Até chegar à explicação do título, um breve relato, afinal,
a forma foi inusitada.
Estava eu fazendo entregas do CD Primavera nos Dentes (banda
de meu filho que reviveu Secos&Molhados em novíssimas interpretações)
quando passo na baia de um velho amigo, da época em que fui gerente financeiro,
no início deste século, o Macena. Papo vai, papo vem, ele abre a estante dele e
de lá tira um livro, este da foto, abro e me espanto: na página inicial está
uma dedicatória do autor a mim! Que honra!! É que Macena fora ao lançamento do
livro desse amigo, e resolveu comprar um exemplar pra mim, que legal!!!
Agradeci e coloquei na fila!!
Conheci o Caminho de Santiago através da leitura de ‘Diário
de Um Mago’, primeiro livro de Paulo Coelho, que ninguém deu atenção, mas que
foi relançado com força somente após o estrondoso sucesso de ‘O Alquimista’, este simplesmente um dos 10 mais vendidos da
história da humanidade. Depois, sempre ouvi alguns relatos de quem se embrenhou
na empreitada, mas nunca havia me chegado às mãos um livro de um ser humano
comum com essa descrição. E após ler uns dois livros que estavam na fila,
embrenhei-me na leitura do relato. E gostei muito.
Começa com a história de Iago, apóstolo irmão de João, que
também virou São. De como suas peregrinações ultimaram com sua decapitação por
causa da palavras de Cristo, de como seu corpo foi encontrado centenas de anos
depois justamente na região de Compostela. De como Tiago é conhecido nos demais
países, de Iago a Jacob, do Saint Jacques francês, até parar no Saint James
inglês. Vejam que interessante (e isso minha filha alertou): o nome original é
Iago, depois que virou santo, Santo Iago, que com o uso virou Santiago, e, na
volta San Tiago, ora.
A seguir, conta como começaram as peregrinações e das diversas
lendas, algumas muito interessantes, inclusive de uma em que ele teria
incorporado um rei guerreiro em uma batalha que expulsou definitivamente os
mouros da Península Ibérica, mas 800 anos, eu digo OITOCENTOS ANOS, veja bem,
os mouros dominaram Portugal e Espanha por mais tempo que a história do
Brasil!!! Outra coisa interessante que minha filha me contou é que Cleópatra
está mais próxima da criação do MacDonalds do que da construção de Qéops,
Quéfren e Mikerinos!!! O tempo passa!!
Bem, por conta daquela incorporação vitoriosa, ele é conhecido por
Santiago Matamoiros!!! Adorei saber
nessa parte do livro da existência de expressões alternativas da crucificação,
uma delas com a cruz em formato Y, e outra tradicional, mas com um dos braços
de Cristo solto, já com a cravelha na mão, como se houvesse caído.
Depois, os preparativos, afinal deve-se escolher bem o tênis
e as meias que se usará ao longo de 800 km de caminhada. E colocar na mochila o
equilíbrio ideal entre coisas que se vai precisar, mas não tudo que é preciso,
pra não ficar muito pesado. E são 805 km porque ele escolheu o
caminho francês (só porque começa na França) mas é percorrido quase
integralmente no norte de Espanha. Há outros caminhos, menores e maiores, o
menor deles, pra ser considerado válido, e ganhar o ‘diploma’, é de 100 km . O maior deles fica a
critério do peregrino. Seja qual for, o Caminho de Santiago se enquadra entre
os três mais importantes rotas de peregrinação do Cristianismo, rivalizando com
Jerusalém, onde cristo morreu, e Roma, onde se instalou a sede da religião.
Aliás, é daí que surge o termo Romaria, ou peregrinação a Roma, veja só!
Quando começou a descrição da caminhada, achei que iria me
cansar da leitura, estava pronto para dar uma diagonal, mas, que nada! Li
tudinho! Foi ótimo acompanhar a rotina dos 30 dias, de 25 a 30 km por dia (ele contou de
gente que fez 50 km !!),
sempre acordando entre 5 e 6 da manhã, já com a mochila arrumada antes de
dormir, caminhar no escuro com o auxílio de lanternas de led, sentir o nascer
do Sol (sim, porque se caminha de Leste para o Oeste), parar para olhar pra
trás e observar a maravilha, comer um café e um croissant na primeira tienda
que abrir, parar a cada 8 ou 10
km para massagear os pés com Cataflan )para evitar
bolhas... nem sempre se consegue ... caminhar junto com outros peregrinos, ou
também sozinho, chegar ao destino programado para o dia, entre 2 e 3 da tarde,
hospedar-se, tomar aquele banho, lavar as roupas, deixar secando, ir conhecer a
localidade que pode ser desde uma metrópole de centenas de milhares de
habitantes até um vilarejo de 50 pessoas, mas com infraestrutura para receber o
peregrino, comer o ‘Menu do Peregrino’ (entrada, principal e sobremesa) ou
fazer a própria comida, reunir-se para beber uma cerveja e trocar experiências,
às vezes comer de novo de noite, despedir-se dos outros com um “Buen Camino
Tomorrow”, e voltar ao albergue antes das 10, quando tudo fecha, arrumar a
mochila para o dia seguinte, cair no sono
e ... por aí vai. Só senti falta de ele celebrar um momento especial:
aquele em que ele diria “A partir de agora, falta menos do que já foi", lá
pelo Km 402 da caminhada. Ou será que não percebi.
Conhecer muita gente, de todos os cantos do mundo, sim,
todos, e todas as raças, jovens velhos, mulheres, e em todos os esquemas, os
que levam a mochila num daqueles carrinhos, uns que caminham sem nada porque há
um carro esperando na próxima parada, havia um que peregrinou com o seu jegue,
desde a França (e ia voltar com ele!!) e os que desistiam no meio do caminho e
iam de ônibus o restante, cada qual com seus motivos para peregrinar,
agradecimento, autoconhecimento, promessas esperando uma graça, de tudo tinha, até mesmo, devoção!
Ao final, ganha seu diploma e volta pra casa uma pessoa
renovada, com gostinho de quero mais... Será¿