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terça-feira, 15 de março de 2011

Leitão com Dengue

A jornalista Miriam Leitão, da Globo e do Globo e da CBN e de muitos outros veículos descreve seu calvário no comabte à doença da picada. Em que pese pegar um pouco demais no pé da minha empresa, não posso negar a maestria de sua escrita, revelando detalhes impressionantes dos sintomas. Um bom alerta!




Acordei com fortes dores abdominais e um mal estar. Pensei que alguma coisa que eu comera na véspera não me fizera bem. Resolvi ficar sem comer e beber água: muita água. Achei que era alguma coisa intestinal.

Tomei seis copos grandes logo de cara. Passei o resto da manhã sem comer só bebendo água. Quando soube, dias depois, que eu estava com dengue, descobri que tinha feito a coisa certa. A doença desidrata rapidamente e repor líquido é fundamental.

A dor foi diminuindo ao longo da manhã, mas aí apareceu uma febre. Depois náusea. No meio da tarde eu estava com uma ligeira falta de ar. O corpo doía, mas eu achei que era só por causa da febre. Contei no twitter que não estava bem: um monte de mensagem carinhosa de volta - isso foi gostoso - e perguntas sobre o que tinha. Eu não sabia. Chamei de virose.

Liguei para o meu médico Luiz Lamy em pleno carnaval. Ele perguntou se o corpo estava doendo. Eu disse que não. Doía quando estava com febre, como normalmente acontece. Ele me passou novalgina para a febre e pediu para continuar ligando.

De noite a febre voltou várias vezes. E mesmo com a novalgina, a temperatura não voltava ao normal. No dia seguinte fiquei prostrada. Só conseguia comer sopinha de doente. E empurrando. Na boca um gosto amargo de quem está com problema de fígado.

Estava numa fazenda no interior de Minas. Tinha ido disposta a descansar um pouco; afinal não teria que ir à TV, a Globonews tinha me dado folga e na CBN eu voltaria a trabalhar só na quinta. Mas tinha que completar o trabalho de revisão do meu livro para mandar para a editora. Tinha que ler um livro escrito por economistas do Banco Central que haviam me pedido para escrever o prefácio. Tinha que rever o roteiro do Faz Diferença. Tudo com prazo para entregar depois do carnaval. Ah bom, a coluna tinha que ser feita todos os dias.

O problema é que assim que cheguei lá, essa montanha de sintomas despencou em mim. Na segunda não consegui sair da cama. Felizmente, o dia seguinte era dia da mulher e eu já tinha deixado a coluna pronta com um estudo que havia recebido na semana anterior.

Na terça, 8, estava um pouco melhor. Comecei a enfrentar as várias frentes de trabalho que tinha. Quando me sentia melhor revia o meu livro ou lia algum capítulo do livro do pessoal do BC. O problema é que eu tinha dificuldade de trabalhar. Até segurar um livro era peso demais. Na quarta à noite, vi que no meu braço esquerdo tinha uma área vermelha, quente e inchada. Liguei de novo para o médico, ele pediu que eu voltasse para o Rio porque queria fazer um exame melhor. Durante a noite, a febre voltou e a dor de cabeça ficou mais forte, constante. No twitter perguntavam se eu tinha melhorado e eu não tinha. Aliás, não tinha forças nem para responder.

Voltei na quinta cedo para o Rio, fui ao consultório do médico. Estava me sentindo melhor, tanto que brinquei:
-Estou tendo o maior fricote da minha vida. Nunca vi tanto sintoma junto.

Ele disse que fricote podia dar vários sintomas, mas não provocava febre. Pediu um exame se sangue para ser feito logo na manhã seguinte. Descobri depois que a dengue é uma doença assim: quando parece que vai melhorar e aí é o começo do pior momento. Durante a noite meu corpo doeu muito. O dorso do pé doía como se eu tivesse subido uma montanha gigante. A perna doía. As costas. Noite horrível. De manhã fui fazer o exame de sangue, andava me arrastando como se tivesse 90 anos.

O médico viu a resposta no laboratório no mesmo dia: o exame dera positivo para dengue. As plaquetas tinha caído a menos da metade do que eu tinha no último exame de sangue feito no check-up de rotina de todo começo de ano.

Aí começou um fim de semana torturante: dores pelo corpo, fraqueza, inapetência completa. A pele foi se avermelhando toda, queimava como se eu tivesse tomado sol do meio dia sem protetor. No final do sábado eu era um verdadeiro pele vermelha. O corpo vermelho, com bolinhas vermelhas. Durante a noite minha mão começou a coçar. Desesperadamente. No domingo foi o pior dia da dor de cabeça que começava nos olhos e se espalhava pela cabeça toda. O tilenol que eu havia passado a tomar, por ordem médica, não baixava a dor. Não conseguia me alimentar. Bebia líquidos os mais variados como o médico tinha me orientado a fazer. Mas fazia isso forçando.

Na segunda acordei um pouco melhor. Era o último dia do prazo do prefácio. Acabei de ler o livro do BC e escrevi o prefácio deitada. Eles gostaram. Mas de tarde piorei. Pedi substituição na coluna na terça e quarta. O prazo para entregar a revisão do meu livro tinha se esgotado. Precisava terminar. Juntei as últimas forças e terminei. À noite, receberia o prêmio Mulher Imprensa em São Paulo. Não conseguia ficar de pé. Impossível ir. Pedi à Monalisa Perroni que me representasse.

Na quarta, acordei às seis com o barulho de torpedo no meu celular. Peguei a mensagem e era o filho de um amigo: “Sereno, em paz, meu pai faleceu nesta madrugada". Meu amigo Sidnei Basile, a quem eu devia tanto, que tanto bem me fizera na vida profissional. Fui para o computador e escrevi um texto sobre ele para publicar no jornal. Escrevi chorando. Eu sou assim: quando ponho em palavras dói menos.

Liguei para o meu médico e disse que eu iria ao enterro e era em São Paulo. Ele desaconselhou. Eu avisei que seria uma violência maior não me despedir do Sidnei. Ele disse que eu poderia ir então, desde que fosse por etapas. O enterro seria no dia seguinte, eu então iria na quarta, dormiria em São Paulo e depois do velório deveria voltar imediatamente para a cama. Ele avisou que eu iria me sentir muito cansada. No aeroporto, entendi o que o médico tinha avisado. Sempre cheia de energia e, de repente, o corredor até o portão me pareceu longo demais. A mala estava levíssima e eu tive que pedir ajuda para por no bagageiro. Tive medo de desmaiar. Me sentia fraquíssima. Ouvi uma voz:
                 -Será que te perturbo sentando do seu lado?

Era Ricardo Gandour, um amigo jornalista. Respirei aliviada. Ele me ajudaria.

Meu marido, que estava viajando, foi para São Paulo me encontrar. Felizmente. Ao fim do velório me sentia a pessoa mais cansada do mundo. O cansaço que eu sentia era desproporcional ao esforço que eu tinha feito. Voltei ao hotel e desmontei sobre a cama. Meu corpo parecia pesar uma tonelada. Dormi três horas seguidas. Acordei com dor no corpo, ainda exausta. Escrevi a coluna deitada. Comi no quarto. Só no dia seguinte consegui voltar ao Rio.

Com Álvaro me ajudando na coluna consegui fazer os textos do fim de semana. Um deles vim escrevendo no avião. Mas qualquer esforço que eu fazia me deixava exausta. Ainda me sinto fraca hoje, 15 dias depois do primeiro sintoma.

Pedi a visita dos agentes de saúde. Eles não vieram. Uma outra pessoa que havia passado um tempo na minha casa apareceu com dengue também. Insisti com o pedido. A Gávea não é área de surto, não tinham pressa. Mas eu tinha. Vieram. Olharam tudo. Eu sou obsessiva com isso, sempre verifico qualquer água parada, cada cantinho. Eles não viram nenhum foco do Aedes, mas minha secretária tinha guardado uns mosquitos que matamos. Um deles era o da dengue. Não sei de onde ele veio.

Ele está no Rio inteiro, em toda parte. A cidade já teve 8.315 notificações, mais do que nos últimos dois anos. Felizmente, menos morte. Mas houve mortes, e até de um bebê. O Rio foi deixando acontecer, deixando, deixando. E hoje somos uma cidade que tem um surto pior a cada ano. O agente da Secretaria de Saúde prometeu o fumacê. Ainda não o vi. Me encho de repelente, entreguei um repelente para cada morador da casa. Vivo olhando em pânico qualquer mosquito que se aproxima.

Hoje fiz o terceiro exame de sangue. Tenho esperanças de que as plaquetas tenham voltado ao normal. Agora me sinto parte de uma tribo: os que tiveram dengue. Nós sabemos que a doença é devastadora, perigosa, dolorosa e pode ser fatal. Nós, os que já tiveram dengue, só não sabemos o que as autoridades pretendem fazer para evitar novo surto no ano que vem. Sou do grupo que tem medo, porque sabe o que é a dengue. Pensei muito nela nas longas horas do meu sofrimento.

2 comentários:

  1. Espero que vc ai no Rio nao vire um Homero DENGOSO Ventura, o que ela relata e isso mesmo, Eu e minha esposa tivemos dengue a 22 anos atras e na epoca eu falava que tinha levado uma surra do Mike Tyson de tanto era a dor no corpo, Boa sorte e protetor no corpo.
    Abs
    Igrejas

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  2. Impressionado, comenta o brilhante relato médico/jornalístico/profissionalístico e etc..ísticos. E as feministas ainda falam de cotas para mulheres, de falta de espaço. Bobeira, que é competente e responsável, em qualquer aparelho físico se firma e resolve suas tarefas.
    Paulus, assim pensa

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