A maior Beatlemaníaca que conheço, Virgínia
Abreu de Paula, de Montes Claros - MG, tem registros de suas experiências nos
shows de Paul McCartney que assistiu.
Ofereci o espaço de meu blog para transcrevê-las!!
Enjoy!
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“I’ll be back” by Virginia de Paul(a)
Parte I - Abril de 2013.
Como em todas as tardes encontro-me num quarto de hospital onde
minha mãe se acha internada. Quadro triste. Ela está nos deixando
lentamente. A cada dia sentimos que a despedida se aproxima. Minha função
ali é estar com ela atenta ao menor sinal de problemas e, sendo o caso, chamar
os enfermeiros. Ela quase não fala...apenas cochila.
Eu leio os jornais diariamente. Naquela tarde, pego um deles
e logo vejo, em ponto grande, uma foto de Paul McCartney. O que estariam
falando sobre ele? O que leio é assustador...O jornal informa sua próxima vinda
para um show em Belo Horizonte. Relembro um acordo que fiz comigo quando aqui
ele veio pela primeira vez. “O Rio de Janeiro é longe. Se ele vier algum dia a
Belo Horizonte, eu irei.” Parecia estar selando um destino sem jamais ver um
dos seus shows, pois praticamente ninguém do calibre dele vinha a Minas Gerais.
Mas ali estava o anúncio de sua chegada, e eu não poderia cumprir o meu acordo.
Como deixar minha mãe naquele estado? Então, choro com pena de mim. Tanta
pena de mim...
Em casa o meu pensamento viaja. Revejo uma série de cenas de
minha mãe comigo tendo Paul como tema. Como quando convidou-me para ir à Belo
Horizonte porque “O filme HELP está em cartaz”. E fomos!
Escuto sua voz nos meses de junho sempre dizendo a mesma coisa. “O
aniversário de Paul está chegando. Não se esqueça de escrever para ele.” Em
69 ela fala suspirando “Que pena, Virginia...Ele se casou!” Em 70,
arrumando as malas para uma viagem a Londres, mostro a ela minha agenda com o
seu endereço, dizendo:. - “Eu vou lá...”. Ela fica chocada. ”Minha
filha, ele é um homem casado!” E eu: -”Mãe, ele é um artista e eu, uma
fã! Nada mais que isso”. No meu retorno vejo seu desapontamento
quando digo ter voltado sem conhecê-lo. “Ele estava na Escócia... Trouxe
folhas do seu jardim.” Seus olhos esverdeados brilham olhando as folhas.
Ao longo dos anos não era raro ouvi-la me chamando..."Corre
Virginia, Paul está no Fantástico". Outras vezes era eu quem a chamava
para ver comigo algum especial na minha sala. Ali vimos Give My Regards to
Broad Street. Tanta gente detestou esse filme. Pois eu e ela vimos tudo em
estado de graça. É verdade que achei o final pouco inspirado. Como era
tudo um sonho? Mas o sonho foi fantástico.
Virgínia, Suéter, Mãe |
E aquele dia que a encontrei chorando no corredor? "Ô Virginia, Linda morreu! O que será de Paul?" Pede desculpas. Por que mesmo? Enxugando as lágrimas, ela diz: - “Nunca tive coragem de te falar... você ficaria sentida comigo e com razão. Ela ficou com ele! Eu gostava de ver os dois cantando juntos. Me perdoe.” Epa, teria entendido certo? Parecia pensar que eu tinha alguma ilusão ...Tive vontade de dizer que minha “raiva” de Linda era por não ter se contentado em ser esposa. Tinha de subir nos palcos? Tinha de cantar com ele sem ter condições para isso? Paul tinha ficado “amazed” com ela o ajudando a cantar, se é que realmente pensava nela, como diz. Eu tinha ficado em estado de choque! O mais grave: era preciso ouvir sua voz se queria ouvir a de Paul, porque cantavam juntos. Parecia-me que ele e John tinham colocado as esposas em seus discos e shows numa competição entre eles. Era um problema dos dois e nós tínhamos de pagar por isso. Ficamos sem Lennon/McCartney, a mais perfeita parceria possível e nos deram Paul/Linda e John/Yoko. O quê? Brincadeira de péssimo gosto.
Eu reclamava em voz alta. “Tem alguém sobrando nesse
vídeo”. Ou: “Tem alguém fingindo tocar”. Mamãe ouvia e concluía: “Puro
ciúme”. Naquela tarde eu percebi isso. Poderia ter dito: “Mãe, eu não
tinha ciúmes de Jane Asher! Por que teria de Linda? Nem poderia.
Paul nunca me viu mais gorda na feira. Nunca foi meu pretendente. Além disso,
eu sou contra casamentos!” Mas preferi nada explicar. Revelar que me doía
ver um Beatle, antes impecável, apresentando um trabalho incolor devido à falta
de jeito da esposa, seria como contestar seu gosto.
Logo Paul! Nos idos tempos, ele não aceitava a presença de Stuart
Sutcliffe imposta por John. O baixista se apresentava de costas para não
notarem sua incompetência musical. Paul sabia que aquilo prejudicava a banda.
Pois fez o mesmo!
Dentro de mim algo dizia que mamãe sabia das falhas de Linda. Era
cantora e dirigia um grupo de serestas. Vai ver que, como muitos, achava “romântico”
ela com ele. Eu sentia “entojo”. Passavam para mim uma mensagem oposta à
dos Beatles, contestadores desde o início. –”Paul ficou ‘careta’!“,
diziam meus amigos. “Não, de jeito nenhum!”, eu protestava. Alguma coisa
nunca revelada teria feito com que optasse por tal imagem. Talvez em oposição
ao anticonvencionalismo de John e Yoko. “Por dentro continua sendo o
mais lindo homem do mundo”, pensava.
E Linda? John, pelo menos à princípio, tinha-a em
péssima consideração, mas penso ser exagero dele. John sendo John. Adorei
receber de presente seu livro de culinária vegetariana, e que tem, na capa, um
jogo de louça que nem um que temos aqui em casa e foi da vovó Lica. Gostava dos
bichos, como eu. “Vai ver que até seríamos amigas se a tivesse conhecido.
Temos duas coisas em comum: os animais e Paul!”
Naquela tarde, no corredor, eu apenas abracei mamãe
dizendo que rezaríamos juntas por eles. E rezamos. Assim que terminamos, ela dá
um suspiro e diz: “Ainda ontem ela andou à cavalo... Ô, gente. Paul está
viúvo. E os meninos?”
Para ela, Paul era como se fosse da família.
Certa vez, no seu aniversário, uma amiga comenta sobre os muitos familiares
fazendo anos em junho. Ela concorda e começa a citar os nomes. “Tem Antônio
no dia 13, tem Fabíola no dia 17, Paul no dia 18, eu no dia 19,
Feli no dia 20, Clarice no dia 21 João no dia 23 e Walmor no dia 24”.
A amiga então diz...”Não estou sabendo quem é Paul do dia 18. Quem é?”
Resposta: “Paul dos Beatles!” A amiga apenas sorriu...Não sei o
que pensou disso.
Voltamos a falar sobre ele em 2011, no dia 19
de junho, aniversário dela. Na cadeira de rodas, meio esquecida... lembra-se
que no dia anterior tinha sido o seu aniversário. Vejam o que falou-”Teria tido
muito gosto em ter Paul como genro...” Levo na brincadeira. “Um
excelente partido. E naquele tempo quando vimos 'A Hard Day’s Night' juntas...”
Ela me interrompe -”Você se apaixonou perdidamente por ele.” -”Eu e milhões
ao redor do mundo”. Completo: “-Queria dizer que nem fazia ideia de como
era sua personalidade. Era um Beatle! E que mais?” Pois agora sabemos que é
vegetariano como eu, que ama os animais como eu. Até estamos na mesma campanha
da Segunda Sem Carne. “Tinha tudo pra dar certo...” Solto uma
gargalhada. Mas ela falava à sério: .”Tinha mesmo...”. Minha alma sorri
com a lembrança, mas adormeço chorando!
Dia seguinte, entro na sala onde fica
uma foto de Paul emoldurada desde 1965. Olho para ele dizendo “Bad
timing, luv”. Dias depois, uma amiga procura me reanimar. “Ah, ele volta!”
Seria possível? Sabemos agora que sim. (Fim da primeira parte).
Virginia A. de Paul(a).
I’ll Be Back - by Virginia de Paul(a)
Parte II - keep on sending your love -
Ao ler a
notícia sobre Paul de volta ao Brasil, sinto tristeza. Não suportaria perder seu show mais uma vez e
não acreditava poder ir. Como diria
minha mãe, estava muito “serra acima”. Teria de vencer tantos obstáculos! Em conversa com fã americana ela me ordena: “Compre
a entrada. Se não der certo, não deu. Compre e procure ir. É um espetáculo
inesquecível”. Na minha resposta vou
escrevendo que falta companhia, falta saúde, grana curta...De repente, vejo
Paul na minha mente chegando. Completo a resposta dizendo que sim, eu me
empenharia. Pergunto no facebook: “Quem está indo?” Vem resposta da
Escócia. Uma prima, que ali mora, insiste que eu vá.
Um amigo me desanima. “Podemos ver tudo
tão bem nos DVDs! Bem melhor do que num estádio onde vemos de longe. Além
disso, é tempo de chuva!“ Verdade... Para poder ver Paul de perto, só mesmo
na pista e sem garantia. Pessoas nos empurram, eu sou pequenininha... Relembro
minha ida a São Paulo para ver o show da Anistia Internacional. Anos 80, eu jovem, bem disposta. Peguei o ônibus
para São Paulo sem precisar de companhia.
Fui sozinha para o estádio sem conhecer vivalma. Em pé o tempo todo. No início, vendo bem.
Logo aparecem mil pessoas altas na minha frente. Eu tinha de olhar pelo telão
de imagem longe da perfeição. Mesmo
assim gostei tanto! E teve aquela hora em que me empurraram para perto do
tapume. Não via nada do palco. Mas o bendito Sting de repente surgiu na minha
frente como um raio de sol. Ainda sinto arrepios... Sim, o certo seria na
pista. Mas não dou mais conta. Eu teria de ficar longe do palco, numa
cadeira, confortavelmente vendo Paul. Claro que valeria a pena!
Assusto ao saber que ele cantaria em
Vitória. Lembro-me de uma amiga que mora naquela cidade. Daisy. Também fã dele! Será que iria? “Não tenho mais seu
endereço e Vitória é tão longe!”, penso em voz alta. –“Mas Brasília não
é tão longe assim, tia”, diz Luciana me animando. Dez horas de ônibus. Chegaria com os pés inchados?– ”Lu, você
iria comigo?”–“Sim!” Viva, primeira dificuldade vencida. No mesmo dia,
passo um e-mail a um amigo de Brasília. Conto da minha vontade de ver o show.
Ele responde que sua esposa estava indo e agora, com minha presença, ele iria
também. Poderia ficar em casa deles. O que? Outro obstáculo vencido!
Então descubro algo terrível. Meu cartão de
crédito bloqueado. Vou ao banco, não sabem informar, dizem que
desbloqueariam... Os dias passam e o bloqueio permanece. Sem cartão, sem
possibilidade de comprar as entradas. Volto ao banco. Descobrem o motivo. Falta
de pagamento em setembro. Venho em casa, pego o comprovante, retorno ao banco.
Rejeitado. Por quê? “Você fez o pagamento, mas recebeu a mesma quantia de
troco, ” me informam. Loucura. Mas é o que dizia o comprovante. Faço novo
pagamento. –“Amanhã estará desbloqueado.”
Dia seguinte, permanece o bloqueio. –“Pode
haver uma demora de cinco dias úteis”, diz a simpática bancária. Seria tarde demais. Luciana não aguenta. “Precisam liberar
logo ou vamos perder o show do Paul McCartney!” A moça abre um sorriso. “Ah,
se eu pudesse iria também! Vou falar com o gerente”. Tudo acertado. Dia seguinte, cartão
liberado. Mais uma vitória!
Começo a dar
trabalho a amigos, pedindo dicas. Troco e-mails com Edcarlos. Ele responde a todos com sua gentileza
habitual. Participo de um bate papo no Beatles College com outros fãs querendo
ir. Todos estressados. Alice teme não conseguir. E seria um presente de
aniversário! 15 anos. Emocionante ver este senhor de 72 anos sendo tão querido
por jovens. Em 2013, a filha da mesma idade, de uma das minhas amigas, dana a chorar ao saber que os ingressos para o show de B.H estavam
esgotados. Conseguem para o de Goiânia.
Chega a terça. Ansiedade. Vivenciando algo
totalmente novo e espetacular: comprar ingresso para ver um show de Paul!
Muito treinamento antes. Treinamento para me
acalmar. Todos os receios chegando. E se eu não conseguir? E se venderem todos
antes da minha vez? E se eu não souber entrar no site? Ainda teria chances no dia seguinte. Estava tentando a pré-venda para os membros do
fã clube. Eu sou inscrita. Passo a noite acordada sem sono algum.
Ligação para a Uai.– ”Quero saber se
tenho direito a meia entrada em shows. Minha carteira não tem carimbo atestando
ser idosa. Vale?“ Sim, vale. Alívio.
A cada
minuto nova preocupação. E se acontecer
algo com ele? Xô neura. Respiro fundo, peço por limpeza, rezo por ele e por
nós. Lembro de um filme visto há tempos.
Meninas indo ao show dos Beatles conferindo se os ingressos estão mesmo nas
bolsas, de minuto a minuto. Estou que nem elas.
Coração de 17 anos. Corpo de 66. “E se eu não conseguir subir no
ônibus?”
Luciana descobre que a viagem de avião está
mais barata. Já estou cheia de pânicos,
seria só mais um, então tudo bem. Vamos de avião. -“Tia, voo lotado!” O
que? Negócio é ir logo comprar as passagens de ônibus. Onde? Qual é a
empresa? Vamos até a rodoviária. Fechada! “E se? E se? E se? ”
Dia seguinte, estamos com nossas passagens em
nossas mãos. Olho, incrédula, para
elas... Outro obstáculo vencido. Então,
no Facebook, descubro algo que me derruba. O pessoal do “Segunda Sem Carne” de
São Paulo estaria presente em todos os shows viajando com Paul. “Pare de ser
invejosa”, digo para mim, já roxa de inveja. É que eu sou da “Segunda Sem
Carne”. Lancei, com amigos, a campanha
em 2010. Fiz registro no site oficial.
Não me convidaram! Vejo a entrevista do Paul dizendo que a campanha está
crescendo, e que no Brasil tem em São Paulo... –“Paul, tem em Minas Gerais!”
Faço contato com o pessoal, com cuidado para não ser desentendida. Poderiam
imaginar que eu tencionava pegar carona com eles. Não seria nada mal um alô do
Paul, mas bem sabia que eram convidados e sem poder para tais decisões. Um recado para ele seria possível? Para que
soubesse da nossa existência? Por motivos deles, não sei quais, ignoram-me.
Lembro novamente da ida a São Paulo. O pessoal
da Anistia Internacional me recebendo de braços abertos. Noite de Chopp no Bar Tollo, no dia seguinte
ao show. Pessoal bem mais legal que
esse da Sociedade Vegetariana Brasileira. E se eu estivesse me boicotando? Se assim fosse, eu poderia boicotar a
viagem!
Chega uma novena de Santa Terezinha pelos
correios. Faço a novena. Pedido: remoção dos bloqueios. Uma novena diferente
que não pede sinal com presente de rosas. Mesmo assim, no último dia, eu peço
pelo sinal. Eis que Lita chega da rua com um bouquê de rosas amarelas. "Achei
no lixo...” “Eu vou! Obrigada, santinha!”.
Dia 20. Meus olhos começam a arder. Melhor
procurar um oftalmologista. -“Leve conjuntivite. Está nervosa? Fique
tranqüila ouvindo os Beatles...”Que belo conselho do Dr. Cláudio. Conto da viagem. - “E você vai sim! Leve
estes colírios...”.
Dia 21.
“Tia, no domingo você vai ver um Beatle! Já caiu a ficha?”–“Sim,
Luciana. E se eu passar mal? E se cair desmaiada na hora que ele aparecer no
palco? E se eu tiver de sair de maca? ‘Idosa desfalece ao ver Paul McCartney...’
Além do vexame ainda perco o show”. Começo a rir... mas por dentro sinto receio. Pois se perdi as forças quando vi José
Wilker! Olhando as rosas encontradas por Lita, eu recupero a confiança.
Dia 22 de novembro. Em preparo. Bem uns 20 anos sem viajar. Nem
sei mais como fazer malas! Penso em minha mãe. Sei que está feliz. Gostava
dele... Talvez tenha me ajudado, talvez esteja indo comigo! Nervosismo. Para melhorar vou de Rescue, gotas florais
de Bach. Entro no Facebook e quem vejo?
Paul! Tão lindo, andando de bicicleta, espalhando amor pelas ruas de Brasília.
Bateu aqui. Sinto a energia e respiro fundo.
Anoitece. Luciana ainda na fábrica. E se ela
atrasar? Não atrasa. Despeço-me de Lita
quase chorando. Às 19 h e 55 minutos entramos no ônibus. Não é leito! Como viajar dez horas assim?
Luciana coloca as sacolas e um travesseiro sob minhas pernas. Além disso, a
cadeira da frente está vazia. Coloco os pés para o ar apoiados nela. “É,
tia. Estamos indo mesmo!” O comentário de Luciana leva-me até 1970 quando,
sentada no avião para Londres, ouço um rapazinho dizendo a outro. “Estamos
indo mesmo!”. Dou-me conta que, desde
aquele dia, só agora sinto emoção parecida.
O ônibus começa a andar. Recordo um antigo sucesso de Milton
Nascimento. “Com a roupa encharcada e alma repleta de chão, todo o artista tem
de ir onde o povo está...” Paul faz assim. Com sua turnê “Out There” tem ido onde nós estamos... Nós,
o povo Beatle, seus fãs de tantas eras. Que presente! Fecho os
olhos, agradecida... O som da sua voz surge como que trazido pela brisa que bate
no meu rosto: “Keep on sending you love, cause in the heat of battle, you’ve
got something that could save us, save us now…ohhhhhhhhhh…”. Adormeço sorrindo.
Virginia A.
de Paul(a)
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I´ll Be Back - by Virginia de Paul(a)
Parte III - Até a Próxima - (I was nervous but I did it).
Chegamos a Brasília aos primeiros raios de sol. Meu amigo Geraldo nos recebe na rodoviária
com ar feliz. Vem me ajudar a descer do ônibus, mas não é que consigo sem
problemas? Que nem a outra passageira, também idosa e pequenininha, que desce
tranquilamente.
Clima fresco, céu azul clarinho. – “Mas vai chover”,
sentencia meu amigo. E conclui - “Comprei capa para nós.” Que
previdente!
Fazia tempos não
vinha a Brasília e como está linda! É porque Paul está aqui, em algum lugar,
penso sorrindo. Geraldo mora na Asa Sul, uma região tranqüila perto das
embaixadas. Linda e aconchegante casa com muito verde, e cachorrona simpática
no quintal. Ele só falta abrir um tapete vermelho para nossa entrada. Sua
esposa está no Rio. Bem que pensou em ir ao show, mas tinha um compromisso na “Cidade
Maravilhosa”. Seu enteado, Gustavo, está presente. Tomamos café, descansamos, almoçamos
num shopping Center com opções veganas.
Na volta, numa cochilada, vejo Paul assim que fecho os olhos. Ele diz: “Você
pode passar na frente.” Não entendi
bem, mas agradeço.
Saímos para o
Estádio Mané Garrincha às cinco horas. Chuva desabando. Cai mais forte quando
descemos do carro. Portões ainda fechados. -“Se você quiser desistir basta
pedir”,diz Geraldo. Não! Chegar até aqui e ir embora por causa da chuva?
Canto: “Rain, I don’t mind. The weather is fine.” Olho em volta sentindo
as vibrações. Apesar do temporal, estão todos com ar de felicidade. Logo
veríamos Paul McCartney! Mascates faturam vendendo capas de plástico. - “Apenas
dez reais. Vão gastar mais com a pneumonia!”
O clima é de sonho,
mas meia hora na chuva é demais. Os protestos começam e a fila,
finalmente, anda. E pára.
Parou por quê? O senhor na nossa
frente não pode entrar com o guarda chuva, e faz drama. “Meu guarda chuva
inglês! Se eu deixar aqui vão sumir com ele.” Acaba concordando.
Recomeçamos a
caminhada. Apresentamos os ingressos e seguimos. Uma simpática
moçoila se achega me dando um folheto: “É da campanha do Paul.” Ah, o
pessoal que me esnobou. Recebo o folheto dizendo:-“Segunda sem Carne! Eu sou
da campanha. Ela existe em Montes Claros, Minas Gerais. Diga para o Paul, por
favor.” Ela titubeia, sugere que eu procure outra pessoa, eu conto das
tentativas vãs feitas antes e insisto: –“Dê meu recado. Ele vai gostar de
saber que a campanha está crescendo”. Ela concorda. Geraldo comenta: - “Só
que não vai dar.” Bom, eu cumpri minha obrigação.
E agora? Sentar onde?
Ele prefere as cadeiras em frente ao palco. Longe! Decidimos pela lateral, não
tão perto quanto eu queria, mas com boa visão.
São seis horas. Melhor sair e ir ao banheiro. Luciana quer
comer algo. Eu tinha comido uma pera no carro. Estou sem fome, mas com frio,
porque fiquei molhada com a chuva. .Vejo uma banca onde vendem camisetas “Out
There”! Lindas! Luuh e eu escolhemos da preta. Visto a minha ali mesmo e o frio
some. Sinto-me como se Paul estivesse me abraçando.
Somos abordadas por
uma senhora: -“São da organização?” Confusão devido à camiseta com foto
de Paul. Continua: -“É que está faltando papel higiênico nos banheiros”.
Explico que não somos...com tanta vontade de ser! A conversa me lembra que
tinha saído para ir ao toalete. De fato
sem papel higiênico!
Voltamos aos nossos
lugares. Vejo um rosto conhecido. –“Mercês!”
Antiga contemporânea na escola. Peço
notícias de Leila, minha amiga beatlemaníaca sumida e também amiga dela. “–Está
aqui! Veio ao show” –“Onde?” Não a encontro, mas que bom saber que
está bem, embora viúva. E vendo Paul! Como seria bom estar a seu lado.
Geraldo recebe
chamada no celular. É do seu enteado na porta do estádio com o pai quase
desistindo de entrar devido à emoção. O
que? Fico sabendo quem é ele. Nos anos sessenta fazia parte de uma famosa
banda de rock da minha cidade: “Os Heremitas!” Ele não pode desistir! -
“Entramos”, informa Gustavo. Ufa.Luciana, Virgínia, Geraldo
Geraldo bate fotos
para a posteridade. Começo a me preocupar. E se eu me sentisse mal ao ver
Paul? Respiro fundo, procurando me
acalmar. Uma, duas, três vezes. Lembro de algo lido recentemente sobre o amor
verdadeiro. Diferente do efêmero, o amor verdadeiro não causa mal-estar algum. Traz
profunda paz. Mas meu amor por Paul não deve ser O verdadeiro. É amor por um
ídolo. Sei que mesmo aqueles famosos,
costumam sentir mal ao encontrar alguém que admiram. José Wilker contou, no Jô Soares,
o que sentiu ao ser apresentando a Sean Connery. O primeiro James Bond estava
sentado, e ao se levantar, não parava de
crescer, até virar um gigante na sua frente.
Ele esqueceu tudo que sabia de inglês. Ficou visivelmente nervoso sendo
salvo pelo próprio Sean Connery, que sentou-se a seu lado para que ele se
acalmasse. Para que se acostumasse com sua presença. Do contrário, como poderiam atuar juntos?
O show está
atrasado. Há movimentação dos técnicos, tocam músicas instrumentais de canções
dos Beatles, a chuva ainda cai na pista lotada. Mostram imagens nos telões.
Paul desde criança em Liverpool, depois com The Beatles, Wings, sua carreira
solo...
E então, de repente,
lá está ele no palco: Sir Paul McCartney.
Em carne e osso. A energia muda. O temor desaparece como por milagre.
Sinto-me em paz e incrivelmente alegre. Olho o palco e em seguida olho o telão. Mágico
telão. Alta tecnologia. Parece o próprio
Paul, não apenas imagem, em dois pontos gigantescos. Ele nos convida a
embarcar numa viagem mágica e
misteriosa “Roll up...roll up for the
mistery tour”. Aceito o convite. Embarco em êxtase. “Save us” é a segunda
música. Entro no embalo. Em seguida vem “All my loving” soando tão nova como se
de agora fosse. Duas do Wings:
“Listen to what the man said” e “Let me roll it”. Eu solto a voz: “I can’t
tell you what I feel, my heart is like a wheel…”E agora? “.Paperback
writer...writer....”Acho que vou voar. “My Valentine”, tão romântica. No telão
vemos Johnny Depp e Natalie Portman na linguagem de sinais. “I985!”Que música
boa! Das que mais gosto com Wings? “The Long and Winding Road…” vou chorar!
“Maybe I’m Amazed”, “I’ve just seen a face”, “We can work it out”
“Another Day”….vou cantando: “so sad, so sad, sometimes she feels so sad…”
É a vez de “And I love her”. Vendo Paul cantando essa
música no cinema, me apaixonei por ele
em 65! Meu inconsciente deve ter se
lembrado daquela tarde de janeiro, pois algo inexplicável se apodera de mim.
Sem planejar, vejo-me gritando do fundo do coração... -”Paul, I love you!”
Ele responde imediatamente, olhando para o lado onde estou: - “I love you
too!” Custo a crer. Teria imaginado coisas? Luciana confirma: -“Tia, ele ouviu!” Geraldo também confirma, com
surpresa no rosto. “Ele respondeu!”. Abro o coração e recebo seu amor.
Se antes já flutuava, agora vejo o show
em outra dimensão, em algum lugar assim como...o sétimo céu. Agora ele canta
“Blackbird”, um quase hino dos direitos civis. Arrepiante. Os arrepios
continuam ao ouvirmos “Here Today”,uma declaração de amor a John Lennon.
-“Essa canção é do meu novo CD”, diz em português.
É a deliciosa “New” seguida de “Queenie
Eye”, decorada por mim na véspera.
Letras tão fortes, tão poderosas! Ainda
no piano nos presenteia com “Lady Madonna”. Então vem música para a criançada.
Para todos nós, pois ninguém ali parece ter mais de 17. “All together Now”. Lá vamos nós: “One, two,
three, four, can I have a little more”.
Hora de “Lovely Rita”. Perfeita. Levanta-se para “Everybody Out
There” composta para nós. “Hey, everybody out there...” Ninguém fica de fora. Todos são incluídos numa unidade amorosa imensurável. Somos um só com ele e não apenas nessa
canção. Perco-me em seus movimentos.
Como é leve! Sobe e desce os degraus, às vezes correndo, para um lado e para o
outro, suavemente. Ao mesmo tempo, espalha faíscas elétricas. Aura visível em
sua volta, brilhante, surpreendente. “Ahhhh look at all the lonely People”...O que estou fazendo?
Uivando! “Eleanor Rigby” seguida de “Being for the benefit of Mr. Kite”. Cada
música pede gemido, ou suspiro, de preferência
gritos. Sem atrapalhar em nada, só nas horas certas.
“Something”. Momento
de ternura para George Harrison. Foto enorme deles juntos. Todos nós
embevecidos cantando: “I don’t know, IIIIII don’t know.” Vejo pessoas
chorando, se abraçando, se beijando... Muito amor. Afinal, Beatles é Amor. Paul
é Amor. Há algo místico no ar.
Então, a turma se
levanta para “Ob la di Ob la da”, “Band on the Run” e “Back on the USSR”.
Frenesi geral. Ele volta ao seu piano psicodélico e nos transporta para um
sonho: “Let it Be.” O ambiente se ilumina com as luzes dos celulares. 46.000 focos. Olho para o alto. O estádio
parece flutuar, transformando-se, magicamente, numa nave espacial que viaja pelo
universo. Os efeitos crescem ainda mais em “Live and Let Die”. Desde o início,
recebemos os mais belos efeitos de
luzes, cores, imagens, mas nessa
música suplantam tudo. Quem já viu sabe
o que quero dizer. Quem não viu ficará sem saber porque é impossível descrever.
Chega a ser... assustador. “Say live and let die...” A coisa “pega fogo”.
Labaredas sobem em explosões que chegam até aos céus. Um festival de luzes
nunca antes imaginado por mim. O povo
grita extasiado.
O delírio continua,
porque começa “Hey Jude”. Preciso falar
mais? O que pode ser mais espetacular do que cantar “na na na na na na na na” junto
com Paul? Que privilégio. Finda a música, ele deixa o palco. Luciana se
levanta. “Tia, acabou,” –”Não. Ele volta.” -“Acabou, tia,
vamos embora!” –“Ele volta”, digo confiante. Ele realmente volta com
sua impecável banda. Atacam com três rocks do jeito que adoro. “Day Tripper,
“Get Back”, “I saw her standing there”. Sai novamente. –“Tia, agora acabou
mesmo.” –“Ele volta”. Luciana começa a
pensar que a tia enlouqueceu de Beatlemania e Paulmania ao extremo.
Tudo escuro!” As
luzes se acendem e lá estão eles no palco sob urros gerais. “Yesterday”. Hora
de suspiros dobrados, de amor sem fim. Nem pisco olhando seu rosto. Como é
bonito! As fotos, vídeos e filmes não
mostram como ele é ao vivo. Sua suavidade, de repente, transforma-se em
ferocidade e sensualidade, ao dar início a “Helter Skelter”. Após total
ternura, nos joga o mais sujo rock já composto. Choques termais. Eu só posso
fazer uma coisa: Berrar! Onde estava aquela senhora que caminhava tremula com
medo de cair? Estava ali literalmente pulando e berrando....”and I see you
agaaaain…yeah yeah.yeah.” O estádio enlouquecido. Breve pausa para
recuperarmos o fôlego, pois lá vem dose cavalar de emoção. “Once there was a way…” “Golden
Slumbers”. Final da Abbey Road Medley. Aguenta coração. “Boy, you’re gonna
carry that weight…And in the end…the love you take is equal to the love you
make.” Delírio.
Agora sei que
acabou. Balões coloridos caem sobre nós. Vivo intensamente os últimos
instantes, as ultimas notas musicais, o brilho, a celebração, ele dizendo em
português: “Até a próxima!” Sim, Paul, até a próxima! Três horas tinham se
passado sem que eu notasse. Poderia ficar mais!
Vamos saindo. Vibrações
de felicidade chegam em ondas douradas. Agora é ir embora... mas onde está o
carro? Em lugar incerto e não sabido. Dois amigos de Luciana chegam e ajudam na
busca. Ouço uma voz infantil dizendo: “Mamãe, nós ficamos esse tempo todo
respirando o mesmo ar que Paul respirava!” Uma criança que entende das
coisas. Dou-me conta dessa graça ...eu respirando o mesmo ar que ele. Tanto
enlevo impede que me aborreça com a estranha situação do carro perdido. Após
uma hora de procura, o encontramos. Dia
seguinte caio em mim. Eu tinha visto Paul.
50 anos de espera. Vale chorar um
pouco.
A dona da casa chega
com a filha, no final da manhã. Quer saber como foi nossa noite com Paul. Temos
muito o que contar e rir. Gustavo
junta-se a nós. Seu pai tinha dançado,
cantado e levado baita susto no “Live and Let die”. Ambos curtiram ao máximo.
No jardim do Geraldo |
Chega a hora da
volta. Como agradecer tanta gentileza dos amigos, tantos presentes ofertados,
tanto calor humano? Eu tento.
Às 20 horas entramos
no ônibus. Tudo parece igual. Mesmas poltronas, mesma passageira pequenininha
sentada no mesmo lugar. Mas há duas diferenças: levo matula deliciosa oferecida
pelos amigos: Pão integral com berinjela ao molho. E levo o coração tranquilo e aquecido, pois
dentro dele está o amor gritado por Paul em resposta ao gritado por mim.
Agradecida, penso em minha mãe. Deve ter ajudado! Uai, e não é que o meu amor por ele é
verdadeiro? Pois fiquei todo o tempo em paz!
Muita alegria e paz.
Já cochilando, recordo aquele diálogo, um presente
inesperado dos céus:
Virginia -“Paul,
I love you!”
Paul - “I
love you too”.
Forever.