-

terça-feira, 29 de junho de 2021

O 1º Compacto Duplo Lado A dos Beatles

Este foi o 1º Compacto Duplo Lado A lançado pelos Beatles 

O compacto Duplo Lado A, com We Can Work it Out e Day Tripper, foi lançado em 3 de dezembro, concomitantemente com o álbum Rubber Soul, ambos indo diretamente ao topo das paradas. 

Foi o primeiro de uma série desses lançamentos dos Beatles, em que não há distinção de importância entre duas canções lançadas. 

Nos Estados Unidos, as paradas consideravam muitos aspectos, além das próprias vendas físicas, por exemplo, a preferência dos DJs das rádios. Dentre as duas lançadas, somente We Can Work It Out atingiu o topo das paradas, com Day Tripper e seu excepcional riff de guitarra, ficando na 5ª posição. 

Como ilustração desta análise, deixo uma cópia do que os argentinos receberam quando compraram o compacto. Descobri isso quando comprei a coletânea 1, em 2000, quando mostraram como saíram os compactos em vários países.

Atenção, canções com títulos em vermelho 

são links que levam a análises sobre elas.


Vamos a elas!

1. We Can Work It Out (DtR Girl Song by Paul McCartney)

Paul conta: "Podemos dar um jeito! A vida é muito curta, e não há tempo para implicância e brigas, meu amigo. Sempre pensei que isso é um crime assim pedirei a você novamente. Tente ver do meu ponto de vista!"

* Como saiu a canção em países de língua hispânica. 
 
Paul estava num climão com sua namorada naquela segunda metade de 1965. Jane Asher achava que antes de ser namorada de um Beatle, ela era uma atriz e não podia abandonar as oportunidades da carreira e, sendo assim, embarcou para uma longa temporada teatral em Bristol, no oeste da Inglaterra. Era outubro de 1965 e Paul discutia com ela sobre sua decisão de partir. Os primeiros argumentos foram nesta canção. Não devem ter dado muito certo e ela partiu. Mais adiante, ele levantou o tom em You Won't See Me e I'm Looking Through You, que ele trouxe posteriormente para o 2º álbum do ano, 6º da carreira, o fantástico Rubber Soul. Em termos de composição, Paul teve a ideia, elaborou o título otimista, fez a letra dos primeiros dois versos e sua melodia, enquanto visitava seu pai nas imediações de Liverpool. Neles, Paul está conciliador, ao mesmo tempo, ameaçador, 'tente ver sob meu ponto de vista, pois do seu, pode ser que o amor acabe'. 
 
Voltando a Londres, Paul apresentou seu projeto a John que elevou um pouco o tom da discussão numa ponte, com linda melodia, que acabou em ritmo de valsa e com ótima harmonia vocal entre os dois, "Life is very short, and there's no time for fussing and fighting, my friend. I have always thought that it's a crime, so I will ask you once again", e ajudou no verso final, em que se retoma a argumentação, mas ameaçando que se ela não mudar de opinião, eles podem se separar, veja: "Try to see it my way. Only time will tell if I am right or I am wrong. While you see it your way, there's a chance that we might fall apart before too long". Eles podiam ter caprichado um pouco mais nas rimas, veja aqui neste Verso 3, que repete "way" e lá no Verso 2, repetiram "saying", mas isso é eu sendo chato, porque há outras bastante engenhosas, como o "go on - gone" no Verso 1 e "short - thought" e "friend - again" na ponte. Vá lá! E eu gosto muito do efeito sonoro do duplo F na primeira 'valsa' da ponte, o "Fussing and Fighting". 
 

Começaram a gravação no dia 20 de outubro e dedicaram perto de 11 horas à canção naquele dia e em outra sessão nove dias depois, constituindo-se na canção a que os Beatles dedicaram mais tempo de gravação até então. Aquela seção valsa que mencionei, na ponte, aparece nos últimos 4 compassos da ponte (que tem 12) e foi ideia de George Harrison, nos ensaios antes de ligarem os gravadores. E ela foi a causa da necessidade de um 2º Take, pois Ringo se enganou na segunda ponte e não entrou no tempo 3/4 da valsa. Senão, teria sido mais uma canção de um take só. De qualquer modo, não passou do 2º. E passaram aos overdubs. Olha só a base dessa canção: Paul no baixo, John no violão, Ringo na bateria e George? No pandeiro!!! E não foi assim, "vai lá George, toca o pandeiro!" Ele foi estudado, ensaiado, praticado, pra ficar marcante como ele é! Acertada a base, veio o vocal de Paul, depois dobrado, e depois John na harmonia principal na ponte que ele mesmo criou, com Paul no vocal secundário agudo, e também John naquele instrumento marcante na canção que parece uma sanfona, mas não é: trata-se de um harmônio, tão importante que fiz questão de que fosse a imagem a ilustrar este post. Tudo isso veio no mesmo dia, e eles achavam que tinha acabado. Só que não! Após uma mixagem mono que fizeram para ser usado num programa de TV, onde dublariam várias canções frente às câmeras, ele viram que precisavam melhorar os vocais, o que fizeram por mais duas horas no dia 29.
 
 
Aquele programa foi um grande sucesso, com vários artistas de sucesso á época, e uma parte dele está disponível. Deixo aqui neste LINK como curiosidade, sua introdução e primeiras atrações (não achei as partes 2 e 3)! Na apresentação, são listados os artistas, depois vem a orquestra de George Martin tocando sobre palanques, com o maestro ao piano, tocando trechos de clássicos e de sucessos dos Beatles orquestrados. Depois vêm John e Paul fazendo um sketch (quem tiver legendado me avisa, porque é difícil entender), e prestem atenção que vem uma canção Lennon/McCartney que muitos não conhecem, The World Without Love, cantada por Peter & Gordon (o primeiro é irmão de Jane Asher, a namorada com que Paul discute a relação na canção) e depois tem Lulu cantando I Saw Him Standing There (sim, porque ela adapta a letra nos pontos pronominais). E deixo aqui a canção objeto desta análise, neste LINK, com os Beatles dublando a canção, notem John no harmônio, ok, correto, mas George na guitarra, bem fake, porque o que ele toca na gravação, como falei, é o pandeiro! Ao final, uma micagem de John, com a desaprovação sorridente de Paul. 

 

 

2. Day Tripper (Sex Girl Song by John Lennon)

Paul conta: "Tenho uma boa razão para pegar o caminho mais fácil. Tenho uma boa razão para pegar o caminho mais fácil, agora. Ela era uma viajante diurna, bilhete só de ida, yeah! Demorei tanto para descobrir e eu descobri"
 
A canção é de John, com pequena participação de Paul. Entretanto é Paul quem começa cantando a canção, na primeira metade do verso, com John assumindo na parte final, que até poderia ser considerado como um refrão ("She was a day tripper, one way ticket, yeah, It took me so long to find out, and I found out,") mas não, é apenas a conclusão da mensagem do verso. O mesmo se repete nos outros dois versos, todos com letras diferentes. Uma ponte 'apenas' instrumental complementa a canção, entre os Versos 2 e 3. A aspas eu explico mais adiante! 
 
Nitidamente se fala de um interesse apenas sexual, que é uma provocadora, que só faz programas de uma noite ("She only plays one night stands"), talvez pagos, ou não. Há uma conotação com drogas (o 'trip' com ''one-way ticket' significaria uma viagem sem volta), também, mas por causa do SHE, optei apô-la na Classe Sexo. E, pra corroborar, a intenção do "She's a big teaser" era "She's a PRICK teaser", ou seja em vez de 'grande provocadora", seria "provocadora de pênis", os mais jovens entenderam o recado.  
 
Entretanto, mais que a letra, o mais impressionante dessa canção é a música. O espetacular riff de entrada, de apenas dois compassos, é criação de John mas execução perfeita de George, ao longo de toda a canção, acompanhando as mudanças de acorde, só interrompendo quando começa a seção 'refrão' dos versos. A entrada é antológica, em 10 compassos, nos dois primeiros apenas a guitarra de George, nos dois seguintes entra o baixo de Paul, e nos dois a seguir junta-se a guitarra rítmica de John, e também seu pandeiro (que vem em overdubs) e a partir do 7º compasso entra a bateria integral de Ringo, num crescendo instrumental sensacional. Paul entra cantando no tom da canção por 4 compassos depois muda nos quatro seguintes, e então entra John no "She was a day tripper" num terceiro acorde, menor. Nessa seção, George muda a batida com tocadas a cada um dos tempos do compasso, e Paul entra numa sequência de subidas e descidas com seu baixo até o final do verso. Note ali o pandeiro nervoso de John anunciando um segundo verso no mesmo esquema. 
 
Terminado o 2º Verso, os próximos 12 compassos se constituem no clímax da canção, que até merece este parágrafo de destaque, uma ponte instrumental e harmonizada vocalmente, estonteante! Ela começa com  três vezes o riff de guitarra num acorde superior ao normal, acompanhado do prato de Ringo, e notas em escadinha da guitarra de George, e nos últimos seis compassos, Paul e John harmonizam um crescente vocal que termina em mais pandeiros e pratos, de John e Ringo, e mais um solo de guitarra de George (que veio em overdubs, claro), tudo fenomenal. Entendeu as aspas que coloquei no 'apenas' lá em cima?  
O último verso vem com letras diferentes, mas com o detalhe do falsete de John no "it took me so-o-long". Finalmente, repete-se a introdução com os riffs de George agora com Paul e John harmonizando em '"Day tripper... day tripper yeah" em fade-out até o final! Eu já disse 'fenomenal'? Sim? Então, digo de novo. 
 
Tudo isso foi feito e 8,5 horas do dia 16 de outubro, terceiro dia de gravações para Rubber Soul, mas a metade desse tempo foi gasta em discussões sobre o arranjo, e quando ligaram os gravadores, tudo já estava decidido quanto à estrutura da canção e o que fariam na ponte instrumental. Foram necessários 3 takes até que saiu tudo perfeito, e aí partiram para os overdubs, dos vocais e das guitarras e do pandeiro, conforme descrito acima. Após as mixagens naturais, fizeram as gravações para um programa  de TV, A Música de Lennon/McCartney Foi o PRIMEIRO vídeo-clipe da história (LINK). Note como eles estão assim meio sem graça, cantando de mentirinha. Day Tripper foi tocada ao vivo nas excursões que se seguiram, a última na Inglaterra, em dezembro, a última 'mundial' (Japão e Filipinas), em junho/julho e a última americana, em agosto de 1966. 
 
Day Tripper saiu no dia 3 de dezembro de 1965 num compacto Duplo Lado A, o primeiro de uma série deles dos Beatles, juntamente com We Can Work It Out, direto para os topos das paradas no mundo todo. Como ilustração desta análise, deixo uma cópia do que os argentinos receberam quando compraram o compacto. Descobri isso quando comprei a coletânea 1, em 2000, quando mostraram como saíram os compactos em vários países.

 

Demais não!!??

2 comentários:

  1. Cara, a tradução de "Day Tripper" tá bem perdida no espanhol, né? Day tripper não é exatamente uma folga do trabalho, heheheh! Mas em termos de tradução, nada bate a música do Queen "Fat Bottomed Girls", que ficou como "Chicas Gorditas"!

    ResponderExcluir
  2. Não sabia dos Chicas Gorditas...Obrigada pela informação, Flávio.

    Quanto ao compacto dos Beatles...duas músicas maravilhosas. Me lembrei aqui de algo que li em 65. Então não tenho como me lembrar direito. Foi no jornal musical Music Echo. Eu tinha acabado de fazer a assinatura. E nem sabia inglês direito mas lia tudo usando um dicionário. Tudo mesmo, desde a primeira página.
    Li quando o compacto foi lançado. E o comentarista escreveu que não entendia por que os Beatles lançavam duas músicas espetaculares no mesmo disco. Para ele o lado B tinha de ser com música fraca! Disse que era um desperdício fazer aquilo, que ganhariam mais lançando Day Tripper depois como lado A. Que estariam deixando de faturar...

    Pois é, nem todos estavam mesmo preparados para The Beatles. Queriam que fossem como todos os demaais. Mas eles eram de outro nível!

    ResponderExcluir