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terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

O dia em que a música morreu

Há 62 anooooosss!!

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Muito provavelmente, o título acima lhe cause alguma curiosidade, não mais que isso. O que será que o autor vai querer dizer com isso?
Talvez, ao traduzi-lo para o inglês, e a coisa virar ‘The Day The Music Died’, você revirará sua memória profunda, se tiver idade suficiente para isso, e lembrar-se-á de uma canção da década de 70.
Se você tiver uma memória acima da média e algum conhecimento musical, lembrará que o trecho é parte de um grande sucesso de um certo Don McLean, chamado ‘American Pie’, e até lembrará um pouco da letra 

"But something touched me deep inside
The day the music died
So bye-bye, Miss American Pie
Drove my chevy to the levee,  But the levee was dry
And the good old boys were drinking whiskey and rye
Singing, this’ll be the day that I die
this’ll be the day that I die"

Ok, ok, você já está de bem com Alzheimer, aliás, bem distante do alemão. E tem conhecimento musical, tudo bem, mas, você realmente sabe o que Don McLean quis dizer com aquela ‘alguma coisa que tocou fundo em meu ser’? Sabe?  Muito bem!!!! Passou no teste, e seu conhecimento musical, e mais ainda da história do rock’n roll, é muito acima da média, quase PHD!! É certo que saber a qual acontecimento Don McLean concedeu a distinção de ser culpado pelo assassinato, ou pela morte súbita, da música, pode ser tachado de cultura inútil, pode não lhe acrescentar muita coisa. Entretanto, se você não tem a menor ideia do que se trata, acho que agora tem, no mínimo, uma ponta de curiosidade por saber, não tem?
Se me permite, eu conto pra você!!!
O tal dia é 3 de fevereiro de 1959: faz, pois, 60 anos que a música morreu, segundo o ‘historiador’ Mclean. Nas primeiras horas daquele dia, um pequeno avião, que partira havia poucos minutos de uma cidade do Estado de Iowa, para outra no Estado de Dakota do Norte, mais precisamente, Fargo (todas localidades americanas), espatifou-se no chão, matando o piloto e seus três passageiros: um certo Ritchie Valens, um certo Buddy Holly e um certo Big Bopper, os dois primeiros cantores de sucesso na época, o último, um DJ bem famoso que também gravou algumas canções. Qual deles, você acharia merecedor da alcunha? Provavelmente, Big Bopper seria obscuro demais, eu mesmo não o conhecia até saber da história do verdadeiro culpado, mas talvez você pudesse apontar o dedo para Ritchie Valens, caso lembrasse que aquele venezuelano era o cantor da eterna ‘La Bamba’. Mas você erraria! A cumplicidade desses dois foi importante, mas o verdadeiro ‘matador’ se chamava Buddy Holly.
Aquele americano nascido em Lubbock, Texas, tinha então meros 22 anos de idade, e havia começado a fazer sucesso pouco mais de um ano antes. Muito prematura sua partida deste plano. Porém, o pouco que deixou foi o suficiente para influenciar muita gente boa pelo mundo do rock. E ele o fazia muito simplistamente. Sua banda, The Crickets, tinha uma composição minimalista: guitarra, que ele mesmo tocava, um contrabaixo daqueles grandes, enormes, e bateria. Ele era também o vocalista e o compositor de todas as músicas. As marcas que deixou foram, porém, maximalistas, se é que existe o termo.
O mundo da música sofreu, mas muita gente boa usou algumas lições do astro que fora embora tão inesperadamente. The Beatles, mais especificamente, John Lennon e Paul McCartney, reconhecem ter baseado um certo número de suas canções no estilo simples, ao mesmo tempo arrojado de Buddy Holly. Simples, pelo número de acordes das canções, três, no máximo quatro acordes eram suficientes para dar o recado; arrojado, pelas variações de ritmo no meio da canção, pela bateria às vezes difícil de ser copiada, pelas harmonias vocais, pelos arranjos em piano e violino (que ele também tocava bem!), pelas letras bem elaboradas, e, finalmente, pelo ‘soluço’ vocal, figura que Buddy usava para ressaltar o centro de sua idéia. O ‘hiccup’ era sua marca registrada, assim como os óculos de aro grosso tipo ‘nerd’, inseparáveis, míope em alto grau que era.
Para se ter uma ideia da influência de Holly, o nome da mais famosa banda de todos os tempos nasceu de uma homenagem à banda dele, The Crickets, ou ‘Os Grilos’. John pensou nisso quando sugeriu The Beetles, ou ‘Os Besouros’, para logo depois trocar o segundo ‘e’ por ‘a’, num jogo vocal, um duplo sentido com o termo ‘beat’, que significa batida. Buddy Holly, entretanto, já estava presente na história beatle, antes mesmo do termo nascer: na primeira vez em que John, Paul, George Harrison entraram em algo parecido com um estúdio, para gravar algo parecido com um disco, o fizeram com ‘That’ll Be The Day’, um dos maiores sucessos de Holly. Era julho de 1958. Eles ainda eram parte dos Quarrymen, que ainda contavam com Colin Hanton na bateria e John Lowe no piano. Era um acetato de baixa qualidade, de 10 polegadas de diâmetro, cujo Lado B tinha uma composição de Paul e George, chamada ‘In Spite Of All The Danger’, a única McCartney/Harrison da história, que, entretanto, nunca viu a luz de uma gravação oficial. Vale o detalhe que George ganhou a co-autoria por causa do solo de guitarra que fez, não teve qualquer participação na composição de letra ou música.
Felizmente, eles registraram sua admiração por Buddy Holly em disco de verdade, com um cover de ‘Words of Love’, uma balada em que puderam mostrar toda a magnífica harmonia vocal com 3 vozes, que eles faziam tão bem, no disco ‘Beatles For Sale', de 1964.
Antes deles, no mesmo ano, os Rolling Stones também prestaram sua homenagem a Buddy, e se deram muito bem: gravaram a ótima ‘Not Fade Away’ em compacto, o que veio a se constituir em enorme sucesso da banda, então iniciando, afinal foi o primeiro disco deles a atingir o número 3 da parada britânica. Ela é cantada (e dançada) por Mick Jagger e seus jurássicos companheiros de ruga’n roll ainda hoje.
O culto a Buddy Holly rendeu produções em Holywood. Primeiro, com um filme sobre sua história, que recebeu alguns Oscars musicais, e uma indicação a melhor ator para Gary Busey, que encarnou o quatro-olhos de forma magistral, parecia estar possuído pelo seu espírito. Depois, o grande Coppola dirigiu Kathleen Turner e Nicolas Cage em ‘Peggy Sue Got Married’, que rendeu a ela outra indicação ao Oscar. ‘Peggy Sue’ fora um grande sucesso de Buddy, e teve até continuação com outra canção ‘Peggy Sue Got Married’, e a história dela foi inspiração para o filme
Mais importante ainda, rendeu um super musical, Buddy – The Buddy Holly Story, que ficou em cartaz por longos 13 anos, direto, no East End (a Broadway de Londres), além de uns outros tantos na Broadway (o East End de New York) e em outras cidades americanas, sempre com lotações esgotadas. Quando eu o assisti, em Londres, lá no balcão super superior, o lugar mais baratinho disponível, achei interessante um cartaz que dizia, aos espectadores do setor, algo como: “Fineza vibrar com comedimento, pois tememos que a estrutura do balcão onde você se encontra não aguente o ritmo dos movimentos que certamente você vai querer realizar. Pular, por favor, jamais!” Logo depois, eu senti na pele o motivo do anúncio. O teatro vinha abaixo. Um sucesso fenomenal.
Contabilizando os royalties daqueles grandes sucessos, estava ninguém menos que Sir Paul McCartney, ele mesmo, que de tanto gostar de Buddy Holly, comprara os direitos sobre suas composições, em 1976. Gostou tanto daquela decisão que sugeriu ao amigo Michael Jackson que fizesse algo do gênero. Michael, ainda lúcido à época, aceitou o conselho do amigo e comprou os direitos sobre as canções de um certo grupo inglês, razoavelmente conhecido ... The Beatles!

12 comentários:

  1. Muito bacana. O que soava como o fim era só o começo de uma sonora mudança comportamental na História do homem. Em tempos bicudos, quando questionamos se continuaremos dirigindo good old chevies, esta lição roqueira é alentadora.

    Abraço

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  2. Você sabia?

    1) O avião caiu devido a uma tempestade de neve

    2) A banda se chamava "The Crickets" porque em suas primeiras gravações usaram um estúdio improvisado na casa de um deles (do Buddy, imagino) e, depois de passar a noite tocando e gravando perceberam que ao final de todas músicas dava pra ouvir o barulho dos grilos que "grilavam" no quintal da casa. Já aumentei o volume do meu cd no final de algumas músicas e comprovei.

    3) A frase "This will be the day that I die", da música do Don McLean é inspirada na famosa "That will be the day"

    4) Não tive o prazer de ver o musical, mas vi o filme

    Abs

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  3. Caro Homero,

    Aquela linda "Vincent" é a minha preferida do Don McLean. Ele deveria ter uns 10 anos em 1959. Do desastre do avião, pensava que só o mala Ritchie Valens "La Bamba" era a vítima conhecida.

    Qual o fator principal p/ o amadurecimento tão rápido dos Beatles do rock básico (1964) para canções mais elaboradas (1967) ? Eis a questão.

    Abraço

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  4. Horerix,

    A última entrevista de Raul Seixas foi no Jô Soares, e pode ser vista no youtube. Nesta entrevista ele fala que para ele o rock morreu em 1959. Eu achei que ele se referia à mudança de estilo do Elvis(1). Será que ele estava se referindo a esse acidente? O que ocorreu em 1959 que foi tão importante para o rock a ponto de Raul ter dito o que disse?
    (1) Lennon dizia que Elvis havia morrido quando ele entrara no exército.

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  5. Grande resgate histórico e excelentes comentários complementares dos que me antecederam.

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  6. Ótima tomada de câmera sobre os anos 50, raiz do rock e - alguns degraus acima do bem e do mal - dos Beatles.
    Quando John descobriu Buddy Holly ele ficou pirado: o cara era míope, usava óculos em público, tocava guitarra e cantava e... compunha suas próprias canções usando os três acordes que ele, John, conhecia. Daí deve ter vindo Crickets - Beetles - Beatles e o "Vamos ao toto do topo!" de Lennon. Muito bom!

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  7. Ah tem o filme contando a história deles. A música La bamba acredito que é a que todos mais lembram. Ótimo texto. Abraço

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  8. Recordar é viver.
    Santa nostalgia, Batman!!!

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  9. Merecida homenagem a Buddy Holy. E agradeço pela informação pois não sabia que o dia que a música morreu comentando na música America Pie era o dia daquele acidente.
    Gostaria de acrescentar uma informação que acho pertinente porque foi falado sobre a escolha do nome dos Beatles. De fato eles estavam querendo um nome de inseto devido aos Grilos de Buddy Holly. E queriam nome com duplo sentido porque Cricket também era o nome do esporte tão popular na Inglaterra. Paul disse que realmente pensaram que Buddy Holly também tinha pensando no jogo de Cricket. Só muito depois ficou sabendo que poucos americanos conehcem este esporte, não é popular por lá.
    Pois é aqui foi dito que a ideia foi de John na escolha do nome Beetles por causa dos Crickets. Eles seriam besouros...A notícia que eu tinha é que era coisa da cabeça de Paul. Claro que a notícia dada aqui é que pode ser a correta.
    Mas por que optaram por besouros? Porque viram o nome Beetles no filme classico The Wild One com Marlon Brando. Pensaram ser o nome do bando dos motoqueiros. Na verdade era o nome que davam às namoradas dos motoqueiros. Foram Siver Beetles por algum tempo.
    E foi então que um deles, penso ter sido John, veio com a ideia de mudar a segunda vogal e para a. Seria interessante por ser uma palavra inexistente. Estavam criando uma palavra que misturava Beat de ritmo como foi dito aqui e também fazia alusão a Beat Generation. John já tinha até aparecido num jornal de Liverpool como um exemplo de um "beatnik' de Liverpool. Ele e Stuart. Poderia também ser Les Beat ao contrário com o artigo em francês. Eles adoravam palavras com mais de um sentido.
    Quando os Beatles visitaram Jack Kerouac em Nova York creio que em 64 ou 65, John informou a Kerouac que se chamavam Beatles devido à Beat Generation cunhada por ele em 1948. Deve ser verdade porque eles se tornaram muitos bem chegados de dois dos maiores poetas Beat daquele tempo além de Kerouac, que foram W. Burroughs e Ginsberg. Paul chegou a se apresentar com Ginsbert no Albert Hall ( posso estar equivocada quanto ao local). Depois escreveu uma música em parceria com outros composistores para o video A Balada dos Esqueletos de Ginsberg.
    Preciso explicar uma coisa. Pode ficar parecendo que estou criticando o texto por estar incompleto, ou algo assim. Não estou de forma alguma. Sei bem que o texto é sobre Buddy Holly. Mas como foi falado na origem do nome Beatles dizendo apenas da influencia dos Crickets de Holly eu me lembrei do restante...Nâo resisti...rs rs rs Mas com certeza Homerix sabe disso e vai ver com muitos outros detalhes. Ele é um expert.

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  10. O filme La Bamba conta a história do Richie Valens e começa e termina com acidente de avião.
    No primeiro acidente, dois aviões se chocam em pleno ar sobre a escola onde ele estudava e os destroços caem no pátio na hora do recreio matando seu melhor amigo. Isso o deixou com um trauma e um medo terrível de aviões.
    O segundo acidente foi o que o matou juntamente com Buddy Holly e Big Bopper. Foi a primeira e única vez (segundo o filme) que ele viajou de avião, com muito medo e a contragosto.
    Eu sabia da história do acidente pelo filme mas não sabia a história do Buddy Holly nem sua influência sobre os Beatles.

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  11. 628.815 (como cresceu, heim?)
    Preciosos registros num ótimo texto.
    Parabéns Homero.
    Abraço
    Ribor.

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  12. Novas informações, nem sempre completas, surgem a cada momento. E algumas "desmentem" as outras. Achei duas novas histórias sobre a origem do nome. A primeira mostra Paul inventando coisas. Eu sempre suspeitei disso. Paul não prima por dizer sempre a verdade, muito pelo contrário. Foi ele quem disse ter visto o filme The Wild One e se inspirado nele para o nome Beetles. Queria um inseto devido aos grilos de Buddy Holly. Nâo sabiam ainda qual inseto. Ao verem o filme optaram por Besouros. Ele conta no Many years from Now que não sabiam que eram besouras.
    Mas ele não tiveram como ver este filme! Foi proibido na Inglaterra! Acharam ser pernicioso para a juventude. Só foi liberado em 1967! Eu até pensei que talvez tivessem visto em Hamburgo. Só que quando foram para Hamburgo já tinham escolhido o nome! Ao que parece Paul descobriu a palavra Beetles no filme muito depois, achou interessante e inventou que se inspirou no filme. Eu estava acreditando porque Paul deu a informação. Mas é preciso lembrar que, no mesmo livro, Paul informa que viviam mentindo para a imprensa e até pegavam aposta quem inventaria a melhor mentira.
    Mentiras que não chegam a ser realmente mentiras visto que não pretendiam prejudicar ninguém. Digamos que criavam fantasias...
    A nova informação veio em duas entrevistas dadas pelo poet Beat qualquer coisa Ellis. Nunca guardo o primeiro nome dele. Pode ser mentira de Ellis. Mas não foi desmentido. E ele foi citado por John algumas vezes e também por Paul. De fato o conheciam. De fato tocaram para ele no Jacaranda enquanto declamava seus poemas. Isso em 1960. Exatamente quando mudaram Beetles para Beatles. Ellis informa ter sido sugestão dele. E sim, ele seria o homem segurando a Flaming Pie. Tinha feito uma torta que pegou fogo...Estariam criando uma palavra que ainda não existia, soava como besoura, mas tinha ali o ritmo embutido, mas a ligação com a Geração Beat, com alguns dos seus ideais.
    Este poeta tem um livro inspirado nos Beatles. Não sei o nome e gostaria de ler. De fato estiveram juntos algumas vezes em Liverpool em 1960. Já falei sobre o poeta em outra postagem de Homerix. Mas não nessa, então acrescento aqui também. Foi quando ele comentou sobre Polythene Pam...Quase certeza que o próprio Homerix falou sobre ele. Ai, ai, ai...eu me confundo muito as vezes sem saber onde vi tal coisa, onde escrevi....Paperback Writer também foi inspirada numa história do poeta. Outro dia vi uma foto dele com os Beatles.

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