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domingo, 10 de janeiro de 2021

Rubber Soul - Um voo mais alto

                                                                   Capítulo 41 

Esta é minha saga  

O Universo das Canções dos Beatles


Todos os Capítulos têm acesso neste LINK 

 Atenção, este é um trabalho em andamento. 
Encontrará aqui 
  1. O cenário do álbum, 
  2. Os assuntos nele tratados, 
  3. E todas 14 canções.
  4. Recepção e Legado

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Com que então, onde estamos na história da música?

Estamos em 6 de agosto de 1965!

O que temos é um grupo de quatro jovens ingleses de 22 a 25 anos de idade, todos cantores e instrumentistas, que acabam de lançar, naquele dia, o seu 5° LP em menos de 30 meses, todos alçados ao topo das paradas, e seu 10° compacto em pouco mais que isso, com apenas um deles, o primeiro, não chegando àquela distinção, e ainda um EP de inéditas que também foi ao topo. Nessas 16 bolachas, grandes ou pequenas, estavam gravadas 80 canções, sendo 56 autorais, dos compositores do grupo, e outras 24 de compositores do Rock’n Roll americano, que invariavelmente ficaram mais arrebatadoras nas vozes e instrumentos daqueles rapazes. 

Nesse curto período, eles se mostraram também bons atores, de dois ótimos filmes longa-metragem de sucesso mundial, inéditos em sua essência. E também viajaram por quatro continentes, mostrando sua arte, aglomerando multidões por onde passaram, em perto de 480 shows em que soltaram sua voz, exibiram sua categoria, emanaram seu carisma. Tudo isso gerando uma febre de interesse, de atenção, de sonhos, de jovens e também de gente não tão jovem assim. 

Como efeito, migrou uma obscena quantidade de dinheiro aos bolsos dos rapazes, e, por conseguinte, igualmente obscena quantidade de impostos para os cofres públicos ingleses, que mordiam avidamente as fortunas (a alíquota chegava a 95% no topo). Tão notável foi aquela quantia, que a Rainha decidiu conceder-lhes o nobre título de MBE – Member of Brittish Empire, em agradecimento, não só pelo numerário mas também pela imagem que os Beatles agregaram ao país! Eles haviam recebido o anúncio do título dois meses antes.

Caso decidissem parar naquele momento, já estariam na história, porém, ainda tinha muita história a fazer, e começaram a fazê-la apenas nove dias depois, quando adentraram ao Shea Stadium em New York, constituindo-se na primeira vez em que uma banda fazia um show em um estádio de esportes (no caso, de baseball), para um público inédito de 56 mil pessoas, em estado de êxtase. Era a abertura da terceira temporada nos EUA e Canadá, com mais 15 shows. No retorno, um período de bonança, seis semanas em casa, mas com uma missão: compor, compor, compor! O objetivo era abastecer, com canções originais, um novo álbum ainda naquele ano. Ringo usou esse tempo pra mimar seu primeiro filho, Zak, que lhe dava Maurreen, a namorada dos tempos de Liverpool com quem se casara.

Então, em 12 de outubro, retornaram aos estúdios de Abbey Road para a primeira de 15 sessões de gravação, até 11 de novembro, em meio às quais deram uma breve interrompida, num glorioso 26 de outubro, para darem uma passadinha logo ali, pertinho, no Palácio de Buckingham, para receberem das mãos da Rainha, trajados em impecáveis smokings, seus merecidos títulos de Membros do Império Britânico, para desespero da conservadora sociedade britânica!

Naqueles sessões de gravação, materializaram-se 15 canções, sendo duas lançadas em compacto, nada menos que Day Tripper e We Can Work It Out, e outras 13 que formariam, juntamente a uma canção engavetada do primeiro semestre, o seu 6° álbum, que seria considerado uma revolução, com letras amadurecidas, novos instrumentos, novas técnicas de gravação, e que viria a se constituir em mais um fenômeno mundial, lançado menos de 4 meses depois do álbum anterior, uma produtividade estupenda!

Em meus 8 aninhos, eu não podia acreditar no que ouvia saindo daquelas faixas em minha vitrola.  Girl, Michelle, In My Life, Norwegian Wood, Nowhere Man, Drive My Car, You Won’t See Me, If I Needed Someone …. e em nível só um pouco menos deslumbrante, Run For Your Life, Think For Yourself, Wait, The Word, I’ Looking Through You, What Goes On…

Aquilo não era um disco! Era um fenômeno!

No inglês há a qualificação ideal:
BREATHROUGH

Seu nome? 

Rubber Soul! 
_________________


Vamos às canções do LP  Rubber Soul

São 14 canções originais dos Beatles.

Detalhes sobre essas canções mais abaixo. 

    1. Drive My Car
    2. Norwegian Wood
    3. You Won´t See Me
    4. Nowhere Man
    5. Think for Yourself (George Harrison)
    6. The Word
    7. Michelle
    8. What Goes On
    9. Girl
    10. I´m Looking Through You
    11. In My Life
    12. Wait
    13. If I Needed Someone (George Harrison)
    14. Run for Your Life

                              As canções sem notação do autor são da dupla Lennon/McCartney!

                              Aqui, John estava 'com a macaca': das 12 da dupla, ele foi o principal idealizador em 7.... e meia (essa metade é por absoluta falta de definição de quem foi o principal compositor de Wait)!! Além disso, veja no nosso já tradicional quadro de Grupos, Assuntos e Classes , que John inaugura dois assuntos: Speech e Story. Além de compor também a outra do Grupo Mind! Paul continuou nos Assuntos Girl e Miss. Já George concentrou sua inspiração na Paquera: suas duas composições são Girl/Flirt

                              Vejam que este álbum é o primeiro que tem três Mind Songs. As demais 11 autorais são do Grupo Heart Songs.

                              Percebam a tabela abaixo. 



                              Mais detalhes sobre a divisão entre Heart & Mind Song, aqui, neste LINK

                              Traduzindo
                              • São 11 canções que falam ao Coração e três à Mente
                              • São 7 canções no Assunto Garotas e 4 no Assunto Saudade
                              • Das 7 Girl Songs, inaugura-se a Classe Sex (aqui inaugurada), e DR, Paquera, e Amor, duas cada
                              • As Miss Songs são das Classes Desespero, Desprezo, Retorno e Tristeza, uma de cada
                              • As Mind Songs são dos Assuntos Eumesmo, Discurso e História, respectivamente nas Classes Sonho, Mundo e Solidão
                              Rubber Soul éportanto, um 

                              78% Heart, 50% Girl, 43% DtR/Flirt/Love Album!

                              Na tabela abaixo, as evidências, nas letras, do porquê da classificação acima!





                              Vamos à análise das canções!

                              A estrutura é sempre
                              1. Número de ordem da canção no álbum
                              2. Nome da canção
                              3. Assunto e Classe da canção (com LINK para outras da mesma Classe)
                              4. Autor da canção

                              LADO A

                               1. Drive My Car   Flirt Girl Song by John Lennon)

                              Paul propõe: 'Baby, você pode dirigir meu carro, sim, eu vou ser uma estrela, você pode dirigir meu carro e talvez eu te ame!'
                              Paul estava com uma melodia promissora e uma péssima letra na cabeça e foi à casa de John para consertarem, juntos, mas nada apareceu, e só dias depois Paul veio com um 'Drive My Car' salvador, associado com um matador 'Beep Beep Yeah' e aí John e ele mataram o resto, desenvolvendo uma letra pra relacionar garoto, garota e carro, e com o requinte, usual, de fazerem três versos com letras diferentes, entremeando com refrões ("Baby, you can drive my car..."). Ali pelo meio, parece que, na verdade, quem fala é a garota, dizendo que ele podia dirigir o carro dela mas ‘I got no car and it's breaking my heart, but I've found a driver and that's a start’, o motorista sendo ele. O ‘You can drive my car’ teria também uma conotação sexual implícita, mas são apenas rumores! Em todo caso, isso tudo é uma salada que poderia ser nomeada como o Melô da Maria Gasolina! Saquei esta agora! E até ficou apropriado porque um Melô abria o LP e um outro fecharia, mas me aguardem, pois o outro é mais sinistro, e será mencionado, claro, na última música!
                              Musicalmente, a canção começa com um riff de duas guitarras, de George e Paul. Como Paul era o responsável pelo baixo, essa entrada foi incorporada à base posteriormente. Nos versos, o que se ouve é a guitarra de George tocando as mesmas notas do baixo de Paul, uma oitava acima, uma sugestão de George aceita pelo poderoso autor. A canção não tem a guitarra de John! E quem faz o solo em ótima guitarra slide, após o segundo refrão, numa sessão verso sem letra, é Paul, portanto, gravado depois, pois não dá pra fazer milagres. E Paul volta de novo no ótimo piano dos refrões. Ringo sempre na bateria, e volta no Cowbell (adoro! ... mas desta vez não conte
                              i quantas vezes)). Finalmente, sim, John aparece, tocando pandeirola. Mas John é importantíssimo no vocal, fazendo a harmonia baixa com Paul, e interessante é que, nos versos, ele varia as notas, com Paul no lead repetindo uma nota só, e nos refrões, é Paul quem varia as notas na melodia, lá no alto, enquanto John mantém uma nota só, no andar de baixo! E, na hora do 'Beep Beep mm Beep Yeah', George se une aos dois em harmonia tripla! Ô banda boa!!
                              Apesar do apelo do 'Beep Beep mm Beep Yeah', que poderia levantar multidões, como sempre levantavam os ‘Yeah Yeah Yeah’s, ela nunca foi tocada ao vivo pelos Beatles, talvez por causa da ausência de John nos instrumentos, associada aos múltiplos instrumentos de Paul! Felizmente, Paul a tocou muito na carreira solo, inclusive uma das vezes, nos minutos mais bem pagos do mercado, no intervalo do Super Bowl 2005 - veja AQUI..

                               2. Norwegian Wood   Sex Girl Song by John Lennon)

                                       This Bird Has Flown

                              John conta: 'Certa vez eu tive uma garota, ou eu deveria dizer, ela me teve. Ela me mostrou seu quarto. Não é boa? A madeira é norueguesa! Ela pediu para que eu ficasse e me sentasse em qualquer lugar, então eu olhei em volta e notei que não havia uma cadeira.!'
                              A insinuação de um relacionamento sexual é evidente. Já o uso do verbo 'ter' já denota um relacionamento diferente. Depois, ela o leva até o quarto, diz pra ele se sentar, mas não havia cadeiras, portanto, a cama era o único local para acomodar-se. Pronto! No dia seguinte, ela já não está mais lá, e vem aí o subtítulo 'This bird has flown', que aliás era o título de trabalho da canção até decidirem-se por Norwegian Wood, a partir do terceiro take. Bird é como os ingleses chamavam as garotas na época. Rumores corriam sobre quem seria a garota em questão. John confirmou  que foi um caso que ele teve  (pobre Cynthia!) e rumores corriam de que seria Maurreen Cleave, renomada jornalista, ou Sonny Freeman, esposa do fotógrafo de quatro capas dos discos dos Beatles até justamente este que estavam gravando, que era um casal que John e Cynthia até viajavam juntos (Sacanagem, John!). Ela gostava de se dizer norueguesa, e tinha decorações em madeira em seu apartamento. Rumore, apenas rumores!

                              A contribuição de Paul na letra é principalmente na ponte (“She asked me to stay and she told me to sit anywhere, so I looked around and I noticed there wasn't a chair”), como já vinha acontecendo em composições anteriores da dupla, pois John não era um bom ‘engenheiro’ de pontes. E é justamente na ponte que o vocal de Paul entra na canção, harmonizando lindamente com John na melodia principal assim já emendamos na parte musical da análise da canção, que é basicamente uma valsa, num compasso 3 por 4, perceba o ta-ta-pum ta-ta-pum ritmado! A percussão da canção é apenas o baixo e uma pandeirola, tocados por Ringo, além de um batuque nas próprias pernas. Tem a guitarra baixo de Paul, George num cha-kun-dun ao violão, além de um violão base de John, que abre a canção com as  notas da melodia, que depois é repetida por George, tocando, não sua guitarra, mas o astro principal daquela canção, uma CÍTARA, que, como seria testemunhado depois, constituir-se-ia num marco da história da música.

                              A presença do instrumento indiano era mais um ‘nunca-antes-na-história’ da carreira dos Beatles. George fora apresentado ao instrumento durante as filmagens de HELP!, depois comprou um exemplar numa loja de Londres, e começou a dedilhar no estranho artefato. O que ele aprendeu autodidaticamente não o fazia um virtuose no instrumento, mas se mostrou suficiente para tocar aquelas linhas, tanto na introdução, como ao longo, aqueles ‘drone sounds’ (que parecem um zangão zunindo), e na finalização da canção, e revolucionar a história. Depois dos Beatles, também os Rolling Stones, e os Yardbirds, e Donovan, e outros tantos abriram os olhos para aquela sonoridade, afinal, se os Beatles faziam, era porque era bom, eles já haviam desenvolvido esse sentimento no mundo da música! Posteriormente, George imergiria naquele mundo, viajou pra a Índia para imiscuir-se naquela cultura, o que mudaria também sua vida. Em Revolver, no ano seguinte, uma de suas 3 contribuições seria com instrumentos indianos, e mais um ano depois, seria a base de sua única composição em Sgt.Peppers, e ainda haveria uma full-indian-song com a distinção de ser lançada num single dos Beatles, ainda que em um Lado B, em 1968. Vejam também que finalizava aquela história de ‘várias canções por sessão de gravação’ com um recorde de 10 canções, na romântica época de Please Please Me, inaugurando-se uma configuração muito mais comum, de ‘várias sessões de gravação por canção’ cujo contador poderia chegar às dezenas de sessões, a partir de 1967. Para Norwegian Wood foram duas sessões em que, inclusive, decidiu-se mudar o tom da canção de um dia para o outro, de Dó Maior para Ré Maior! Nunca foi tocada ao vivo, nem pelos Beatles, muito menos por John, em carreira solo. Foram poucas as vezes em que ele se lembrou da época!

                               

                              3. You Won't See Me  Return Miss Song by Paul McCartney)

                              Paul reclama: 'Apesar de serem poucos os dias, eles são cheios de tristeza. E desde que eu perdi você, eles parecem anos. Sim, eles parecem tão longos, garota, desde que você se foi, e 
                               eu não poderei seguir em frente, se você não me vir mais!'

                              Paul passa seus dias com os olhos marejados, diz que não pode continuar sem ela!!  Neste ponto da análise, tenho que ressaltar uma descoberta que fiz no capítulo das 'I Miss Her' Songs dos Beatles, veja neste LINK Foi neste ano que John passou o bastão para Paul nesse tema, veja o gráfico ao lado. Aqui, é uma crise que ele tinha com sua namorada Jane Asher, que seguia sua carreira de atriz, e estava muito ativa justamente na época do lamento do namorado! E Paul está muito dramático: “I will loose my mind” e “I just can’t go on” se ela não for lá vê-lo. 

                              A estrutura da canção é um quase padrão Beatle verso-verso-ponte-verso-ponte-verso, com letras diferentes nos 3 primeiros, sendo o último deles repetido no quarto. Todos versos longos, com 8 ações cada um (8 verbos)! E naquele verso final, que se repete, e que ressaltei, que está no trecho traduzido aqui em cima, encontra-se uma preciosidade: a letra conta com uma sequência de rimas intrigante, com Paul rimando 'FEW', com 'FILLED' e com 'FEELS' em rimas internas. Melhor desenhar para deixar bem clara a genialidade! 
                               
                              Esta é mais uma canção em que não foi necessária a guitarra rítmica de John,  que mais uma vez ficou na pandeirola. O ritmo é feito pelo piano de Paul, cada vez se destacando mais como o pianista do grupo! Então, mais uma vez, o principal instrumento de Paul o baixo, é adicionado depois, em overdubs. George fica puxando as cordas de sua guitarra, ao ritmo necessário. E Ringo bem presente, com destacadas viradas de sua bateria! O ponto alto da canção é a harmonização vocal, de John e George com uma deliciosa série de Uh-La-La-La's em falseto,  e também no apoio das pontes, após os quais eles acrescem especiais respostas “No, I woudn’t, no I wouldn’t” encaminhando o verso que vem a seguir. E destaco também um som que me intrigou desde menino, uma nota que aparece constante, ao longo do quarto verso até quase o finalzinho, e só quando li Mark Lewisohn, já casado e com filhos, é que descobri tratar-se de um LA, que é o tom da gravação, tocado num órgão Hammond,  e é interessante que ele não é tocado por nenhum Beatle, mas sim, por Mal Evans, o gigante gentil roadie / assistente / guarda-costas, pau pra toda obra! Num charme adicional, a nota LA é tocada simultaneamente aos Uh-LA-LA-LA's finais. Charmoso! 
                              Pra finalizar, You Won't See Me é mais uma canção que Won't See the limelight, nunca foi tocada ao vivo pelos Beatles. Felizmente, Paul, seu autor, se lembrou dela e a tocou em recentes excursões, 50 anos depois de sua composição e lançamento!

                              4. Nowhere Man  (Alone Story Song by John Lennon)       

                              John conta: 'Ele é realmente o homem de nenhures, sentado em sua terra de nenhures,  fazendo todos os seus planos de nenhures para ninguém. Não tem um ponto de vista, não sabe aonde vai, ele não é um pouco como eu e você?(desculpem a estranha palavra, mas é a melhor expressão para “nowhere”, assim como ninguém é a tradução de “nobody”)
                              Se alguém tivesse alguma dúvida se esta era uma canção sobre solidão, bastaria esta tradução da primeira frase para assim concluir. E a coisa continua, pois essa pessoa não tem qualquer opinião, não sabe para onde vai, e aí vem a questão que leva para o estado da mente de John, seu criador: 
                               
                                       'Isn't he a bit like you or me?'

                              Em verdade, o 'nowhere man' é John, sentindo-se só. Ele já pedira socorro, no mesmo ano, em HELP!, e já vinha se achando um perdedor, desde 1964  (I'm A Loser, de "Beales For Sale", se bem que, nesta, era mais uma desilusão amorosa). Aqui, ele confirma essa tendência de autocomiseração, mesmo com seu alter ego retrucando. 'Ô cara, me ouve, você não sabe o que está perdendo, o mundo está a seus pés!', tentando trazer ele mesmo de volta ao chão, afinal, ele e seus companheiros estão no topo do mundo, alguém tinha dúvida disso? John disse em entrevista que era uma canção sobre ele mesmo, feita após uma noite insone com a preocupação de produzir algo de valor, o que ele só conseguiu com a luz do sol. E, cá entre nós, que imenso valor, hein?!! Que música linda!! Era a primeira canção Beatle que não fazia qualquer referência a relacionamentos. Mesmo em HELP! e a A Hard Day’s Night, outras Self Songs de John, havia alguém, um ‘you’ do outro sexo, “I need YOU like I’ve never done before” e “…feeling YOU holding me tight, tight, yeah”, respectivamente. Era tipo uma página virada, uma semente do que John viria a se tornar, um analista da mente, um mensageiro para o mundo, a partir dali, ele teria um ‘ponto de vista’, como ele acusava o ‘nowhere man’ de não ter, ele encorajava seu outro eu e, por que não, todas as outras pessoas, a saírem de uma vida sem objetivo!

                              Paul confirmou ser canção de John, tipo 99%, e se ele fez alguma coisa foi na finalização do primeiro verso, em:
                              John – “Making all his nowhere plans...” 
                               Paul– “...for nobody         
                              A gravação tomou dois dias, sendo todo o esforço do primeiro jogado fora e, no segundo, foram nove horas ininterruptas de dedicação, esqueça-se do tempo em que, nesse mesmo período, eles gravavam 10 canções (Please Please Me). A base (lembre-se do novo estilo de gravação) tinha John ao violão, Paul no baixo e Ringo na bateria, então além de ser ‘voiceless’ era também ‘Georgeless’. Nosso guitarrista solo acrescenta sua guitarra em overdubs posteriores e, na sessão solo, que não era ‘solo’, ele vinha juntamente com John, os dois em uníssono, e em guitarras idênticas, inclusive na cor.

                              O ponto alto, eu diria melhor, ponto altíssimo, da canção é o vocal! A canção abre numa harmonia vocal tripla, John-Paul-George cada um numa voz, a capella, sem qualquer instrumento, que entra apenas na última frase do primeiro verso. Se tiverem um ouvido apurado, perceberão uma pequeníssima mudança no tom quando a banda entra. É compreensível, afinal, imaginem, um olha pro outro, e alguém, provavelmente John, faz aquele movimento silencioso com a cabeça (1-2-3-vai!), e os três entram, cada um em sua voz: “He's a real nowhere man, sitting in his nowhere land”. A harmonia tripla segue no verso seguinte, e também no terceiro, após a ponte, ambos com letras diferentes do primeiro (lembre-se da política de não repetição), e aí vem a primeira ponte. Aqui, John faz a melodia (“Nowhere man, please listen, you don't know what you're missing”) em voz dobrada, e Paul e George o acompanham com no “Uh-la-la-la” delicioso. Depois, segue mais um verso (claro, de volta a harmonia tripla) repetindo o segundo, e mais uma ponte, com letra diferente da primeira (ai, quanta qualidade!), e a canção fecha com o quinto verso, concluindo com o mesmo anúncio do primeiro verso, e com direito a uma finalização repetida, duas vezes) da última frase, aquela do 1% de Paul que, inclusive, vai num agudo brilhante, na derradeira declamação. Lindo de-mais!

                              Desta vez, e surpreendentemente, eles decidiram cantá-la nas três  turnês seguintes ao lançamento (UK, World, US), e que seriam as últimas da carreira. Decerto, performances, que certamente eram as melhores possíveis, dadas as condições, que devem ter contribuído para a decisão de pararem com aquilo tudo. Eles não se ouviam, com a tremenda histeria que as fãs provocavam, como é que poderiam desempenhar da forma que eles queriam? Vejam neste LINK, uma apresentação ao vivo da canção, notem a contagem de John, Ringo em seu tablado acima, George e Paul dividindo o microfone, e notem que é uma versão reduzida: eles não cantam o terceiro verso, nem a segunda ponte. 

                              A canção também fez parte, três anos depois de seu lançamento, do filme Yellow Submarine, com direito a um personagem da animação inspirada na letra! Recomendo a cena, sen-sa-cio-nal, aqui, neste LINK.

                               


                              5. Think for Yourself  (Disdain Miss Song by George Harrison)       

                              George desdenha: 'Faça o que você precisa fazer e vá onde você precisar ir. Pense por você mesmo, pois eu não quero ficar la com você. Embora sua mente seja opaca, tente pensar mais do que em apenas sua própria causa'
                              George Harrison finalmente se consolida como a terceira força compositora dos Beatles, com duas contribuições no 6°disco da banda, repetindo o feito de HELP!, apenas quatro meses antes. E sendo assim atesta uma melhora sensível em seu desempenho, porque vivia dizendo que era muito preguiçoso e que levava meses pra concluir uma canção. E suas canções já eram conhecidas como Harrisongs! E abre sua participação com uma pérola, tanto em letra como em música. Aqui ele descasca duramente com uma ex-namorada, que não se pode identificar com ninguém em especial, muito menos com Pattie Boyd, com quem ele estava in love, e com quem se casaria meses depois. Em uma entrevista bem posterior, ele disfarça, e diz que era uma mensagem política, e que a entidade vítima de suas declarações seria o próprio governo. Eu acho que não! Tem certas coisas que não se fala para uma entidade, tipo, ‘fique com sua mente ruinosa’, ‘acabe-se em seu egoísmo’, e até o nome da canção ‘pense por você mesmo’, enfim, era uma garota que o havia magoado profundamente e pronto! Ampliando um pouco o conceito, George dava uma mensagem a todas as pessoas, para que pensem menos em si mesmas e mais nos outros, uma espécie de começo de sua revolução espiritual.  Seguindo a política de seus parceiros maiorais, George não repete letra nos 3 versos da canção, usa rimas ricas, como "do"  com  "to" com "you""behind" com "mind""see" com "misery""sake" com "opaque", inclusive este último adjetivo seria difícil encontrar em outras canções da época, de qualquer gênero, assim como o verbo "rectify".
                              Com que então, falamos em acordes e entramos sem querer na parte musical. A base da canção, além de ‘voiceless’ como era a regra daquele ano em diante, foi também ‘Johnless’, tinha apenas George no ritmo, Paul no baixo e Ringo na bateria, John chegou apenas nos overdubs, no órgão, esmurrando os acordes oito vezes a cada passagem! Gosto muito da sincopada de Ringo no segundo refrão, que infelizmente ele se esquece de fazer nos demais. Sua percussão é enriquecida com pandeirolas nos versos e maracas dobradas nos refrões. E, ponto altíssimo nos overdubs, Paul repete, basicamente, sua linha de baixo, porém usando uma caixa de ‘fuzz’, alterando o som de seu instrumento de forma marcante, conferindo-lhe um ar eletrônico. Ele começa logo na introdução ameaçadora e segue perfeitamente ao longo de toda a canção, notável, constituindo-se na primeira vez que utilizavam esse recurso, que foi copiado, claro, por muitas outras bandas posteriormente, como soía acontecer com tudo o que eles inventavam. Paul e John completam harmonia tripla nas segundas frases dos versos, e apenas Paul acompanha George no refrão em suas segunda e terceira ações, após o “Do what you want to do” solo do compositor, com a costumeira qualidade vocal Beatles, incomparável! Ao vivo? Nunca foi tocada! Felizmente, a outra Harrisong de Rubber Soul teve sua oportunidade de brilhar nos palcos, e se constituir na ÚNICA canção do Quiet Beatle a encantar as plateias!

                              6. The Word  (World Speech Song by John Lennon) 

                              John conclama: "Diga a PALAVRA e você será livre! Diga a PALAVRA e seja como eu! Diga a PALAVRA que eu estou pensando! você ouviu? A PALAVRA  é AMOR!"    
                              Primeira incursão de John sobre a importância de se cultivar o amor entre as pessoas como a salvação para o planeta. Mais que ser a primeira de John, e dos Beatles, era a primeira vez naquela década Ele teve a ideia inicial, depois Paul ajudou em algumas frases e rimas. John, Paul e George cantam em perfeita harmonia tripla o verso (*) "Say the Word...", que depois varia para "Spread the Word...", (ah, mas é só um verbo, sim, é, mas com significado exponencialmente aumentado!). Mas deixa estar, que eles variam ainda mais o verso, coisa rara na música ("Give the word a chance to say, That the word is just the way...").  John canta, só ele, as pontes (*), que são três, também com letras distintas, um espanto, a primeira mostrando sua evolução íntima até a descoberta ("...the Word is good!"), a segunda da consolidação ("Everywhere I go I hear it said!", e na final, prometendo a disseminação ("I'm here to show everybody the light")... o que ele continuou dois anos depois para a conclusão de que o amor é tudo o que se precisa, ou a histórica declaração "All you need is love" e confirmando para sempre seu nome na história com o hino Imagine, mais quatro anos depois. Marcante!! John fundamental!! Ah, sim esqueci-me de comentar: é uma profusão de rimas ricas, "word" com "heard", "of" com "love", "good" com "understood" e por aí, vai, chega, é muita qualidade"!
                              (*) na primeira vez em que descrevi a letra desta canção, como parte do Capítulo 14, que fala sobre as 5 World Speech Songs, eu confundi tudo: chamei ‘verso’ de ‘refrão’ e ‘ponte’ de ‘verso’. Agora, mais sabido que estou, corrijo, humildemente. E não vou alterar o original, pra manter a dignidade do trabalho!
                              Perdeu a conta de quantos versos e pontes tem a canção? Então não pare, porque tem mais, que vamos perceber agora, quando adentraremos à parte musical! Aqui mais uma vez, Paul deixa sua linha de baixo para ser incluída posteriormente, em overdubs, pois na base rítmica, aquela ainda sem vocais, ele toca piano. E ela conta com George na guitarra solo (que se ouve muito bem nas pontes), e tem John nos cortes de guitarra (que se ouvem bem nos versos), e Ringo na bateria (que se ouve bem na canção toda, com viradas, tantas, que ele até se cansa e esquece de fazer em todos os momentos).
                              Além do baixo de Paul, importante maracas de Ringo são acrescidas depois, e, marcante na sonoridade, um harmonium, na verdade um teclado com som de acordeão, 
                              Hammond organ
                              numa quarta ponte (não perca a conta!), que vem sem letra, apenas instrumental, tocado por George Martin (praticamente uma nota só), que é repetido numa quinta ponte, parcial, num final em fade out. O bom dessas pontes sem vozes é que se percebe melhor a guitarra solo de George! Nos vocais, temos as já tradicionais e perfeitas harmonias triplas, de John/Paul/George, em todos os versos, sendo que a partir do quarto verso, Paul acrescenta um falsetto incrível! Mas como assim, 'a partir do quarto', quer dizer que tem mais? Sim, tem um quinto verso, que embora não se possa dizer que é letra 'nova' pois se repetem as palavras de outros versos, inova na estrutura, repetindo "Say the Word, Love", cinco vezes, sendo a última com sílabas estendidas. Acabou a conta: 5 versos, 5 pontes! É demais!  
                              A cada obra-prima que surge, conformo-me menos com eles terem parado de fazer shows ao vivo. The Word, e tantas outras, nunca viram a luz do sol, em qualquer apresentação ao vivo... Rubber Soul é uma coletânea delas, mas teve apenas duas subindo aos palcos. Felizmente, Paul fez uma merecida homenagem, cantando-a inteira em sua turnê de 2011, que deixo aqui, neste LINK, para vosso deleite! 
                              It' so fine, it's sunshine, it's the Word .... LOVE
                              EM ANDAMENTO  

                              7. Michelle  Love Girl Song by Paul McCartney)    

                              Paul se desmancha: 'Michelle, minha linda. São palavras que ficam muito bem juntas, muito bem juntas. Te amo, Te amo, Te amo. É o que eu quero dizer'
                              Paul tinha a linha melódica da canção desde antes dos Beatles, sempre a considerou com uma levada à ‘francesa’, com razão. Chegou a hora de povoar o novo disco de canções para o Natal de 1965, e foi John quem disse: “Paul, pega aquela melodia ‘francesa’ e trabalha nela!” Brilhante lembrança! Por ser uma melodia ‘francesa’, ele achava que tinha que ter uma ‘francesa’ no nome, mas o francês era pífio, e ele recorreu a uma ‘francesa’, entre aspas, pois na verdade era uma professora de francês, que tinha uma particularidade histórica. Seu nome era Jan Vaughan, pois era casada com  ninguém menos que Ivan Vaughan, que APENAS, apresentou John Lennon a Paul McCartney em 6 de julho de 1957, amigo comum que era dos dois, não precisava fazer mais nada nessa vida, não é mesmo? Enfim, Paul se lembrou dela e a chamou ao telefone e perguntou sobre a conjunção de um nome e uma palavra, ambos de duas sílabas "which could go together well". Ela demorou poucos segundos e disse: "Easy! Michelle, ma belle". Histórico, não? Depois, ele trabalhou na letra, resolveu manter na letra a pergunta que fizera a ela e, em uma segunda chamada, perguntou: "Please translate this to me: These are words that go together well" e ela: "Sont des mots qui vont très bien ensemble", que Paul percebeu caber per-fei-ta-men-te na métrica! Parfait, non? Depois, ela ensinou direitinho a pronúncia a Paul, e alguns meses depois, Mrs. Vaughan recebeu em sua casa um polpudo cheque, afinal ela era simplesmente a co-autora de uma das mais belas composições originais Lennon/McCartney. Não sei de outra mulher que tenha tido essa distinção. Homem, eu sei que teve, mas voltaremos a falar disso daqui a três anos, digo, aqui na ordem dos discos, quando falarmos de Obladi Oblada, com uma história sensacional!!
                              Bem, Paul tinha apenas a melodia, o nome e os versos da canção prontos, e chamou seu parceiro para fornecer as pontes, invertendo os papéis, pois normalmente é Paul quem socorre John nas pontes nas canções. John veio com "I love you, I love you, I love you, that's all I want to say, until I find a way, I will say the only words I know that you'll understand"! Note a linha de uma nota só (de "say" até "you’ll") mudando de acorde duas vezes no pequeno trecho, característica das composições de John, é só notar em HELP! When I was younger so much than ... e em Girl "She's the kind of girl who puts you down when friends are there, you feel a ...", por exemplo. Nas outras pontes, Paul inovou, trocando "love" por "need" na segunda e depois por "want" na terceira, e provendo os complementos necessários. Brilhante, como sempre!
                              E agora, vamos à gravação! Que melodia linda!! A base é apenas Paul no violão com Ringo na bateria, tudo o mais é agregado posteriormente, em overdubs. E Paul usa o capo, para ajustar o tom da canção, artefato pouco usado antes de Rubber Soul.  O baixo de Paul vem gravado depois e ele usa o capo também no baixo, coisa absolutamente incomum, e aparentemente desnecessária num baixo, não é mesmo? O violão de John e a guitarra solo de George, também vem em overdubs. Aqui nesta canção, George é um mero instrumentista orientado. Explico: o magnífico solo que aparece no quarto verso, quando Paul entoa um comprido "I love yooooou" foi composto pelo outro George, de sobrenome Martin, o Maestro (com M Maiúsculo), que dobrou as notas também ao piano, mas quase não aparece na gravação final. E o mesmo solo se repete no final, inteiro, e mais um pouco, em fade out. Note uma desaceleração nesse final, charmosíssima, ideia de Paul! E Martin marca outro golaço em Michele! Notaram as harmonias "Uuuuuuu" que John e George acrescentam em toda a canção, com exceção dos ápices das pontes? Agora, imaginem a cena: o Maestro chama John e George num canto e diz: “Tenho umas sugestões, John, você poderia cantar "Uuuuuuu" assim, assim, assim e George, você canta "Uuuuuuu" assado, assado, assado, acompanhando Paul no vocal principal, que tal?" E os grandes John e George obedecem e executam perfeitamente as ordens do Maestro! Gênio, não? Agora ouça de novo e admire as obras de George Martin em Michelle!!
                              Vocês têm alguma dúvida de que se Michelle fosse lançada em compacto, com qualquer canção no Lado B, ela teria alcançado o topo das paradas em qualquer lugar do mundo? Eu, não! Foi decisão deles não fazê-lo, para concentrarem esforços no Double A Side single Day Tripper com We Can Work It Out, que não sairiam em Rubber Soul, e que chegou realmente ao topo. Acharam que a balada Michelle não representava o momento da banda. Com um pouco de razão. Mas é certo que um segundo single poderia ser lançado! A 
                              canção era tão popular nas rádios que a Capitol, por exemplo, colocou na capa de cada LP do mercado americano, o selo da foto. Decerto, contribuiu muito para a venda de 6 milhões de cópias de Rubber Soul! Para completar a festa, Michelle foi a primeira (E ÚNICA!!) canção dos Beatles a ganhar o Grammy de Song Of The Year!
                              Como outras 11 canções de Rubber Soul, Michelle não foi aos palcos com os Beatles, mas foi salva por Paul, para gáudio nosso, inúmeras vezes, sendo, em minha opinião, a mais notável delas, na Casa Branca, em 2010, quando tocou Michelle, olhando para Michelle, a Obama, sob os olhares encantados de Barack. Veja essa pérola, neste LINK, e note que o solo é tocado em um francesíssimo acordeón!! Falei sobre esse show em um post de meu blog, neste LINK, para quem tiver curiosidade, com direito a discurso de Obama sobre Paul! 
                               
                               


                              Une belle chanson!!!

                               EM ANDAMENTO  

                               LADO B

                              8. What Goes On   Sadness Miss Song by John and  Paul and Ringo)
                              Ringo reclama: 'No outro dia eu te vi enquanto eu andava pela estrada, mas quando a vi com ele eu pude sentir o que me esperava. É tão fácil para uma garota como você mentir, me diga porquê!"
                              Decerto notaram na autoria da canção a mudança do padrão em relação às anteriores. Eu coloquei até agora, naquela posição, apenas UM nome E sobrenome, do principal compositor, de quem teve a ideia da canção. Então, a manter o padrão, eu deveria ter colocado John Lennon, aliás, quando fiz a contagem, lá no começo do capítulo, da divisão das Lennon /McCartney, a canção entra na conta dele. Só que aqui imiscuiu-se ali, além dos grandes Lennon e McCartney, um certo Starkey, ou, traduzindo, além de John e Paul, um certo Ringo! Sim, nosso querido Ringo, o baterista mais amado do planeta! Era a primeira, e quase única, vez que isso acontecia, e só isso bastaria para dar a relevância à canção. Mas claro que há mais motivos, e vamos à história toda!
                              A melodia e o refrão  (“What goes on in your heart ? What goes on in your mind?...  You are tearing me apart, when you treat me so unkind…”) já estavam na cabeça de John desde a época dos Quarrymen, com outros complementos, mas nunca foi tocada à época. Depois, em seguimento ao primeiro estouro dos Beatles, John apresentou-a a George Martin, ainda do mesmo jeito, como candidata ao terceiro compacto, mas ela foi posta de lado, juntamente com One After 909, em favor de From Me To You e Thank You Girl. Dois anos depois, chegou a hora dela, com a necessidade de se completar o segundo álbum de 1965. Então, John chamou Paul à sua residência de Weybridge, e trabalharam nos versos, mas quando perceberem que seria uma ótima canção para a voz de Ringo no disco, e que combinava com seu olhar triste, o cara ‘sad and lonely’ da última canção que cantara em HELP!, chamaram-no para completar a letra, e ele contribuiu com ‘5 palavras’, segundo sua própria declaração, mas sem definir aonde elas aconteceram. Eu, como fã dele, prefiro conceber a seguinte sequência de fatos: a letra versa sobre um bom sujeito abandonado pela garota e externando sua tristeza com o comportamento dela, e John vem no primeiro verso com
                              The other day I saw you as I walked along the road
                              But when I saw him with you, I could feel my future fold
                              It's so easy for a girl like you to lie, tell me why
                              E vem o segundo verso, e é Paul quem diz:
                              I met you in the morning waiting for the tides of time
                              But now the tide is turning, I can see that I was blind
                              It's so easy for a girl like you to lie, tell me why
                              Mas faltava o complemento, a pedra de toque, a cereja do bolo, e chega Ringo com:
                              I used to think of no one else, but you were just the same
                              You didn't even think of me as someone with a name
                              Did you mean to break my heart and watch me die? Tell me why
                              ... que eu acho simplesmente genial, com ela o considerando uma coisa, sem nome, e ainda com o desespero de que vai morrer com a decepção, então o atribuo a meu ídolo de infância!
                              Justo, né?
                              Caramba, de repente aconteceu a primeira vez em que transcrevo a letra toda de uma canção, justamente na que é menos considerada em todo álbum Rubber Soul, e que entra na lista de muita gente entendida como das mais fracas dos Beatles. Não na minha!
                              E vamos à gravação, em verdade, sem muitos segredos ou firulas, ou participações geniais deste ou daquele membro da banda ou do Maestro George Martin! Notável é que, depois de algum tempo, em que um ou outro membro não participava da base, em What Goes On todos participam, em seus instrumentos tradicionais, John na guitarra base, Paul no baixo, George na guitarra solo e Ringo na bateria, ‘plain vanila’. Note o vigor com que Ringo bate sua caixa (snare drum) no último verso, dando o clima de final de show! O vocal de Ringo, muito bom, é acrescentado depois, porém sem dobrá-lo. A técnica não havia dado muito certo em Act Naturally no último álbum. O solo de George, que vem junto com a terceira vez do refrão, está longe de ser brilhante, aliás, é até um pouco confuso, temos que admitir, parece que se perde pelo caminho, que felizmente é mantido pelo baixo de Paul e a guitarra de John, aliás, em stacatto o tempo todo! Ótimas, como sempre, as harmonias de John e Paul, cantando junto a letra nos refrões e acompanhando com uuuu’s nos versos!
                              A canção abre, como viram, o Lado B de Rubber Soul, assim como Act Naturally abria o Lado B de HELP!, o que, de per si, era uma distinção aistao vocal, que os companheiros faziam com prazer! Nos EUA, ela foi esquecida do Rubbel Soul americano, mas apareceu como Lado B de Nowhere Man. Interessante que as primeiras prensagens apareciam com o crédito sem o nome Starkey, acostumados que todos estavam com o mais que célebre Lennon /McCartney. Somente depois é que apareceu a distinção da imagem ao lado. 
                              Assim como outras 11 faixas de Rubber Soul, os Beatles optaram por não fazê-la ao vivo, deixando Ringo cantando apenas Act Naturally na turnê subsequente. Ringo, felizmente, didn’t break its heart and watch it die, tocando-a inúmeras vezes com sua All Star Band, uma das quais deixo aqui neste LINK, pra vocês se admirarem como uma canção tão boa é tão desvalorizada. Ah, e note que o solo do guitarrista é bem melhor que o de George!

                              9. Girl   (Love Girl Song by John Lennon)
                              John declara: 'Há alguém que vai ouvir minha história sobre a garota que veio para ficar? Ela é o tipo da garota que você deseja tanto, que chega a se lamentar,  mas você não se arrepende um único momento. Ah, garota! siiiffff Garota! Garota! 

                              Antes de tudo, devo declarar que Girl é a minha favorita em Rubber Soul. Motivos? Letra densa (e tensa), música rica, instrumentação arrojada, vocais inovadores, e uma versão brasileira inesquecível. É pouco não, né? Cinco fatores vão gerar cinco parágrafos!

                              (1) Balada 80% de John, com sua ideia da garota dos sonhos, com Paul complementando seus 20% com sugestões de palavras e rimas para completar o desenho da mulher ideal.  John expressava o seu desejo de ter uma parceira independente, uma contraparte intelectual, e que de preferência não gostasse de Beatles. Não, isso não estava na letra, mas numa declaração posterior. Na canção, ele exagera nas tintas, expressando em três versos e uma ponte, quatro visões diferentes do relacionamento, entremeadas pelo refrão sobre essa mulher de sonho, ou seria pesadelo? Senão vejamos: no primeiro verso, ele declara seu amor tão profundo, que mesmo sofrendo, ele não se arrepende um só momento. No segundo, ele conta como tenta pular fora, mas ela o convence a ficar, prometendo mundos e fundos, e ele acredita. Na ponte, que vem a seguir, ele diz que ela o maltrata perante os amigos, e despreza seus elogios. E no verso final (em letra, porque ainda tem um quinto, só instrumental), ele diz que aceita tudo isso porque só a dor leva ao prazer... Letra densa? Check!  

                              (2) Meio masoquista, não? Gosta de sofrer, o rapaz... Interessante que parece que a concepção da canção iniciou uma gestação, porque ele encontraria seu par ideal 9 meses depois, justamente em um 9 do 9, numa galeria de arte, mas decerto Yoko não o tratou tão mal assim, como preconizava a letra... ou tratou? John disse que a canção Woman, de 1980, lançada apenas alguns dias antes de morrer, era uma sequência adulta da adolescente Girl. Ah, não perderam a conta, né?  Quatro versos, sendo um instrumental, mais uma ponte e mais cinco refrões. Música rica? Check!

                              (3) Girl foi gravada na última de 15 sessões de gravação dedicadas a Rubber Soul e ao compacto que seria lançado num mesmo 3 de dezembro, três semanas depois daquela sessão, que durou 13 horas, de 6 da noite até 7 da manhã seguinte, onde também foram terminadas outras duas canções. A base, sem vocais, tinha John num violão com o capo lá em cima no braço, dando um som bem agudo, similar a um mandolim, e Paul no baixo, e Ringo só na escovinha sobre a caixa da bateria (brushes on snare drum). Nos overdubs, George entra não com um, mas dois (!) violões que podem ser ouvidos em destaque, um deles no terceiro verso, e os dois juntos no último verso, instrumental e, ali também, um marcante prato de Ringo, batido num tempo, e abafado com a mão no tempo seguinte, contribuindo para o climão pesado, verdadeiro clímax de uma letra densa e um vocal dramático. Instrumentação arrojada? Check!


                              (4) O fantástico vocal de John foi considerado seu melhor desempenho até então, na carreira, não somente pela voz, chorosa, refletindo seu estado de espírito, mas por sensacionais e inesquecíveis inspirações perfeitamente audíveis,  em meio aos refrões,  ampliadas que foram pelos recursos do estúdio. Para garantir qualidade e respiração suficientes, aqueles movimentos nasais vieram também em overdubs. Naqueles Ah Girl, e Girl-Girl dos refrões, cinco vezes na canção, entram Paul e George harmonizando em perfeição. Na ponte ("She's the kind of girl who puts you down when friends are there…"), seus companheiros aparecem, não com tradicionais apoios vocais, como os Uuuus de Michele ou os U-lalalalas de You Won’t See Me, mas com sensacionais e também inesquecíveis tit tit tit tit. Ouça bem, e chore nesse momento altamente emblemático. Vocais inovadores? Check!

                              (5) No Brasil, as canções dos Beatles chegavam antes deles, cantadas por brasileiros, em versões em português, na maior parte com letras absolutamente distintas das originais. Fora assim com I Should Have Known Better (Menina Linda), e You Won’t See Me (Até o Fim), mas em outras até que guardavam alguma relação (pouca) com a original, como All My Loving (Feche os Olhos), essas três de Renato (Blue Caps) Barros, e outras, mas em destaque aqui, Girl (Meu Bem) que falava em história, em sofrer sem reclamar, em prazer, só que era sobre uma garota que se foi, composta e interpretada por Ronnie Von, o Príncipe, que fez muuuito sucesso, com aquela franja lisa caída sobre a metade do rosto. Fia questão de mostrar a foto como o víamos na época, pela TV, em preto e branco! Versão inesquecível!! Check!

                              Girl nunca foi tocada ao vivo, decisão certamente motivada pela complexidade nos instrumentos e inspirações, nem recebeu o destaque de um single, mas a garota tem um lugar especial no meu coração!

                              10. I´m Looking Through You  (DtR Girl Song by Paul McCartney)
                              Paul declara: 'Eu pensei que eu conhecia você. O que eu sabia? Você não parece diferente, mas você mudou. Estou olhando através de você, você não é a mesma"   

                              DR da melhor qualidade!! Paul morava no sótão da família Asher, de sua namorada Jane, que era atriz e, na época, seguia sua companhia até Bristol, cidade a quase 200 km a oeste de Londres, ou seja, tinha que ficar lá durante as temporadas. Paul não ficava nada satisfeito com isso, e perguntava "Aonde você foi?", e reclamava "Você mudou!", ou "Você está lá longe!" ou "Você não me trata direito!" e ameaça "O amor, esse danado, pode acabar de um dia para o outro!". O letrista, como sempre, produz três sets de letra diferentes para os versos, povoa a letra de rimas ricas (adoro o "of me" com o "above me"), outras nem tanto assim,  e apresenta palavras não costumeiras como o adjetivo "nasty" ou o verbo "sooth".

                              I'm Looking Through You guarda a distinção de ser a canção que mais demandou tempo de gravação até então para ser concluída: foram 18 horas (um recorde) espalhadas em quatro sessões  (outro recorde). No Dia 1, uma base com John no violão, Paul no baixo e vocal, George na guitarra Ringo na bateria, além de overdubs de palmas, bongos, maracas, um órgão tocado por Ringo (!) e o backing vocal grave de John em "You don't look different, but you have changed" e outras duas com letras distintas.  Aparentemente, ela estaria finalizada... nada disso! No Dia 2, fizeram um remake completo, com Paul introduzindo a ponte ("Why, tell me why, did you not treat me right? Love has a nasty habbit of dissapearing over night!"), mas a versão ficou tão estranha que, afora a ponte, que foi definitivamente incorporada, nada dela sobreviveu, em nenhuma fita! No Dia 3, um terceira versão, desta vez, finalmente a definitiva, em que a base tinha John no violão, Paul no baixo, Ringo na bateria e George, no pandeiro!!! No dia 4, que teve 13 horas de gravação (um recorde), dedicaram-se, das 5 às 7 da manhã (sim!) para os overdubs finais, e que teriam que ser finais, pois era a última data permitida pelo cronograma de lançamento do álbum na data prevista. Vou até detalhar, item a item, pois é deveras ‘unusual’:

                              • Paul no vocal principal;
                              • John no vocal de apoio, grave;
                              • George na guitarra (lembre-se que ele tocou pandeiro na base), aqui em notas complementares em três trechos nos Verso 1, após "go""know""changed" e em equivalentes posições nos demais versos;
                              • Ringo no órgão (foi a primeira vez de Ringo no instrumento);
                              • Paul na guitarra (aqueles riffs no final dos versos, importantes!);
                              • Ringo na caixa de fósforos!!! Sim, aquele som de percussão que se ouve ao longo de toda a canção, é Ringo batucando numa caixa de fósforos!!!

                              Normalmente, eu coloco um link com algo diferente da versão disponível em disco,uma apresentação ao vivo, uma cena de filme, e tal, mas como os Beatles nunca a tocaram ao vivo (Paul tocou, em shows solo), aqui deixo a versão original, justamente por causa da tal caixa de fósforos. Prestem atenção, aqui, neste LINK.


                              11. In My Life  (Dream Self Song by John Lennon)
                              John sonha: Há lugares dos quais vou me lembrar, por toda a minha vida, embora alguns tenham mudado, alguns para sempre, não para melhor, alguns já nem existem, e outros permanecem. Todos esses lugares tiveram seus momentos'   

                              A letra é John aceitando a sugestão de escrever sobre sua infância. No primeiro esboço que fez, imaginou-se num ônibus que usava em Liverpool e ia descrevendo os lugares por onde passava, o que incluía, inclusive, os hoje famosos Penny Lane e Strawberry Fields. Tinha coisas do tipo “Penny Lane is one I’m missing / Up church and to the clocktower / In the circle of the Abbey, / I have seen some happy hours”.  Como?

                              Evidentemente, ele e Paul acharam aquilo de duvidosa qualidade, e então, John eliminou todas as citações municipais e elaborou a coisa mais filosoficamente, o que ficou magistral. E a transformou na canção que ele considerava a melhor de sua carreira até então. 

                              A letra é John aceitando a sugestão de escrever sobre sua infância. No primeiro esboço que fez, imaginou-se num ônibus que usava em Liverpool e ia descrevendo os lugares por onde passava, o que incluía, inclusive, os hoje famosos Penny Lane e Strawberry Fields. Tinha coisas do tipo “Penny Lane is one I’m missing / Up church and to the clocktower / In the circle of the Abbey, / I have seen some happy hours”.  Como?

                              Paul contribui com a harmonia e com a melodia da ponte ("All these places had their moments with lovers and friends, I still can recall"). Ali também na ponte, em “some are dead and some are living” identifica-se perfeitamente a referência a Stuart Sutcliffe, companheiro dos bons e maus momentos, e membro da primeira formação da banda, morto três anos antes devido a um aneurisma em Hamburgo. Num segundo verso, ele conecta o passado ao presente, com seu amor de então, onde comete um deslize gramatical, “and of all these friends and lovers, there is no one compareS with you”, falta um “that” antes do verbo, né, uma licença poética que poderia ser facilmente evitada, e na métrica requerida, com a substituição do “S” ressaltado por um “D”, mas ele quis deixar assim, ele pôde, a música era dele. Depois, vem uma segunda ponte, com letra diferente (“Though I know I’ll never loose affection”), como era a política dos letristas da banda. 

                              Esse trecho é repetido ao final, após um terceiro verso, onde reside o ponto mais alto da canção, não uma letra diferente, mas um sensacional solo de piano de George Martin, inesquecível, barroco, inspirado que foi em Bach, como disse uma vez. Parece um cravo, mas na verdade é um piano eletronicamente acelerado. Martin não conseguia tocar o que ele mesmo compôs na velocidade necessária ao tempo da canção, então tocou-a a 50% da rapidez, e em uma oitava abaixo, de forma que, após a aceleração, o som sairia no tempo e no tom corretos! Sensacional! Ele a gravou na solidão do estúdio, sem a presença dos rapazes, numa manhã, fez os ajustes necessários, e quando eles chegaram, de tarde, perguntou: “Que tal?”, e os quatro, em uníssono: “That’s great!”. E como!!

                              Com esse gancho, passamos à parte musical. O ritmo é mantido por John em sua guitarra base, Paul no baixo, Ringo na bateria, com um charmoso sincopado nos versos, trocado por notáveis batidas no prato durante as pontes, e George em sua guitarra solo arpejando aquela magnífica introdução, que é repetida duas vezes ao longo da música, e num climático final. Detalhe: foi Paul quem compôs aqueles trechos de guitarra, e não George! Acrescentou-se, somente depois, o sensível vocal de John, inclusive o brilhante falseto do final, depois sua dobra (John cantando por cima dele mesmo) e, finalmente, as harmonias vocais de Paul e George (“...places I remember”, “...’rever not for better” e outros) e o apoio com uuu’s (“... liiife though some have changed”, “...gone and some remain” e outros), o pandeiro de Ringo nas pontes. E, claro, apenas dias depois, o ‘cravo’ dissimulado de George Martin. 

                              In My Life nunca foi tocada ao vivo pelos Beatles e apenas uma vez, surpreendentemente, por George, em sua turnê de 1974, onde ele a dedica a seus velhos companheiros, mas modifica a declaração final pra "In my life, I love GOD more". Por outro lado, ela foi muuuito regravada, e está sempre na lista das melhores dos Beatles e menos vezes na lista das melhores de todos os tempos, a depender do veículo. Dentre os covers, destaco uma ideia que George Martin teve em seu projeto “In My Life”, com regravações de músicas dos Beatles, quando chamou ninguém menos que Sean Connery para declamar a letra (conto sobre o prjeto aqui, neste LINK)! Apesar de o projeto ter ido 'ao ar' ainda no século passado, mais recentemente é que ela vem tendo destaque nas redes. A oportunidade  serviu para redimir, em parte, uma heresia que James Bond fez em Goldfinger (1964), quando disse algo como: “Para aguentar Beatles, apenas com um tapa-ouvidos!”. Se a brilhante gravação não redimiu o personagem, ao menos serviu ao efeito para o grande ator escocês, que subiu recentemente ao andar mais alto. 


                               12. Wait  (DtR Girl Song by John Lennon)

                              Paul declara: 'Mas se seu coração não aguentar, não espere, vou me virar. E se seu coração for forte, segure firme, eu não demorarei. Espere até eu voltar ao seu lado, esqueceremos das lágrimas que choramos"   

                              The Beatles Wait!
                              Wait é a Canção Que Veio da Gaveta! Para chamá-la assim, inspirei-me num filme da mesma época, em que Richard Burton era O Espião Que Veio Do Frio! Nada a ver mas tudo a ver. Wait havia sido escrita para o álbum HELP!, gravada para o álbum HELP!, e engavetada! Não foi considerada de qualidade suficiente, assim como outras duas Lennon McCartney (That Means a Lot e If You've Got Troubles) que nunca viram a luz de um lançamento oficial durante a carreira, e uma excepcional cover, Bad Boy,  de Larry Williams, que felizmente foi oficializada no Past Masters #1. Esta foi uma segunda escolha dos Beatles que eu não entendo: Bad Boy é muito superior a Dizzy Miss Lizzy, também de Williams, que foi lançada em HELP!. Vai entender! Outra coisa estranha foi o diagnóstico de que não servia para HELP! e se encaixar perfeitamente em um álbum superior, apenas quatro meses depois. Ninguém imagina Rubber Soul sem Wait, do qual é parte integrante e meritória!

                              Agora, passamos à dúvida que paira sobre sua autoria: é de John ou de Paul? Vamos à análise: John faz o vocal principal nos versos ("It's been a long time, now I'm coming back home..." e "But if your heart breaks, don't wait, turn me away…"), então John 1x0, e Paul faz o vocal nas pontes (“I feel as though you ought to know that I've been good, as good as I can be"), 1x1. Notem nos versos as já usuais rimas ricas e internas ("timecom "now I'm", "now" com "how", e "strong" com "on"), e uma quarta, não tão rica, mas interna ("breaks" com "wait").  Uma coisa que faz pender um pouco mais para Paul, além dessas rimas, é o local  e situação em que foi composta. Os Beatles estavam nas Bahamas nas filmagens de HELP! e usavam os poucos intervalos para compor! Portanto, estavam longe de casa encaixa mais um casal de namorados, como eram Paul e Jane Asher, do que um casal casado, estabilizado, como eram John e Cynthia. Então, Paul 2x1, e eu a contabilizei para Paul na minha análise sobre as canções de DR dos Beatles (link acima)!

                              Wait não foi finalizada para HELP! por falta de tempo. Ela foi gravada nas últimas horas da última data disponível, em 18 de junho, mas só houve tempo para gravar a base, com John na guitarra, George na guitarra solo, com pedal de volume (o mesmo de I Need You), Paul no baixo e Ringo na bateria, e os vocais de John e Paul foram acrescentados em seguida: além dos versos, John e Paul harmonizam nos refrões ("Wait till I come back to your side, we'll forget the tears we've cried"). Notem que Wait é uma canção de densa estrutura, depois de muito tempo é a única que tem versos e refrões e pontes! Eles a consideraram pronta e saíram para a excursão planejada pela Europa. George Martin, entretanto, achou que faltava algo, e a engavetou!

                              De novo em uma última data disponível para gravação, desta vez de Rubber Soul, Wait voltou à tona, na madrugada do dia 12 de novembro, para overdubs finais, primeiro de Paul gravando por cima de seu vocal nas pontes, e acrescentando um agudo nos dois versos finais! Depois, George acrescenta mais guitarra pedalada, especialmente nas pontes. E aí vem Ringo, bastante intenso com maracas e pandeiros, notem como a percussão de Wait é intensa! O mundo não perdeu por ‘esperar’ por Wait, muito por conta dessa percussão! George Martin estava certo, mais uma vez!

                              Wait ao vivo? Só em Rockband, e ainda a colocaram no histórico Shea Stadium!

                               

                               13. If I Needed Someone   Flirt Girl Song by George Harrison)

                              George se declara: 'Se eu precisasse de alguém. Se você tivesse vindo em algum outro dia, então talvez não tivesse sido desse jeito, mas agora você pode ver que estou muito apaixonado"  
                              Primeira de três canções de paquera compostas por George durante a carreira beatle! E é a última Call Song da carreira dos Beatles como um todo. Acho que valeria um capítulo específico, não? Teria a análise das canções From Me To You, All I've got to do, Any Time At All, I Call Your Name, No Reply, You Won't See Me, esta, e talvez Across The Universe, que fala de uma chamada, mas não se refere a garotas, é uma chamada, como direi, do Universo! Bem, chega de digressão! 
                              Sim, é uma paquera, mas veja que George não está lá assim muito interessado em alguém específico, “Carve your number on my wall and maybe you will get a call from me, if I needed someone” ou seja, se ele precisar de alguém e ele tiver o telefone dela, ele poderá chamar. Ou ainda em “If I had some more time to spend, than I guess I'd be with you my friend, if I needed someone”, ou seja, se ele não tiver nada o que fazer, pode ser que ele esteja com ela. Muito por causa do intenso assédio que os quatro tinham, mesmo comprometidos com namoradas ou esposas, a oferta era grande. Nas pontes, ele até fala que a garota chegou em má hora, porque ele está apaixonado, mas quem sabe, depois ela tenha uma chance! Ou seja, em permanente estado de paquera, mantendo uma fila...
                              A canção foi a primeira de George gravada para Rubber Soul, mas acabou no Lado B. Foi Think For Yourself que teve a distinção do Lado A. Ela necessitou duas sessões de gravação, a primeira para a base, com George na guitarra solo, John na base, Paul no baixo, Ringo na bateria, ou seja, bem padrão, com a notável posição do CAPO lá em cima, no 7° traste da guitarra do compositor. No segundo dia, George acrescentou algumas notas de sua guitarra, Ringo acrescentou um pandeiro importante, primeiro calmamente, nos versos, depois acelerado nas pontes (“Had you come some other day, then it might not have been like this, but you see now I'm too much in love”). Note a ausência de rimas e uma interessante disritmia: a última palavra cantada da primeira frase ("then") é na verdad a primeira da frase seguinte. Sabe como se chama isso? Eu também não, apenas achei interessante! E voltando aos overdubs, finalmente, claro, entram os já tradicionalmente estupendos vocais dos Beatles. O lead de George é quase todo levemente sincopado, ou seja, sílabas cantadas fora da batida principal, coisa rara. Nos versos, George canta sozinho apenas na primeira vez em que o título é cantado, e depois, a cavalaria de John e Paul chega e não larga mais, ao longo de todos os versos, Paul na harmonia aguda, John na grave. Inclusive no verso instrumental, quando os três atacam nos aaaaa’s, quatro vezes. Note que If I Needed Someone apresenta uma incomum ocorrência de três versos seguidos, sendo dois letrados sanduichando um instrumental provocando uma estrutura perfeitamente simétrica - vvpVVVpvv. Nas pontes, é George sozinho de novo, com vocal dobrado, e com a companhia fundamental do pandeiro desembestado de Ringo!!
                              Eu comecei este texto ressaltando ser a canção a PRIMEIRA disso, ou a ÚLTIMA daquilo, e agora eu acrescento outro posicionamento: If I Needed Someone é a ÚNICA composta por George que foi tocada ao vivo pelos Beatles, e foram muitas vezes! Até então, George cantara covers, como Chains e Roll Over Beethoven, ou composições de seus companheiros John e Paul, como Do You Want To Know A Secret e I’m Happy Just To Dance With You. Ela foi tocada na excursão europeia, na excursão mundial, e na excursão americana, todas elas seriam as últimas de cada categoria na carreira. Deixo aqui este LINK, onde poderão ouvir a histórica apresentação no Budokan Hall, em Tokyo. George também a tocou em seu último show solo ao vivo, no mesmo recinto do Japão, em 1991,  quando sua banda de apoio teve o auxílio luxuoso de um certo Eric Clapton, e sua Psycho Guitar. 

                               

                              14. Run For Your Life   (Anger Miss Song by John Lennon)
                              John ameaça: 'Bem, eu preferiria te ver morta, garotinha do que com outro homem. Melhor pensar bem, garotinha, ou não vou saber onde estou. É melhor você se salvar, se puder, garotinha. Esconda sua cabeça na areia, garotinha. Te pegar com outro homem é o fim, garotinha"
                              Quando vislumbrei a possibilidade de classificar as letras das canções dos Beatles por Assuntos, senti a necessidade de subdividi-las por Classes dentro dos Assuntos. Assim aconteceu com o assunto Saudade (Miss Songs), onde identifiquei vários tipos de Saudade. Então, o nível de Saudade varia, de uma simples resignação e tristeza, passando por desespero, pedidos de retorno, às vezes um traço de despeito (tipo ‘as uvas estão verdes’), até que cheguei à necessidade de inaugurar uma última Classe, a Raiva (Anger), e nela colocar uma única canção, Run For Your Life, a que fecha o perfeito álbum, sem máculas, Rubber Soul, 14 canções excepcionais!
                              É tanta raiva que a chamo de Melô do Feminicida, este último um termo que, penso, nem existia à época da composição, mas atesta a visão machista, que já existia, mulheres realmente sempre foram consideradas como artefato de posse, que fazia aos fracos de caráter terem acessos de raiva, que poderiam desembocar num ato final. Eu exagero ao dar-lhe esse codinome?  Bem, antes, de mais nada, aliviemos nosso querido compositor que, decerto, falou no sentido figurado, e até confessou que tirou a ideia da duríssima frase do verso de abertura ("Well, I'd rather see you dead, little girl, than to be with another man") de uma canção que Elvis gravara 10 anos antes. Mas não há dúvida que a inspiração o levou a produzir outras linhas cruéis, como ‘Pense bem senão posso perder a cabeça’ ou ‘Se eu te pego com outro homem, será o fim!’, e explica seu pensamento, com ameaça ‘Você sabe que sou um cara mau e ciumento’, e dizendo que ‘não vai passar a vida dando sermão e fazendo com que você ande na linha’. Caramba, um cara que desse declarações como essas, hoje em dia, seria, no mínimo, submetido a medidas restritivas de aproximação de sua pobre ‘little girl’.

                              Na época do lançamento, ninguém pensou nisso, até porque a canção é gostosa, a gente sai cantando sem pensar no que está por trás da letra, e tal. Tempos depois, John começou a rejeitá-la, dizendo ser uma canção menor, e tal, mas somente a renegou totalmente, quando se estabilizou no relacionamento com Yoko, com ela abrindo-lhe os olhos para o absurdo, e inspirou-o com a frase ‘Woman is the nigger of the world’, que gerou a duríssima canção de mesmo nome, lançada na carreira solo, no álbum Some Time in New York City.
                              Voltemos a canção!! Run For Your Life foi a primeiríssima canção gravada na primeiríssima sessão de gravação para o álbum Rubber Soul, de primeiríssima! Era o glorioso 12 de outubro de 1965. E John estava animado, por abrir um novo álbum, o que seria repetido até o fim da carreira, com a exceção de “Magical Mistery Tour”. Ele se entregou à gravação da linha base, com seu violão, e cantando junto, protocolo que não era mais comum! E o vocal foi tão bom que teria sido aproveitado, se ele não tivesse errado a letra! Acompanharam-no George na guitarra solo, Paul no baixo, Ringo na bateria, as usual! Nos overdubs, George destacou-se, com mais três passagens de guitarra, uma delas com deliciosos slides no verso instrumental, Ringo no pandeiro e, claro, George e Paul nas sempre perfeitas harmonias agudas dos refrões (“...run for your life if you can, little girl. Hide your head in the sand, little girl. Catch you with another man, that's the end”), deixando John sózinho para chamar sua ameaçada garotinha . John estava vigoroso, e até acrescentou e complementos bastante sonoros e marcantes, no final dos refrões (“that’s the end-A”), e no final do 3° verso (“... and I’d rather see you dead-A”). Aliás, é uma boa hora para glorificar, mais uma vez, o quase protocolo de criação de letras diferentes o máximo possível. Aqui, há 3 versos completamente distintos, sendo repetido apenas o 1° só no final, após o qual a guitarra de George brilha novamente, enquanto John finaliza com nah nah nah’s em fade-out perfeito para a conclusão de um álbum fenomenal, que marcou uma mudança expressiva na carreira. 
                              Nem precisa repetir que Run FOr Your Life, assim como outras 11 canções de Rubber Soul, nunca foi levada ao vivo! Ih, falei! Ela aparece no RockBand, num  fictício show no qual apareceu disfarçada.


                              14. Run For Your Life   (Anger Miss Song by John Lennon)
                              John ameaça: 'Bem, eu preferiria te ver morta, garotinha, do que com outro homem. Melhor pensar bem, garotinha, ou não vou saber onde estou. É melhor você se salvar, se puder, garotinha. Esconda sua cabeça na areia, garotinha. Te pegar com outro homem é o fim, garotinha"
                              Quando vislumbrei a possibilidade de classificar as letras das canções dos Beatles por Assuntos, senti a necessidade de subdividi-las por Classes dentro dos Assuntos. Assim aconteceu com o assunto Saudade (Miss Songs), onde identifiquei vários tipos de Saudade. Então, o nível de Saudade varia, de uma simples resignação e tristeza, passando por desespero, pedidos de retorno, às vezes um traço de despeito (tipo ‘as uvas estão verdes’), até que cheguei à necessidade de inaugurar uma última Classe, a Raiva (Anger), e nela colocar uma única canção, Run For Your Life, a que fecha o perfeito álbum, sem máculas, Rubber Soul, 14 canções excepcionais!
                              É tanta raiva que a chamo de Melô do Feminicida, este último um termo que, penso, nem existia à época da composição, mas atesta a visão machista, que já existia, mulheres realmente sempre foram consideradas como artefato de posse, que fazia aos fracos de caráter terem acessos de raiva, que poderiam desembocar num ato final. Eu exagero ao dar-lhe esse codinome?  Bem, antes, de mais nada, aliviemos nosso querido compositor que, decerto, falou no sentido figurado, e até confessou que tirou a ideia da duríssima frase do verso de abertura ("Well, I'd rather see you dead, little girl, than to be with another man") de uma canção que Elvis gravara 10 anos antes. Mas não há dúvida que a inspiração o levou a produzir outras linhas cruéis, como ‘Pense bem senão posso perder a cabeça’ ou ‘Se eu te pego com outro homem, será o fim!’, e explica seu pensamento, com ameaça ‘Você sabe que sou um cara mau e ciumento’, e dizendo que ‘não vai passar a vida dando sermão e fazendo com que você ande na linha’. Caramba, um cara que desse declarações como essas, hoje em dia, seria, no mínimo, submetido a medidas restritivas de aproximação de sua pobre ‘little girl’.
                              Na época do lançamento, ninguém pensou nisso, até porque a canção é gostosa, a gente sai cantando sem pensar no que está por trás da letra, e tal. Tempos depois, John começou a rejeitá-la, dizendo ser uma canção menor, e tal, mas somente a renegou totalmente, quando se estabilizou no relacionamento com Yoko, com ela abrindo-lhe os olhos para o absurdo, e inspirou-o com a frase ‘Woman is the nigger of the world’, que gerou a duríssima canção de mesmo nome, lançada na carreira solo, no álbum Some Time in New York City.
                              Voltemos a canção!! Run For Your Life foi a primeiríssima canção gravada na primeiríssima sessão de gravação para o álbum Rubber Soul, de primeiríssima! Era o glorioso 12 de outubro de 1965. E John estava animado, por abrir um novo álbum, o que seria repetido até o fim da carreira, com a exceção de “Magical Mistery Tour”. Ele se entregou à gravação da linha base, com seu violão, e cantando junto, protocolo que não era mais comum! E o vocal foi tão bom que teria sido aproveitado, se ele não tivesse errado a letra! Acompanharam-no George na guitarra solo, Paul no baixo, Ringo na bateria, as usual! Nos overdubs, George destacou-se, com mais três passagens de guitarra, uma delas com deliciosos slides no verso instrumental, Ringo no pandeiro e, claro, George e Paul nas sempre perfeitas harmonias agudas dos refrões (“...run for your life if you can, little girl. Hide your head in the sand, little girl. Catch you with another man, that's the end”), deixando John sózinho para chamar sua ameaçada garotinha . John estava vigoroso, e até acrescentou e complementos bastante sonoros e marcantes, no final dos refrões (“that’s the end-A”), e no final do 3° verso (“... and I’d rather see you dead-A”). Aliás, é uma boa hora para glorificar, mais uma vez, o quase protocolo de criação de letras diferentes o máximo possível. Aqui, há 3 versos completamente distintos, sendo repetido apenas o 1° só no final, após o qual a guitarra de George brilha novamente, enquanto John finaliza com nah nah nah’s em fade-out perfeito para a conclusão de um álbum fenomenal, o melhor deles até o momento. 
                              Um pequeno adendo sobre as rimas. As perseguidas rimas ricas (aquelas entre classes gramaticais) estão presentes em profusão, "man" com "am""head" com , "dead" com "said""can" com "sand" com "end""guy" com "trying", mas a melhor de  todas é a de baixo, merecedora até de um esqueminha...
                              ...e sem contar com mais palavras para a lista dos Uncommon Beatles Words"sermon",  John não é nenhum padres mas dá um SERMÃO em canção de rock!!! E acho que "toe" também entraria na lista.
                              A prova de que ninguém ligou, época, para a letra ameaçadora de Run For Your Life, é que ela foi imediatamente regravada por vários artistas, sendo a mais interessante, a versão de Nancy Sinatra, sim, mas invertendo os papéis, trocando "boy" por "girl" e vice-versa, e trocando algumas expressões. Musicalmente é muito legal, por conta dos metais introduzidos, eo jeito despojado que ela canta o 'little boy'. Vejam aqui, neste LINK! No Brasil, nosso valoroso Renato Blue Cap Barros apresentou-nos a canção, lançada antes da original, em uma versão naquele estilo pega-a-original-e-bota-uma-letra-qualquer. Renato manteve apenas o ciúme do autor, mas sem vestígio da cuasi-violência. Veja a correspondência impressionante entre original e versão, no assustador refrão:   

                               Run For Your Life (John Lennon)

                               Dona do Meu Coração (Renato Barros)

                              You better run for your life if you can, little girl 
                              Então me disse que queria meu perdão,
                              Hide your head in the sand, little girl 
                              que aquele rapaz era seu irmão
                              Catch you with another man, that's the end, little girl 
                              E só era dona do meu coração, coração.

                              Finalmente, nem precisa repetir que Run For Your Life, assim como outras 11 canções de Rubber Soul, nunca foi levada ao vivo! Ih, já repeti! Ao menos, ela aparece no RockBand, num  fictício show no Shea Stadium.


                              Bem, acho que fechei com Chave de Ouro, com uma análise de uma canção que fecha com Chave de Ouro, um LP revolucionário, que abre com Chave de Ouro, uma sequência de outros LPs revolucionários daqueles rapazes de ouro!  

                              O título do segundo álbum Beatle de 1965 veio de uma ideia de Paul, como muitas viriam a partir daquele ano.  Foi consequência de dois eventos: (i) as influências musicais dos Beatles vinham em parte do Soul e do Folk americano, sendo Bob Dylan seu baluarte, que ‘estendiam’ para além do Good Old Rock, depois (ii) juntou-se à receita a declaração de um articulista que definiu o som de seus rivais, ao mesmo tempo amigos, Rolling Stones, mais especificamente o estilo de Mick Jaegger cantar, como Plastic Soul, e Paul pensou que a alma da música que eles haviam feito para o álbum era bem mais, era mais ‘estendida’, uma Alma de Borracha!

                              A arte da capa não poderia ser mais adequada, se bem que aquele efeito meio deformado veio meio que por acaso, na sessão de fotos nos jardins da mansão de Lennon em Weybridge, quando Robert Freeman, que fora o fotógrafo responsável por suas últimas quatro capas de LPs, acidentalmente projetou a imagem deles sobre uma cartolina num certo ângulo, só que os Beatles estavam atentos ao ‘acidente’ e pediram: ‘Faz assim!’. Aquela seria a última contribuição do fotógrafo para os Beatles, não sei se porque a arte do disco seguinte foi tão arrebatadora, ou porque dizia-se, na 'arraia-miúda', gente que não tinha o que fazer, que John teria um caso com a esposa dele, uma loura norueguesa que inclusive teria inspirado Norwegian Wood, ai ai ai aqueles tempos de relacionamento aberto, aquele poder dos rapazes que estavam no topo do mundo, enfim, rumores, não mais que rumores. A ‘fonte’ das letras foi obra de um artista gráfico Charles Front, naturalmente inspirado no caráter emborrachado do momento, e acabou se tornando um marco do movimento psicodélico. Foi o primeiro álbum em que os Beatles conseguiram não colocar o próprio nome na capa, coisa que já queriam fazer há dois álbuns, mas eram impedidos pela direção da EMI. Já tinham nome e imagem suficiente para o efeito.  

                              Rubber Soul foi lançado em 3 de dezembro, juntamente com um compacto que tinha dois Lados A, Day Tripper e We Can Work it Out, canções que serão analisadas por este articulista quando esmiuçar o LP Past Masters #2.

                              Rubber Soul era uma obra de arte, muito à frente em relação ao que eles fizeram até então, mais que isso, em relação a tudo o que se produzia na época na música pop. A influência nas demais bandas foi enorme, os Rolling Stones se esforçaram para lançar seu primeiro álbum de originais, Aftermath. Brian Wilson dos Beach Boys disse que tentaria superar Rubber Soul com seu projeto Pet Sounds (não conseguiu, minha humilde opinião!). Pete Townsend, do The Who, e Lou Reed, do Velvet Undeground, declararam sua admiração e inspiração. 

                              A dedicação que os Beatles tiveram, de seis semanas sem compromissos de shows, entrevistas, TV, viagens, depois a imersão em estúdio, com muitas sessões indo quase à manhã seguinte, apostando em novos instrumentos, como cítara, pedais, teclados, harmonium, e percussões tão inovadoras como uma caixa de fósforos, variações em tempo e em harmonia vocal nunca vistas,  embalando ritmos variados que iam do pop ao barroco, ao folk, ao country, passando pelo gospel, e até pela balada francesa, emoldurando letras adultas, com amplitude bem acima do tradicional relacionamento garoto-garota, um amálgama de inovações que fizeram-no um sucesso de crítica e de público. Se a escala era até 10, Rubber Soul ganhava 9 ou 10,  se era até 5, 4 ou 5, se era graduação letrada, sempre A ou A+. Migrou instantaneamente para a lista dos melhores álbuns de todos os tempos, e segue lá até hoje. Em vendas, ficou mais de 40 semanas na parada britânica, maior parte delas no topo, desbancando The Sound Of Music. Aliás, Rubber Soul foi o 3°LP mais vendido de 1965, atrás de Sound of Music e Beatles for Sale, e o 3°LP mais vendido de 1966, atrás de Revolver (também deles) e de The Sound Of Music. Com certeza, caso adotassem a média móvel de 12 meses, começando em dezembro de 1965, Rubber Soul estaria no topo. Note que HELP! não entrou no pódium! 

                              Nos Estados Unidos, aquela salada da Capitol Records, Rubber Soul tinha apenas 10 das 14 canções do original! Cometeram a heresia de tirar If I Needed Someone, Drive My Car, Nowhere Man e What Goes On, e para completar o pecado, os Lados A e B abriam com canções de HELP!, I’ve Just Seen a Face e It’s Only Love!! Nada contra as duas belas canções, mas é uma quebra de unidade imperdoável! E a coisa fica mais estranha pois duas das excluídas (Nowhere Man e If I Needed Someone) foram as únicas de Rubber Soul que os Beatles tocaram nos shows ao vivo. Bem, essa zorra toda não impediu que Rubber Soul ficasse muito tempo no topo das paradas, assim como os compactos lançados com suas canções, e assim como covers de várias canções dos álbuns, de outros artistas, também atingissem o estrelato. Um sucesso absoluto.

                              Felizmente no Brasil optaram pelo formato oficial britânico. 

                              Vou finalizar com declarações dos principais atores dessa obra de arte sobre a obra de arte chamada Rubber Soul.

                              George Martin
                              “I think Rubber Soul was the first of the albums that presented a new Beatles to the world. Up to this point, we had been making albums that were rather like a collection of their singles …We new we were making a great album!”
                              Ringo Starr
                              "Rubber Soul was the departure record. It made us expand in all areas of our lives, opening up to a lot of different attitudes."
                              George Harrison
                              "Rubber Soul was my favourite Beatles album. We did spend more time on it and tried new things. But the most important thing about it was that we were suddenly hearing sounds that we weren't able to hear before."
                              Paul McCartney
                              “People have always wanted us to stay the same, but we can't stay in a rut. No one else expects to hit a peak at 23 and never develop, so why should we? Rubber Soul for me is the beginning of my adult life.”
                              John Lennon
                              “You don’t know us if you don’t know Rubber Soul”

                              Bem, prontos estamos para mais uma Revolução, que se chama
                              REVOLVER!!
                              Aliás, se levarmos em conta o que disse Ringo, 
                              se Rubber Soul era o Disco de Partida, 
                              Revolver seria o próximo estágio da viagem, 
                              e depois viriam Sgt. Peppers e outros, 
                              até Abbey Road, o Disco de Chegada, 
                              na estratosfera estelar, um ponto final, 

                              da viagem, do sonho! 

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