixou o padre falando sozinho. 

 

15
Em breve, o casamento acontecia 
Para o choque de Gregório e Blandina, 
Ela, que era a dama de companhia, 
Ele, servo da mãe Carolina,
Tentaram convencê-la todo dia, 
Para evitar iminente ruína 

 

Porém, Ruth estava determinada, 
Por Otília, do além, aconselhada. 

 

16
Outrora alegre, doce e angelical 
Tornou-se ríspida e intimorata,  
Uma verdadeira expressão do mal.

Preferia a vingança imediata,

A esperar a via da lei moral,

Estava em firme jornada insensata.

 

Gregório resolveu cessar a espera  

Foi ver Frederico na Baviera. 

 

17

E veio o primeiro baile real 

E Narbonne apresentou sua esposa 

Ela despertou encanto geral

E valsou como linda mariposa. 

Mas não enganou um oficial, 

Que a viu com olhos de raposa.

 

Foi negativo para Ruth o saldo, 

Porque reconheceu-a Reginaldo. 

 

18 
Fora ele o augusto portador 
Daquela carta que era ultimato
Que provocaria aquele terror. 
Testemunhara aquele lindo ato
Da bela menina em seu esplendor.
E na festa desvendou o vil fato:

 

Era inegável sua semelhança.  
Era Ruth e desejava vingança. 
 
19 
Revelou a tramoia em confissão 
Ao Monsenhor, preceptor de Luís,
Considerou contar-lhe de antemão,
Agiu como a um clérigo condiz, 
Disse: "Desista da conspiração!
Será melhor que saia do país."

 

Mas para surpresa do Monsenhor,
Ela disse: "Luís tem o meu amor!" 

20 
Só que àquela altura, naquele dia,
Sabia que chegara Frederico
Oferecendo chance de alforria
Rumo a um futuro seguro e rico, 
De amor, compaixão e sabedoria,
Ambiente sacrossanto e pudico.  

 

Ruth aceitou mas pediu que esperasse! 
Já estava em sua mente o desenlace.

 

21 
Enviou carta denúncia à Rainha
Acusando Luís de ser patrono 
De artimanha nada comezinha 
Para garantir seu lugar no trono.
Tirariam espada da bainha
Contra o Rei de direito Carlos IX.

 

Revelaria à Rainha de fato
Os perpetradores do infame ato.

 

22 
E que esperasse visita noturna,
Viria em busca dela o Capitão.
Ruth, em sua maquinação soturna, 
Entregava o algoz de beijada mão.
Catarina que tirasse da urna
A adequada forma de punição.

 

A senha pra consolidar a trama?  
Condessa de Narbonne, a linda dama!

 

23 
De tarde, a bela fera enfrentava
Capitão e Monsenhor e soldado.
Com vil frieza ela dissimulava, 
Mostrando um coração apaixonado.
Reginaldo, feroz, se revoltava,
Propôs a prisão dela, transtornado. 

 

Mas o Capitão caiu na esparrela...  
Não conseguia mais viver sem ela!


24 
Trancou-a em prisão particular. 
Queria tornar Ruth sua escrava

Mas ela sabia como escapar,

No espírito de Otília se inspirava.
Ela disse a Luís que confessar 
Iria tirar do passado a trava.

 

Então, viu a luz no fim do caminho,
Pois o Capitão caiu direitinho...

25 
Então, de roupas simples se vestiu. 
E foram disfarçados à Igreja

Como sempre pérfida, ela assumiu

Uma postura humilde e benfazeja. 
Quando ao confessionário ele partiu,
Ela colocou no bolo a cereja.

 

Deixou uma carta pré-preparada
Dizendo: Ao Palácio fui convocada!


26 
Saindo da cabine, o Capitão
Não encontrou a falsa penitente.

Entrou em modo de consternação

E recebeu a notícia premente, 
E logo partiu, sem hesitação,
Para o Palácio, porém, entrementes,

 

Dirigia-se à Alemanha carruagem
Com Ruth e Frederico na bagagem.


27  

Catarina perguntou: "A que veio?" 
"Condessa de Narbonne vim buscar!" 
À senha, vem sua Guarda, sem freio. 
Luís, em vão, tentou pelejar, 
Mas não adiantou o esperneio.
E o levaram a terrível lugar:

 

Um calabouço úmido e apertado.
Não teria mais ninguém a seu lado.

 

28  

Passaram dias e meses e anos,
Quando, por fim, um guarda lhe falou.   
Luís a ele apresentou seus planos
De liberdade e logo se frustrou.
Entrou em depressão e desengano.
Resignou-se e a morte esperou.

 

Esquecido, sem pompas ou clarins,
O Capitão da Fé chegava ao fim.

 

 29  

Se fosse um conto de fadas normal,
Com a fuga da princesa e seu par,   
E o vilão em desgraça sem igual,
Com prazer, seria de se esperar
Um "Felizes pra sempre" no final.
Porém, vida moral é lapidar.

 

Maus atos são punidos com requinte,
Se não for nesta vida, nas seguintes. 
.

  30  

Quando gente adentrou à sua cela,
Não entendeu o que acontecia,   
E pensou estar livre das querelas.
Ele falava, mas ninguém ouvia. 
Procurando a razão do que sentia,
Pensou em Ruth, foi à casa dela.

 

Então viu, cenas de um triste passado,
Que o deixaram bem mais atordoado.
 

  31  

Com Otília volta e meia presente,
Luís seguia em estado oprimido. 
Ela inda vagava constantemente.
Em lembrança do massacre sofrido.
Seguia em sua missão tão demente
De atazanar o agressor aturdido..

 

Depois de um tempo, encontrou uma luz
Que aliviou um pouco sua cruz.


  32  

Como que um ímã o atraiu,
Ao velho solar da carnificina. 
A opressão de Otília reprimiu.
Emanava de lá sã luz divina.
A família trucidada ele viu,
Ainda pregando sua doutrina.

 

Estampando sorriso angelical.
É sua Família Espiritual.

     

33  

Porém, ao mesmo tempo que feliz,
Por ser acarinhado e recebido 
Por uma família que sempre quis,
Mantinha seu pensamento aturdido
Devido a seus atos cruéis e vis,
Trucidando aqueles entes queridos.

 

E passou muitos anos a vagar
À margem daquele sacro lugar.

 

   34  

Um dia enfim houve por bem entrar.
Ciente estava do arrependimento.
Resolveu permitir se perdoar. 
Era hora de acabar o tormento.
E todos passaram a lhe explicar
O que era aquele novo momento.

 

Ele viu que as crianças trucidadas
Foram seus filhos em vidas passadas.

 

35  

E voltando 12 anos atrás,
Desde o dia em que Ruth se evadiu,
Tinha ela remorso contumaz. 
Sempre imergia em estado febril.
Otília nunca a deixava em paz, 
Postura obsessora assumiu.

 

Inclusive a levava esfuziante.
A visitar Luís agonizante.


  36  

Ruth não conseguiu se perdoar,
De não ter perdoado seu algoz.
Frederico presente a lhe ditar
Boas normas pra desatar os nós,
Ensinou: melhor remédio é orar!
Mas era impossibilidade atroz.

 

Não conseguia aceitar o conselho.
Achava-se indigna do Evangelho.

 

  37 

O espírito de Otília era presente.
E a culpava por Luís ter fugido.
Era isso que sua frágil mente
Acreditava ter acontecido.
Em modo de negação permanente
Pensava que não haviam morrido.

 

Ao final de 12 anos de inferno, 
 
Encontrou no além o calor materno.

38  

Era da mãe Carolina a missão.
De orientar os caminhos da filha.
Rumo a uma nova reencarnação
Porém, só aceitou seguir a trilha.
Ao receber uma carta do irmão:
Carlos representaria a família,

 

Acudindo em sua nova vida,
Seria constante luta renhida.

 

39  

E Narbonne logo retornaria
A outra vida a seguir o caminho.
Otília de Louvigny ficaria
Ainda muito tempo presa ao ninho.
De obsessão e vingança em agonia,
Com sua alma em pleno burburinho.

 

É longo o caminho da redenção 
Na procura da plena expiação.

 

40  

Carlos Felipe, o Conde e a Condessa
Seguem firmes na sagrada missão,
Afastando as influências travessas, 
Orientando com sofreguidão,
Onde quer que a sã luta aconteça,
Encaminhando a regeneração.

 

Persistência, disciplina, paixão, 
Segundo a terceira Revelação.

2 comentários:

  1. Meu Deus, Homero! Tô passada com seu talento! É simplesmente maravilhoso! Além de um resumo perfeito, ainda em versos? Tem que ser muito artista. Abraços, amigo. 👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏

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  2. Muito bem versado... inúmeras rimas ricas como Ruth/repercute, algoz/nós/atroz, igreja/benfazeja/cereja... imagens interessantíssimas como " a bela fera"...muito talento ao recontar uma história!

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