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domingo, 17 de janeiro de 2021

I'm Only Sleeping, deix-eu quieto!

  Esta canção é a 3ª do Lado A do álbum Revolver 

a história do álbum, cenário, assuntos e canções, aqui neste LINK

É uma de 3 canções sobre Si Mesmos na Classe Corpo

as demais 2 canções do mesmo Assunto e Classe, aqui, neste LINK


3. I'm Only Sleeping (Body Self  Song by John Lennon)

John boceja "Por favor, não me acorde, não me sacode, me deixa aonde estou, estou apenas dormindo!"  

Ponha-se no lugar de um fã dos Beatles em agosto de 1966, já oito meses sem um LP deles, aí você recebe o Revolver, espanta-se com a capa, retira a bolacha cuidadosamente, e bota pra tocar. Primeiro, você se surpreende ouvindo a voz de George, abrindo pela primeira vez um LP dos Beatles, e com uma letra ferina, depois ouve a voz de Paul numa canção em que clama pelos solitários, mas na qual nenhum dos Beatles toca nada, e finalmente ouve a voz ácida, mas desta vez preguiçosa de John, pedindo que o deixem em paz, que ele só quer dormir, coloca-se na situação dele, porque dormir é mesmo ótimo, e tal, e de repente você ouve um som esquisito, parecendo um zumbido de abelha, porém melódico, e segue na letra, e tal e na hora que entraria um solo de guitarra, lá vem mais zumbidos, mas você gosta do que ouve, é intrigante, se pergunta: “Que diabos é isso?!”. Eu respondo à pergunta mais adiante! 

Primeiro, o ambiente em que ela foi criada. John era o mais sonolento dos Beatles, e podia ficar horas assistindo TV, vendo a vida passar, olhando pro teto esperando o soninho chegar, e tal, além de tudo, por morar no subúrbio, demorava a chegar de volta da City à noite, e dormia até tarde. Paul, que morava na cidade, não tinha aquele contratempo, e normalmente era quem o acordava no dia seguinte para trabalhar. Tantas vezes foi repetida essa situação, ainda mais naquele longo tempo em que não fizeram qualquer show, que passava muito tempo em casa, que o inspirou a botar em música aquele estado de espírito e de corpo! E nasceu I’m Only Sleeping, vejam os rabiscos de sua criação, escritos no verso de uma carta cobrança de uma conta de 12 libras, folha esta que hoje está nas mãos de um colecionador que pagou meio milhão de dólares por ela... E ele expressou bem tudo aquilo na letra, inclusive o “lying there staring at the ceiling, waiting for a sleepy feeling...”, perdoando-lhe desde já a rima pobre, substantivo com substantivo. Este era o teor do  verso. No 1°  verso, ele apresentava ao mundo do rock o verbo 'bocejar' em “I’m still  yauning” (e olha eu bocejando aqui), em rima rica com “Wake up in the morning”. Depois, vem o 1°  refrão, pedindo pra que não mexam nele e apresentando o nome da canção. O 2°  verso vem com duas rimas pobres, "crazy" com "lazy" e "need" com "speed", ok, vá lá, segue perdoado, inda mais porque ali naquele "speed" e naquele "need" aparecem pela primeira vez aqueles zumbidos.  Lembra que eu qualifiquei o refrão com um 'primeiro'? Foi porque inventividade era a marca dos Beatles, e John nos oferece um 2°  refrão, com uma letra diferente, "Please don't spoil my day, I'm miles away..." olha a rima rica aí de volta. Agora, vem a ponte "Keeping an eye on the world going by my window, taking my time", e sua rima rica interna, "eye" com "by". O 3° verso começa, com aquele papo do teto e do soninho, mas a letra para no meio e entra aquela profusão de zumbidos melódicos, sobre os quais, como disse, falarei mais adiante. Depois, a canção termina com a repetição da ponte, depois do  verso e, finalmente, do  refrão e mais zumbidos em profusão no final!

I’m Only Sleeping tomou quatro sessões de gravação, sendo a base gravada no primeiro dia, com John e George em violões, Paul no baixo, e Ringo na bateria. Note a importância do baixo, nas paradas introdutórias do 2° verso, e depois, estendido, das pontes, com direito a marcação com estalar de dedos na primeira, sabe-se lá de quem, perceba bem, e, na parada para a 2ª ponte, note um bocejo de verdade, era Paul comandado por John, dizem que dá pra ouvir, bem ao fundo,  John dizendo: “Yawn, Paul!”. Numa segunda sessão, canta seu lead, eles tentam um vibrafone, que não foi adiante! Na quarta sessão, vieram os acréscimos vocais, John dobra sua voz em dois trechos nos primeiros versos “float downstream”, e “there’s no need”, que Paul responde, repetindo as duas frases. E vêm Paul e George com os uuuu’s nos refrões (variando de um pra outro), e finalmente harmonizando com John nas pontes! Ah, sim, eles também harmonizam no “sleeping” dos refrões! Ih, pulei a terceira sessão! Mas foi de propósito!
Foi na terceira sessão que foi  introduzido o misterioso zumbido acima mencionado. George havia gravado seu solo de guitarra, só que o operador do gravador, sem querer, acionou-o para trás na hora da gravação. Quando percebeu, e reproduziu o resultado no sentido correto, apareceram aqueles zumbidos, e os Beatles ficaram mais que intrigados, excitados, e pediram ao Maestro: ‘Podemos aproveitar isso?”. George Martin disse: “Tudo o que seu mestre mandar!”. Claro que não foram essas palavras, mas o ‘mestre’, figurativo, eram os próprios Beatles, e já corria a política na gravadora de aproveitar e acatar e tentar tudo o que passava na cabeça dos gênios, cientes que estavam do toque de Midas ali instalado. Só que, claro, o som era intrigante, mas não se encaixava perfeitamente na melodia. Então, George, o Harrison, voltou no dia seguinte, para uma sessão só dele, para acertar o efeito desejado. E não foi fácil! Foram quase 6 horas de sessão, no processo de tentativa e erro, toca/grava/reproduz/concentra/ouve-como-soa/gosta/não-gosta/anota/corrige/de-volta-ao-Passo-1 e, em cada tentativa, havia o esforço físico do operador de movimentar-se as pesadas fitas pra lá e pra cá, finalmente chegando-se às duas peças, a do solo no 3°verso, e a final em fade-out. Só que Paul, sempre curioso, apareceu lá e também fez suas tentativas, digamos que foram as duas que se materializaram no 2° verso, acima mencionadas, disso não se tem .certeza, mas assim o determino! 
Nunca foi tocada ao vivo, como todas as outras de Revolver, mas deixo aqui um belíssimo cover, onde dá para se ouvir a reprodução da guitarra ao contrário, tocada ao contrário. A voz do cara parece bem a de John! Vejam como o baixista se parece com Paul, e ainda é canhoto... ou aprendeu a tocar assim, só por causa de Paul, o que não é raro acontecer. Merece o registro, aqui neste LINK.
O novo som Beatle se encaixava perfeitamente ao tom psicodélico do momento, eles o usariam algumas vezes, em Tomorrow Never Knows e Strawbery Fields Forever, por exemplo, e influenciaram artistas da época, que materializaram a técnica em algumas canções, como Jimmy Hendrix, The Byrds, The Who, T-Rex, ou mais adiante no progressivo do King Crimson, ou mais ‘recente’, R.E.M e Red Hot CP, e, claro, Oasis, que se achavam os Novos Beatles, mas jamais foram, ou serão!
Pode continuar dormindo sossegado, querido John!

 


6 comentários:

  1. Essa música é fantástica
    Gostava de John nessa época
    Tinha uma criatividade exuberante sem a influência da Japa 🔥👏🏻

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  2. Excelente artigo, digno do momento e da criatividade dos Beatles. Esmiuçou!
    O cover é muito bom, mas pena que não filmaram o "George" fazendo o solo invertido...
    Fantástica a liberdade do Lennon: faço música sobre o que eu quiser!".
    Paul vai aprender o rumo e fazer músicas sobre desejar ser escritor, sobre sua cachorra, etc...

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  3. Realmente os caras tinham o 'Toque de Midas' que se realmente existisse iria inveja-los, afinal além do toque, esbanjavam criatividade.

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  4. Sempre me identifiquei com essa música porque sempre gostei de dormir até um pouco mais tarde... Costumavam vir me acordar...e eu me sentia que nem eles. Don't shake me, leave me where I am, I am only sleeping...
    Já as novidades do som....eu fiquei sabendo lendo o texto. Desconhecia tudo. Sim, que garotos geniais.

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  5. Apenas “Os The Beatles “, como diz um velho amigo, conseguem colocar música boa em algo tão trivial , o sono. Apenas Homerix consegue escrever coisas geniais sobre “Os The Beatles “.
    A combinação da preposição “a” com o artigo definido “ a “, costuma virar “à”.
    Já a combinação do artigo definido “os”com o artigo definido “The” vira essa coisa horrível “Os The” .

    Roberto Bazolli

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