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quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Ian e Pedro




Original publicado em Novembro de 2005
    
   Um, escritor, o outro, diretor; um, inglês, o outro, espanhol; um, livro, o outro, filme; um, primeiro, o outro, último; um, da alma feminina, o outro, da alma masculina; um, no domingo, o outro, no sábado; um, morto, o outro, vivo.
Um, Fleming, o outro, Almodóvar.
O que teriam em comum as duas figuras? Nada, a não ser que eles fizeram parte integrante do meu fim-de-semana: Almodóvar, com seu último filme ‘Volver’ que assisti no sábado; Fleming, com seu primeiro livro sobre James Bond, ‘Casino Royale’, que acabei de ler no domingo. Na verdade, também ressaltou a antítese sexual entre os dois autores.
         Em ‘Volllllver’ (não se esqueçam de colar a língua no céu-da-boca, de forma a pronunciar corretamente o espanholllll!), Allllllmodóvar (idem) nos brinda com mais um belo filme. Sou admirador do trabalho do diretor, mesmo tendo assistido a apenas 2 filmes dele, antes deste. No pouco que vi, associado ao que ouvi falar, deu pra perceber que ele é um intérprete da alma feminina, sempre colocando mulheres em papéis fortes. Repete a dose em ‘Volver’: o universo é completamente feminino, desfilando dramas de 3 gerações de uma família, com os representantes masculinos tendo um papel rídiculo, tratando as mulheres de forma vil e sendo punidos por isto. O roteiro é cheio de mistérios que vão sendo elucidados lentamente, acabando tudo arrumadinho no final. Apesar do drama de fundo, o humor permeia ao longo de todo o filme e até mesmo uma citação escatológica, que normalmente não me provocaria o menor riso, é contada de forma tão singela que encanta. Uma verdadeira comédia surrealista. A completar, as magníficas atuações das atrizes: a veterana Carmen Maura, com olhares e expressões marcantes em seu misterioso papel; Lola Dueñas, desconhecida para mim, com uma simplicidade envolvente; e, surpresa das surpresas, a balzaquiana Penélope Cruz, vejam só! Estávamos acostumados a assistir a atuações canastronas nos filmes de Hollywood, com aquele rostinho delicado se contorcendo para falar um inglês macarrônico, com um sotaque espanhol ridículo. Aqui, Penélope está totalmente à vontade em sua língua pátria, dá um verdadeiro show, está deslumbrante como a filha, batalhadora humilde, com um passado traumático, enterrando e desenterrando cadáveres (literal ou figuradamente) em meio aos ventos do interior de Espanha. Parece que Penélope está de bem com a vida de ex-Tom Cruise. Vale o ingresso!
         Em Casino Royale, escrito em 1953, Fleming inaugura o personagem 007. Pois é, apesar de ter sido o primeiro livro, somente agora, no 21º filme da série, o primeiro do 21º século, os produtores resolvem fazer justiça ao livro. Casino Royale teve o nome maculado pela terrível paródia, filmada em 1967, cujo roteiro não tinha nada a ver com o livro. Naquele desastre, James Bond era interpretado por David Niven e tinha até filho (Jimmy Bond), interpretado por Woody Allen. Nada contra os magníficos atores, porém o filme era um ultraje. Mr. Fleming deve ter revirado no túmulo (morreu em 1964). Com a leitura do livro, preencho uma lacuna que tinha em minha trajetória de bondmaníaco: não poderia deixar em meu currículo a mácula de não ter lido o livro de estréia do maior agente secreto de todos os tempos (há controvérsias, mas como sou eu quem está escrevendo, falei e disse!). Fleming, ele mesmo, dizem, um agente secreto do governo inglês, na época da Grande Guerra, imaginou seu personagem com todas as qualidades que ele, talvez, gostaria de ter tido: implacável, sedutor, infalível. Não vou descrever aqui, o livro e sua história, deixo para que vejam o filme, a estrear aqui em breve. Ficarei apenas no desenhar de alguns traços do caráter, em dois trechos do livro.
•          Implacável: No capítulo inicial, Bond, ao retornar a seu quarto de hotel, verifica os pequenos detalhes que deixara ao sair, para certificar-se que nenhum intruso adentrara o recinto. Depois de deixar seu Colt 38 embaixo do travesseiro:
Then he slept, and with the warmth and humour of his eyes extinguished, his features relapsed into a taciturn mask, ironical, brutal, and cold.”
Magnífico Fleming, resumindo em poucas palavras, e em uma passagem sem ação, o caráter do espião.

•          Sedutor: Inconformado por ter como par em sua missão, uma mulher, Fleming conta o pensamento de Bond:
“And then there was this pest of a girl. Women were for recreation. On a job, they got in the way and fogged things up with sex and hurt feelings and all the emotional baggage they carried around. One had to look out for them and take care of them.”
Uau, nada mais machista que isso! Bem, depois, vocês verão no filme, ele tem confirmados os seus temores.  Assim era como Mr. Fleming via as mulheres. Ao longo de sua obra, as personagens invariavelmente acabam atuando nessa linha. 007 usava as Bond Girls conforme sua conveniência ou desejo, fazia o que bem queria, com algumas poucas exceções. Apenas nos roteiros mais recentes, não inspirados em livros de Fleming, elas ganham uma aura mais de força, objetividade, tornam-se parceiras reais, culminando com Halle Berry, em “Die Another Day “ 2003.
Ocorreu-me recentemente uma idéia sobre este último ponto: a origem do nome escolhido por Fleming para seu espião pode ter sido uma ironia inominável. O James Bond da realidade era um ornitólogo, célebre na comunidade científica britânica. Ele escrevia livros sobre pássaros! Pássaros, em inglês, é “birds”, nenhuma novidade nisso. Só que “birds” é a gíria britânica para garotas, os jovens saem à noite “to pick up some birds”. E nisso, o James Bond dos filmes era: um especialista em mulheres.

Esta eu não tirei de lugar nenhum!

3 comentários:

  1. É sempre muito prazeroso ler as suas crônicas. Mesmo sobre assuntos que eu acho que não são bem do meu gosto (desconfio ser o caso do ‘Vollllllllllllllll........ huf........llllllllllver’), delicio-me com as suas idas e vindas, sujeitas a uma virada de 90 graus quando menos se espera! Um verdadeiro passeio numa montanha russa!

    Quanto ao ornitólogo, confesso a minha ignorância e fui forçado e recorrer ao Aurélio (só após tal consulta vi que já conhecia o termo - É ÓBVIO, disse para mim mesmo ..........., de forma insistente, .......... até o meu autoconvencimento de que eu não poderia ser tão ignorante .... para não dizer outra coisa .... assim!)

    No mais, observei a omissão da vírgula em "um inglês" ....

    E toma 10!

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  2. Gracias amigo !! Cada vez mais brilhante !! Estás perdendo teu tempo com este negócio de petróleo!! Siga o caminho da Literatura, da critica literaria,musical, cinematografica ou assemelhadas !!

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  3. Homero
    Genial.
    Você já pensou em coletar suas crônicas e publicá-las? Quando isto acontecer vou estar na fila para colher seu autógrafo, com dedicatória e tudo, no meu exemplar!!!.
    Bertani

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