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sábado, 25 de dezembro de 2004

Why Do I have To Keep Reading These Technical Manuals

Amigos, lá vamos nós novamente. Desta vez não falando de Beatles, ainda que de música. O motivo da mensagem chama-se Roger Waters.
Ouço, ao menos uma vez por ano, os discos dos Beatles e do Pink Floyd para manter a mente bem azeitada com música de primeira. Tenho o mesmo hábito também com um certo disco de Roger Waters, chamado Amused to Death lançado em 1992.
Para quem não sabe, Roger Waters foi o baixista do Pink Floyd. Mais que baixista, ele era o principal letrista do grupo. E bota principal nisso! Para vocês terem uma idéia, ele fez TODAS as letras de The Dark Side of The Moon, TODAS as letras de Wish You Were Here, TODAS as letras de Animals e TODAS as letras de The Wall (e, claro, mais de 90% das melodias). Melhor parar por aqui, só nos mais famosos álbuns. A contribuição letrista dos demais membros do grupo ficou lá no começo da carreira ou quando Roger “disbanded” em 1984. Nos álbuns desde então (somente 2), David Gilmour, o magnífico guitarrista, passou a ser o líder e principal letrista do grupo. Ah, justiça seja feita, o primeiro líder do Pink Floyd era outro Roger, porém conhecido como “Syd”, Barret, um guitarrista absolutamente lisérgico, que compunha canções com letras ingênuas e absolutamente interessantes, que, de tanta droga, acabou ficando maluco (como eles gostam de dizer, “slipped from reality”) e foi afastado pelo grupo. Há controvérsias, mas dizem que vive até hoje, num porão de Londres, totalmente alheio ao mundo, sustentado pelos direitos autorais antigos e por manobras de fãs, que arrecadam somas exorbitantes por qualquer coisa que possa ser associada a ele.
Bem, voltando ao outro Roger, sua carreira solo limita-se a 5 ou 6 discos, sendo Amused to Death o melhor deles, by far. Os fãs do Pink Floyd o posicionam, inclusive, como o 4º melhor disco da produção floydiana, misturando a carreira do grupo e as carreiras solo de todos os componentes. Como a maioria de suas obras, trata-se também de um álbum conceitual, ou seja, todas as músicas têm um pano de fundo, um mesmo fato gerador. As letras são políticas, irônicas, preocupantes, incitantes, aliás,  como sempre. Além disso, a melodia, que não costuma ser o forte dele em sua carreira solo, está surpreendentemente agradável. Roger ainda introduz muitos recursos, como sons de animais, gravações de depoimentos em rádio, sons de guerra, que complementam o conjunto magnificamente. A voz dele está meio rouca, mas o uso de backing vocals disfarça e dá conta do recado perfeitamente.
O objetivo maior desta mensagem é comentar sobre algumas pérolas das letras, que sempre me emocionam, quando ouço. O primeiro grande choque é logo na segunda faixa “What God Wants” em que ele deixa claro que tudo que acontece no planeta é porque Deus assim o quer, seja para o bem ou para o mal. Trechos:


What God wants God gets   God help us all
God wants goodness            God wants light
God wants mayhem          God wants a clean fight
       E depois:
God wants peace          God wants war
God wants famine          God wants chain stores
       E depois:
God wants voodoo         God wants shrines
God wants law   God wants organised crime
God wants crusade          God wants jihad
God wants good          God wants bad

    E assim vai! Claro que a letra tem mais do que isso, mas é melhor ouvi-la. E o arranjo é fenomenal!
 
O máximo, em minha opinião, vem a seguir, na música “Perfect Sense”, onde temos a pérola que dá título a esta mensagem. A letra relata, em sua Parte 1, a crise existencial de um macaco, na verdade o autor ou um outro ser humano qualquer. Arrepiem-se:
 
… There's an ounce of gold          And an ounce of pride in each ledger
And the Germans killed the Jews          And the Jews killed the Arabs
And the Arabs killed the hostages         And that is the news
And is it any wonder that the monkey's confused         He said Mama, the President's a fool
Why do I have to keep reading these technical manuals
And the joint chiefs of staff         And the brokers on Wall Street said
Don't make us laugh, you're a smart kid         Time is linear
Memory is a stranger         History is for fools
Man is a tool in the hands         Of the great God Almighty
And they gave him command of a nuclear submarine
And sent him back in search of the Garden of Eden


         A Parte 2 de “Perfetc Sense” começa com o ponto máximo de uma letra de Rock de todos os tempos (acho que exagero um pouco, mas é de arrepiar!) ...
Can't you see
It all makes perfect sense
Expressed in dollars and cents,
Pounds, shillings and pence
Can't you see
It all makes perfect sense
ou, em outras palavras, tudo no mundo é movido pelo dinheiro! Na continuação, há uma narração, feita por um narrador da NBA (de verdade) que descreve um “jogo” dentro de um estádio, entre o submarino nuclear (da Parte 1) e uma plataforma de petróleo, na verdade, descrevendo uma batalha desigual, pois a plataforma não tem como se defender, retratando como os donos do poder lidam com seus inimigos. A música termina com a repetição do Can´t you see..., cantada por todo o público do estádio. É de arrebentar!
          A seguir, em “The Bravery Of Being Out Of Range” ele relata a frieza de um atirador solitário, certamente inspirado nos horrores da Bósnia em que snipers proliferavam, matando mulheres e crianças a uma distância segura. Sintam:


You opened the suitcase         Behind the old workings
To show off the magnum         You deafened the canyon
A comfort a friend         Only upstaged in the end
By the Uzi machine gun         Does the recoil remind you
Remind you of sex         Old man what the hell you gonna kill next
Old timer, who you gonna kill next
     E depois:
We play the game         With the bravery of being out of range
We zap and maim         With the bravery of being out of range

Depois, em”Watching TV”, numa linda balada, ele relata a morte de uma estudante (“Yellow Rose”) no massacre da Tianamen Square (Praça da Paz Celestial). Começa por dizer como ela era, o que fazia, passa por extratos da história da Revolução Comunista de Mao Tse Tung, conta como Chang Kai-shek fugiu para Formosa e termina concluindo que sua “Yellow Rose” é diferente dos Astecas, dos Cherokees e outros executados ou massacrados da História, pois o mundo a viu morrer, ao vivo, pela TV.       É tocante:
 
We were watching TV                  Watching TV
We were watching TV                  Watching TV
In Tiananmen Square                  Lost my baby there
My yellow rose                  In her bloodstained clothes
She was a short order pastry chef         In a Dim Sum dive on the Yangtze tideway
She had shiny hair         She was the daughter of an engineer
Won't you shed a tear         For my yellow rose

                                                          E, no final:

And she is different from Cro-Magnon man        
She's different from Anne Boleyn
She is different from the Rosenbergs         And from the unknown Jew
She's different from the unknown Nicaraguan         Half superstar, half victim
She's a victor star, conceptually new         And she is different from the Dodo
And from the Kankanbono         She's different from the Aztec
And from the Cherokee         She's everybody's sister
She's symbolic of our failure         She's the one in fifty million
Who can help us to be free         Because she died on TV
And I grieve for my sister



Na irônica “It’s a Miracle”, desnecessário é comentar, pois a letra é auto-explicativa. Veja apenas, como é triste a imagem que temos lá pelas bandas (!) britânicas:



Miraculous you call it babe         You ain't seen nothing yet
They got Pepsi in the Andes         They got McDonalds in Tibet
Yosemite's been turned into a golf course For the Japs
And the Dead Sea is alive with rap         Between the Tigris and Euphrates
There's a leisure centre now         They got all kinds of sports
They got Bermuda shorts         They had sex in Pennsylvania
A Brazilian grew a tree         And a doctor in Manhattan
Saved a dying man for free

It's a miracle
It's a miracle
It's a miracle
Another miracle

Finalmente, na faixa título  “Amused to Death”, um relato triste de como a espécie  humana marcha para o fim, diagnóstico isento feito por antropólogos alienígenas:


The little ones sit by their TV screens         No thoughts to think
No tears to cry         All sucked dry
Down to the very last breath

Bartender what is wrong with me?         Why am I so out of breath?
The captain said excuse me ma'am         This species has amused itself to death
Amused itself to death
It has amused itself to death
Amused itself to death
                  
    E depois:
And when they found our shadows         Grouped 'round the TV sets
They ran down every lead         They repeated every test
They checked out all the data on their lists
And then, the alien anthropologists         Admitted they were still perplexed
But on eliminating every other reason         For our sad demise
They logged the only explanation left
This species has amused itself to death

Bem, há outras 8 faixas um pouco menos brilhantes que as acima, menos merecedoras deste meu esforço de interpretação e seleção, mesmo porque, acho que não vale mais a pena tomar vosso tempo.
Não precisa dizer que “ricomendo” adquirir o citado disco, ainda que seja difícil encontrá-lo. Se não estiverem a fim do investimento, posso emprestá-lo a quem desejar. Só me prometam que ouvirão no aconchego de sua casa, de preferência com fones de ouvido, lendo as letras no folheto e aproveitando que as crianças foram ao cinema. Certamente não é disco para acompanhar churrascos ou festas familiares  ... vão tomar vaia!




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