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terça-feira, 24 de maio de 2011

Fome como negócio

Crônica de uma Coincidência
Capítulo 1: A Fome na Música
Meu filho procura abastecer de coisas boas o rádio do meu carro. A última que me indicou é o último disco de Nação Zumbi, chamado 'Fome de Tudo', de 2007. O grupo é um fenômeno de percussão, metais, e guitarra, que sobreviveu à morte de seu criador Chico Science, em acidente de carro em 1997.
E 'Fome de Tudo' é envolvente. Você começa achando tudo meio estranho, mas vai gostando cada vez mais à medida que o disco avança. As letras são fortes e sem preocupação com rimas, mas funciona muito bem.
Numa das faixas, uma narração avisa: 
A história de um homem que fez da fome sua profissão e se tornou sua vítima... 
e aí entra a voz do tal homem, gutural:
"Aprendi uma nova profissão: 
o negócio é a fome... (é a fome)... (a fome)" 
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Capítulo 2: A Fome na Vida
No mesmo dia em que ouvi a canção, recebi pelo Facebook uma reportagem ainda da época do governo Lula, que fez do combate à fome uma bandeira:
A cena foi comovente.
O vice-presidente José Alencar preparava-se para plantar uma árvore em Brasília quando foi abordado por uma nissei de 65 anos e 1,60 m de altura.
Era manhã da quinta-feira, 6 de maio de 2007.
A mulher começou a mostrar fotografias de crianças esqueléticas, brasileiros com silhueta de etíopes, mas que tinham sido recuperadas com uma farinha barata e acessível, batizada de "multimistura".
Alencar marejou os olhos.
Pobre na infância no interior de Minas, o vice não conseguiu soltar uma palavra sequer.
Apenas deu um longo e apertado abraço naquela mulher, a pediatra Clara Takaki Brandão. Foi ela quem criou a multimistura, composto de farelos de arroz e trigo, folha de mandioca e sementes de abóbora e gergelim.
Foi esta fórmula que, nas últimas três décadas, revolucionou o trabalho da Pastoral da Criança, reduzindo as taxas de mortalidade infantil no País e ajudando o Brasil a cumprir as Metas do Milênio.
E o que a pediatra foi pedir ao vice-presidente?
Que não deixasse o governo tirar a multimistura da merenda das crianças.
Mais do que isso, ela pediu que o composto fosse adotado oficialmente pelo governo.
 
Clara já tinha feito o mesmo pedido ao ministro da Saúde, José Gomes Temporão - mas ele optou pelos compostos das multinacionais, bem mais caros, Mucilon, da Nestlé, e a farinha láctea, cujo mercado é dividido entre a Nestlé e a Procter & Gamble (é lógico, na multimistura não dá para embutir 10, 20 ou mais por cento tão presentes na licitações de muitos governos). O custo é 10 vezes mais caro que a multimistura.
Os compostos da multimistura têm até 20 vezes mais ferro e vitaminas C e B1 em relação à comida que se distribui nas merendas escolares de municípios que optaram por comprar produtos industrializados.
"O Temporão disse que não é obrigado a adotar a multimistura", lamenta Clara.  
Há duas semanas a energia elétrica da sala de Clara dentro do prédio do Ministério da Saúde foi cortada.  
Hoje, ela trabalha no escuro. 
Capítulo 3: Conclusão
Deixo a conclusão pra vocês. A fome é negócio de quem?

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