Quando meu amigo Flávio elogiou um conto da Renata, em que narra um episódio de um futuro
possível, e disse que se lembrou de uma situação semelhante vivida pelo pai num passado
real, e comentou sobre um livro dele que descrevia o episódio, pedi que mandasse o
link, veio um site de compras, com a sinopse, me interessei, encomendei,
chegou, li!
E adorei!
E adorei!
Chama-se ' A Linha Justa', de Miguel Armony...
Simplesmente, muito legal, não, bem mais que isso, eu diria essencial para sentir o
clima do país no últimos dois anos antes da revolução.
O livro começa com a narração de um episódio no fatídico 1
de abril 64, em que Miguel e companheiros estão aguardando armas para entrarem
em luta na Faculdade Nacional de Filosofia, onde estudava Física. Miguel seria
o instrutor, por conta de sua experiênica no exército de Israel, mas logo
viu que era uma fria colocar armas nas mãos de quem nunca atirou, e ele
candidamente descreve que desistiu e pegou um táxi pra ir pra casa. E as armas também não chegaram.
O cerne do livro é o período 1962/1964, mas a narrativa vai e volta,
cheguei a me perder um pouco, mas logo me acostumei. Ele prefere o estilo de ir
contando como certas pessoas e coisas evoluíram, ou mesmo como haviam começado,
qual o destino dos companheiros e professores e personagens que conheceu,
muitas que conhecemos de nome, com terminaram, algumas poucas desaparecidas
pela ditadura, outras que seguiram seu caminho, aqui ou exilados.
Ele conta que entrou no PCB mais para passar o tempo, ao
mesmo tempo com um pouco de ideologia por conta da miséria que via no país, as
idéias comunistas de igualdade certamente atraíam os jovens sensíveis, era
natural na época, conta como era o aliciamento dos jovens, ele mesmo fora
submetido ao processo sem perceber, até galgou alguns postos intermediários,
mas acabou por se desfiliar, no final de 63, até mesmo por conta da incongruência
de ser judeu em um partido comandado por Moscou, sendo a URSS uma nação que
perseguia os judeus.. A desfiliação não evitou que fosse interrogado, e preso, pelo temível general Montezuma. Mas seguiu sua vida como professor de Física.
Como eu disse antes, muitos são os nomes citados. Quando
terminei a leitura, notei o índice
onomástico de quase 6 páginas. Tirei uma foto do trecho que continha os dois campeões em citações,
coincidentemente aparecendo em 40 páginas cada um. Só ali dá pra notar o monte de gente que a gente conhece que foi citada no livro. Um dos campeões era o Carlos Lacerda que foi contra
Getúlio e foi contra Jango e depois foi contra a ditadura, enfim, se tivermos um
adjetivo que resumisse sua trajetória, não tenho dúvidas que seria ‘do contra’;
e o outro, Leonel Brizola, nacionalista ferrenho, de quem o autor foi sempre admirador, e não era pra menos, afinal sua luta pela posse de Jango,
seus discursos sempre inflamados e precisos, atraíam multidões, e ele transcreve
alguns trechos realmente impressionantes. O autor foi seguidor de Brizola
sempre, fez campanha pra ele em todas as ocasiões, mas admite:
“Ele foi brilhante nas suas apresentações, imbatível nos debates. Não
sei como aconteceu em alguns anos ter se tornado um político incoerente, capaz
de qualquer aliança que a ele trouxesse benefício político pessoal, às vezes
brilhante lúcido, às vezes sem conseguir articular uma idéia nova.
Durante anos, procurei esconder
minhas decepções com suas atitudes, falando como todos os brizolistas diziam, que
"ele sabe o que faz", "ele
chegar longe", "ele é um
estadista".
Até que não deu mais. Como é que
pode o grande líder guerreiro, o orador fascinante, ter se tornado em capaz de
organizar coisa alguma, brigando com quase todos os seus parceiros, expulsando
ou perdendo quadros importantes de seu partido?”
O livro passeia pelos movimentos do Brasil e do Mundo, tanto
da época, como antes e depois, tanto na política, na economia, na educação, mas
bem interessantes foram os que descreviam o comportamento das pessoas numa época pré revolução sexual. Ri muito
com a descrição de que as meninas eram divididas entre 'as que davam' e 'as que
não davam'. E discorre sobre as vestimentas femininas, sobre o hábito de fumar. E
conta da época dos bondes e da 'evolução' para um transporte pior. E conta
sobre os movimentos culturais, adorei a descrição de um trecho da peça
Formiguinho, de Arnaldo Jabor, veja só, em que Miguel tocava o violão e
dialogava com o personagem que deseja colocar uma porta no seu barraco e para
isso viaja o mundo inteiro para consegui-la. A transcrição é muito divertida...
Flávio pertence ao meu grupo que se reúne de vez em quando para falar sobre Beatles, então quando montei a prévia desta minha resenha, selecionei o texto abaixo para ilustrar como Miguel citava os eventos importantes, este aqui, já passado o dia fatal...
Pela dedicatória, concluí ser a dedicada uma testemunha dos fatos relatados no livro, fui ao índice onomástico e encontrei duas Elizabeths. Imagino tratar-se de Elizabeth Veiga, grande amiga de Réjane, que virou uma poetisa de renome, encontrei na internet refrências dela, mas com 's', conforme Miguel escreveu. A outra, Teixeira, era mãe de Pedro Paulo, menino de 11 anos morto com um tiro no rosto, cuja foto ficou estampada nos jornais da época e que marcou muito Miguel, inda mais porque os protestos vieram fortes, mas só dos esquerdistas, o pai dele era um camponês lutador, que também morreu no atentado. A direita, calada, afinal 'era filho de comunista'. A mãe do menino abraçou a causa e vive até hoje. O episódio inspirou o documentário 'Cabra Marcado para Morrer', de Eduardo Coutinho, aquele que morreu junto com a esposa, assassinado pelo filho, um tempo atrás, aqui no Rio de Janeiro.
Os acontecimentos frenéticos do início de 1964, mais especificamente os dos últimos dias, são de tirar o fôlego, e sua descrição passou bem o clima que o país viveu. Miguel faz esta espécie de conclusão do que ocorreu. Este não é o final do livro, mas creio importante ressaltar aqui:
Não conheci João Goulart pessoalmente. Mas fica a impressão de um homem bom, que gostaria que as coisas fossem mais simples. Jango assustou a classe média. Tomou várias decisões erradas não soube medir as forças que o cercava. Só não esteve à altura do momento que vivíamos, todos nós, dos simples nacionalistas a extrema esquerda, fomos cúmplices da mesma incapacidade e, juntos, levamos o país ao abismo.
Recomendo muito!
É história, ainda que com uma visão parcial e engajada, mas principalmente pessoal, e, portanto, não doutrinária.
Não vai fazer mal a ninguém!!
Na editora ainda tem
http://www.revan.com.br/ produto/A-LINHA-JUSTA-A- faculdade-Nacional-de- Filosofia-nos-anos-1962-1964- 240
E nos sebos tem alguns:
http://www.estantevirtual.com. br/b/miguel-armony/a-linha- justa-a-faculdade-nacional-de- filosofia-nos-anos-1962-1964/ 1540962923?q=A+linha+justa+ miguel+armony
É história, ainda que com uma visão parcial e engajada, mas principalmente pessoal, e, portanto, não doutrinária.
Não vai fazer mal a ninguém!!
Na editora ainda tem
http://www.revan.com.br/
E nos sebos tem alguns:
http://www.estantevirtual.com.
Já disse e vou repetir: fiquei muito emocionado com a sua resenha. De fato levá-lo para o show do Paul McCartney em 2010 foi muito emocionante para mim, ele já não andava muito bem de saúde e não sabíamos quanto tempo mais o teríamos por perto.
ResponderExcluirRecomendo esse livro para todos os que têm algum interesse pelo período histórico que ele retrata e posterior, na ditadura militar. Não há muitos relatos desta época, certamente não com essa riqueza de detalhes e com essa capacidade de transmitir o clima e o sentimento que pairavam no ar.
Obrigado.
Homerix,
ResponderExcluirSensacional e emocionante essa postagem. Que achado! A propósito, quem não sabe o que procura, não entende o que encontra. Ao folhear livros em livrarias e similares, quer pelo título ou por palavras-chave, em geral, sabemos o que estamos à busca, por vezes frustrantes por não atender expectativas. Esse é um caso é um exemplo exitoso.
Minha dor é perceber/ que apesar de termos feito tudo, tudo que fizemos/ ainda somos os mesmos e vivemos/...como os nossos pais...(Música cantada por Elis Regina, -- a mãe da cantora Maria Rita, para quem não souber) não sei a autoria. Tem tudo a ver com o momento atual, e até com os fãs dos Beatles - que cantavam um mundo melhor, mas que também foram usados pelo status quo...
ResponderExcluirHomerix,
ResponderExcluirMuito interessantes e oportunos os comentários da Carol. Sobre o usados pelo status quo, é verdade. Sobretudo os políticos de plantão. Lembra a dupla de sucesso no Peixe Ganso e Neymar visitando o Lula em Brasília? Isso me chocou e me irritou ao ver os meninos se renderem ao "líder", para colocar azeitona na empada dele. O próprio pré-sal foi exaltado como descoberta do Lula, que até ganhou nome de campo de petróleo. Sabemos que a descoberta do pré-sal em águas ultraprofundas foi o resultado do planejamento e das estratégias da Petrobras há décadas de trabalho sério e intenso. Coincidiu que a descoberta expressiva tivesse ocorrido durante o segundo termo do governo Lula. Daí a afirmar que a decoberta do pré-sal em águas ultraprofundas é resultado da sua gestão é agressão à inteligência da pessoas. É um caso aplicável ao que disse a Carol, usado pelo status quo...
Curioso, os políticos de plantão não tomaram a dianteira para usar o chucrute de 7x1 dos alemães em pleno Mineirão. Essa turma, em geral, gosta de aparecer nas festas. Imagine a festa (deles) se o Brasil tivesse sido campeão, O fato é que o grupo de jogadores do selecionado guardou conformidade com a qulidade dos políticos atuais, que nos levam a tomar 7x1 noutros setores também, sobretudo educação, saúde e segurança pública. Lamentável.