-

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

O Primeiro Macca ninguém esquece... by Virgínia de Paula


A maior Beatlemaníaca que conheço, Virgínia Abreu de Paula, de Montes Claros - MG, tem registros de suas experiências nos shows de Paul McCartney que assistiu. 

Ofereci o espaço de meu blog para transcrevê-las!!

Enjoy!

___________________________

“I’ll be back” by Virginia de Paul(a)

Parte I - Abril de 2013.  

Como em todas as tardes encontro-me num quarto de hospital onde minha mãe se acha internada. Quadro triste.  Ela está nos deixando lentamente. A cada dia sentimos que a despedida se aproxima.  Minha função ali é estar com ela atenta ao menor sinal de problemas e, sendo o caso, chamar os enfermeiros. Ela quase não fala...apenas cochila.

Eu leio os jornais diariamente.  Naquela tarde, pego um deles e logo vejo, em ponto grande, uma foto de Paul McCartney.  O que estariam falando sobre ele? O que leio é assustador...O jornal informa sua próxima vinda para um show em Belo Horizonte. Relembro um acordo que fiz comigo quando aqui ele veio pela primeira vez. “O Rio de Janeiro é longe. Se ele vier algum dia a Belo Horizonte, eu irei.” Parecia estar selando um destino sem jamais ver um dos seus shows, pois praticamente ninguém do calibre dele vinha a Minas Gerais. Mas ali estava o anúncio de sua chegada, e eu não poderia cumprir o meu acordo. Como deixar minha mãe naquele estado?  Então, choro com pena de mim. Tanta pena de mim...

Em casa o meu pensamento viaja.  Revejo uma série de cenas de minha mãe comigo tendo Paul como tema. Como quando convidou-me para ir à Belo Horizonte porque “O filme HELP está em cartaz”.  E fomos!   

Escuto sua voz nos meses de junho sempre dizendo a mesma coisa. “O aniversário de Paul está chegando. Não se esqueça de escrever para ele.” Em 69 ela fala suspirando “Que pena, Virginia...Ele se casou!”  Em 70, arrumando as malas para uma viagem a Londres, mostro a ela minha agenda com o seu endereço, dizendo:. - “Eu vou lá...”. Ela fica chocada.   ”Minha filha, ele é um homem casado!” E eu: -”Mãe, ele é um artista e eu, uma fã! Nada mais que isso”.   No meu retorno vejo seu desapontamento quando digo ter voltado sem conhecê-lo.  “Ele estava na Escócia... Trouxe  folhas do seu jardim.” Seus olhos esverdeados brilham olhando as folhas.

Ao longo dos anos não era raro ouvi-la me chamando..."Corre Virginia, Paul está no Fantástico".  Outras vezes era eu quem a chamava para ver comigo algum especial na minha sala. Ali vimos Give My Regards to Broad Street. Tanta gente detestou esse filme. Pois eu e ela vimos tudo em estado de graça.  É verdade que achei o final pouco inspirado. Como era tudo um sonho? Mas o sonho foi fantástico. 

Virgínia, Suéter, Mãe
Vendo o vídeo Beautiful Night, encantou-se  com seu suéter. Pegou os pontos e teceu algo bem parecido para mim.  Paul cooperou bastante. Ela conversava com ele.. "Vire de costas". -"Levante os braços". "-Chegue mais perto". Ele a atendia... O suéter me foi dado no meu aniversário. Lindo! 

E aquele dia que a encontrei chorando no corredor? "Ô Virginia,  Linda morreu! O que será de Paul?" Pede desculpas. Por que mesmo? Enxugando as lágrimas, ela diz: - “Nunca tive coragem de te falar... você ficaria sentida comigo e com razão. Ela ficou com ele! Eu gostava de ver os dois cantando juntos. Me perdoe.” Epa, teria  entendido certo?  Parecia pensar que eu tinha alguma ilusão ...Tive vontade de dizer que minha “raiva” de Linda era por não ter se contentado em ser esposa. Tinha de subir nos palcos? Tinha de cantar com ele sem ter condições para isso?   Paul tinha ficado “amazed” com ela o ajudando a cantar, se é que realmente pensava nela, como  diz. Eu tinha ficado em estado de choque! O mais grave: era preciso ouvir sua voz se queria ouvir a de Paul, porque cantavam juntos. Parecia-me que ele e John tinham colocado as esposas em seus discos e shows numa competição entre eles. Era um problema dos dois e nós tínhamos de pagar por isso. Ficamos sem Lennon/McCartney, a mais perfeita parceria possível e nos deram Paul/Linda e John/Yoko. O quê?  Brincadeira de péssimo gosto.  

 Eu reclamava em voz alta. “Tem alguém sobrando nesse vídeo”. Ou: “Tem alguém fingindo tocar”. Mamãe ouvia e concluía: “Puro ciúme”. Naquela tarde eu percebi isso. Poderia ter dito: “Mãe, eu não tinha ciúmes de Jane Asher! Por que teria de Linda?  Nem poderia.  Paul nunca me viu mais gorda na feira. Nunca foi meu pretendente. Além disso, eu sou contra casamentos!” Mas preferi nada explicar. Revelar que me doía ver um Beatle, antes impecável, apresentando um trabalho incolor devido à falta de jeito da esposa, seria como contestar seu gosto. 

  Logo Paul! Nos idos tempos, ele não aceitava a presença de Stuart Sutcliffe imposta por John. O baixista se apresentava de costas para não notarem sua incompetência musical. Paul sabia que aquilo prejudicava a banda. Pois fez o mesmo! 

  Dentro de mim algo dizia que mamãe sabia das falhas de Linda. Era cantora e dirigia um grupo de serestas. Vai ver que, como muitos, achava “romântico” ela com ele. Eu sentia  “entojo”. Passavam para mim uma mensagem oposta à dos Beatles, contestadores desde o início. –”Paul ficou ‘careta’!“, diziam meus amigos. “Não, de jeito nenhum!”, eu protestava. Alguma coisa nunca revelada teria feito com que optasse por tal imagem. Talvez em oposição ao anticonvencionalismo de John e Yoko.  “Por dentro continua sendo o mais lindo homem do mundo”, pensava. 

   E Linda? John, pelo menos à princípio, tinha-a em péssima consideração, mas penso ser exagero dele. John sendo John. Adorei receber de presente seu livro de culinária vegetariana, e que tem, na capa, um jogo de louça que nem um que temos aqui em casa e foi da vovó Lica. Gostava dos bichos, como eu. “Vai ver que até seríamos amigas se a tivesse conhecido. Temos duas coisas em comum: os animais e Paul!”

   Naquela tarde, no corredor, eu apenas abracei mamãe dizendo que rezaríamos juntas por eles. E rezamos. Assim que terminamos, ela dá um suspiro e diz: “Ainda ontem ela andou à cavalo... Ô, gente. Paul está viúvo. E os meninos?” 

     Para ela, Paul era como se fosse da família. Certa vez, no seu aniversário, uma amiga comenta sobre os muitos familiares fazendo anos em junho. Ela concorda e começa a citar os nomes. “Tem Antônio no dia 13, tem Fabíola  no dia 17, Paul no dia 18, eu no dia 19,  Feli no dia 20, Clarice no dia 21 João no dia 23 e  Walmor no dia 24”.  A amiga então diz...”Não estou sabendo quem é Paul do dia 18. Quem é?” Resposta: “Paul dos Beatles!”  A amiga apenas sorriu...Não sei o que pensou disso. 

   Voltamos a falar sobre ele  em 2011, no dia 19 de junho, aniversário dela. Na cadeira de rodas, meio esquecida... lembra-se que no dia anterior tinha sido o seu aniversário. Vejam o que falou-”Teria tido muito gosto em ter Paul como genro...” Levo na brincadeira. “Um excelente partido. E naquele tempo quando vimos 'A Hard Day’s Night' juntas...” Ela me interrompe -”Você se apaixonou perdidamente por ele.” -”Eu e milhões ao redor do mundo”. Completo: “-Queria dizer que nem fazia ideia de como era sua personalidade. Era um Beatle! E que mais?” Pois agora sabemos que é vegetariano como eu, que ama os animais como eu. Até estamos na mesma campanha da Segunda Sem Carne. “Tinha tudo pra dar certo...” Solto uma gargalhada. Mas ela falava à sério: .”Tinha mesmo...”. Minha alma sorri com a lembrança, mas adormeço chorando! 

    Dia seguinte, entro na sala onde fica uma foto de Paul emoldurada desde 1965. Olho para ele dizendo “Bad timing, luv”. Dias depois, uma amiga procura me reanimar. “Ah, ele volta!”  Seria possível?  Sabemos agora que sim. (Fim da primeira parte). 

Virginia A. de Paul(a).

 _______________________________

I’ll Be Back - by Virginia de Paul(a)

Parte II -           keep on sending your love -

Ao ler a notícia sobre Paul de volta ao Brasil, sinto tristeza.  Não suportaria perder seu show mais uma vez e não acreditava poder ir.   Como diria minha mãe, estava muito “serra acima”. Teria de vencer tantos obstáculos!  Em conversa com fã americana ela me ordena: “Compre a entrada. Se não der certo, não deu. Compre e procure ir. É um espetáculo inesquecível”.  Na minha resposta vou escrevendo que falta companhia, falta saúde, grana curta...De repente, vejo Paul na minha mente chegando. Completo a resposta dizendo que sim, eu me empenharia. Pergunto no facebook: “Quem está indo?” Vem resposta da Escócia. Uma prima, que ali mora, insiste que eu vá.

   Um amigo me desanima. “Podemos ver tudo tão bem nos DVDs! Bem melhor do que num estádio onde vemos de longe. Além disso, é tempo de chuva!“ Verdade... Para poder ver Paul de perto, só mesmo na pista e sem garantia. Pessoas nos empurram, eu sou pequenininha... Relembro minha ida a São Paulo para ver o show da Anistia Internacional.  Anos 80, eu jovem, bem disposta. Peguei o ônibus para São Paulo sem precisar de companhia.  Fui sozinha para o estádio sem conhecer vivalma.  Em pé o tempo todo. No início, vendo bem. Logo aparecem mil pessoas altas na minha frente. Eu tinha de olhar pelo telão de imagem longe da perfeição.  Mesmo assim gostei tanto! E teve aquela hora em que me empurraram para perto do tapume. Não via nada do palco. Mas o bendito Sting de repente surgiu na minha frente como um raio de sol. Ainda sinto arrepios... Sim, o certo seria na pista.  Mas não dou mais conta.  Eu teria de ficar longe do palco, numa cadeira, confortavelmente vendo Paul. Claro que valeria a pena!

   Assusto ao saber que ele cantaria em Vitória. Lembro-me de uma amiga que mora naquela cidade.  Daisy. Também fã dele!  Será que iria? “Não tenho mais seu endereço e Vitória é tão longe!”, penso em voz alta. –“Mas Brasília não é tão longe assim, tia”, diz Luciana me animando. Dez horas de ônibus.  Chegaria com os pés inchados?– ”Lu, você iria comigo?”–“Sim!” Viva, primeira dificuldade vencida. No mesmo dia, passo um e-mail a um amigo de Brasília. Conto da minha vontade de ver o show. Ele responde que sua esposa estava indo e agora, com minha presença, ele iria também. Poderia ficar em casa deles. O que? Outro obstáculo vencido!

  Então descubro algo terrível. Meu cartão de crédito bloqueado. Vou ao banco, não sabem informar, dizem que desbloqueariam... Os dias passam e o bloqueio permanece. Sem cartão, sem possibilidade de comprar as entradas. Volto ao banco. Descobrem o motivo. Falta de pagamento em setembro. Venho em casa, pego o comprovante, retorno ao banco. Rejeitado. Por quê? “Você fez o pagamento, mas recebeu a mesma quantia de troco, ” me informam. Loucura. Mas é o que dizia o comprovante. Faço novo pagamento. –“Amanhã estará desbloqueado.”

   Dia seguinte, permanece o bloqueio. –“Pode haver uma demora de cinco dias úteis”, diz a simpática bancária.  Seria tarde demais.  Luciana não aguenta. “Precisam liberar logo ou vamos perder o show do Paul McCartney!” A moça abre um sorriso. “Ah, se eu pudesse iria também! Vou falar com o gerente”.  Tudo acertado. Dia seguinte, cartão liberado.  Mais uma vitória! 

Começo a dar trabalho a amigos, pedindo dicas. Troco e-mails com Edcarlos.  Ele responde a todos com sua gentileza habitual. Participo de um bate papo no Beatles College com outros fãs querendo ir. Todos estressados. Alice teme não conseguir. E seria um presente de aniversário! 15 anos. Emocionante ver este senhor de 72 anos sendo tão querido por jovens. Em 2013, a filha da mesma idade, de uma das minhas amigas,  dana a chorar ao saber que os ingressos para o show de B.H estavam esgotados.  Conseguem para o de Goiânia.

  Chega a terça. Ansiedade. Vivenciando algo totalmente novo e espetacular: comprar ingresso para ver um show de Paul!

   Muito treinamento antes. Treinamento para me acalmar. Todos os receios chegando. E se eu não conseguir? E se venderem todos antes da minha vez? E se eu não souber entrar no site?  Ainda teria chances no dia seguinte.  Estava tentando a pré-venda para os membros do fã clube. Eu sou inscrita. Passo a noite acordada sem sono algum.

  Seis horas da manhã. Acordo Luciana para fazer a compra para mim. Caminho sem parar pelo corredor. –“Tia, comprei!“ Lágrimas descem pelo meu rosto.  Quarto obstáculo vencido. Ligo para Geraldo. –“Comprou inteira? Mas Vija, somos idosos. Temos direito a meia entrada!” Eu disso não sabia. E agora?  Tudo resolvido. Ele compra no estádio.  Começa a peleja para cancelar os ingressos comprados na Tudos. E se Geraldo perder os ingressos?  “Estão presos com um imã no computador. Seguros. Pode cancelar”. E se não aceitarem minha identidade? E se eu for barrada na porta?”–“Tia, o que é isso? Relaxe!

   Ligação para a Uai.– ”Quero saber se tenho direito a meia entrada em shows. Minha carteira não tem carimbo atestando ser idosa.  Vale?“ Sim, vale. Alívio.

A cada minuto nova preocupação.  E se acontecer algo com ele? Xô neura. Respiro fundo, peço por limpeza, rezo por ele e por nós.  Lembro de um filme visto há tempos. Meninas indo ao show dos Beatles conferindo se os ingressos estão mesmo nas bolsas, de minuto a minuto. Estou que nem elas.  Coração de 17 anos. Corpo de 66. “E se eu não conseguir subir no ônibus?

    Luciana descobre que a viagem de avião está mais barata.  Já estou cheia de pânicos, seria só mais um, então tudo bem. Vamos de avião. -“Tia, voo lotado!” O que? Negócio é ir logo comprar as passagens de ônibus. Onde? Qual é a empresa?  Vamos até a rodoviária.  Fechada! “E se? E se? E se?

   Dia seguinte, estamos com nossas passagens em nossas mãos.  Olho, incrédula, para elas... Outro obstáculo vencido.  Então, no Facebook, descubro algo que me derruba. O pessoal do “Segunda Sem Carne” de São Paulo estaria presente em todos os shows viajando com Paul. “Pare de ser invejosa”, digo para mim, já roxa de inveja. É que eu sou da “Segunda Sem Carne”.  Lancei, com amigos, a campanha em 2010.  Fiz registro no site oficial. Não me convidaram! Vejo a entrevista do Paul dizendo que a campanha está crescendo, e que no Brasil tem em São Paulo... –“Paul, tem em Minas Gerais!” Faço contato com o pessoal, com cuidado para não ser desentendida. Poderiam imaginar que eu tencionava pegar carona com eles. Não seria nada mal um alô do Paul, mas bem sabia que eram convidados e sem poder para tais decisões.  Um recado para ele seria possível? Para que soubesse da nossa existência? Por motivos deles, não sei quais, ignoram-me.

 Lembro novamente da ida a São Paulo. O pessoal da Anistia Internacional me recebendo de braços abertos.  Noite de Chopp no Bar Tollo, no dia seguinte ao show.   Pessoal bem mais legal que esse da Sociedade Vegetariana Brasileira. E se eu estivesse me boicotando?   Se assim fosse, eu poderia boicotar a viagem!

   Chega uma novena de Santa Terezinha pelos correios. Faço a novena. Pedido: remoção dos bloqueios. Uma novena diferente que não pede sinal com presente de rosas. Mesmo assim, no último dia, eu peço pelo sinal. Eis que Lita chega da rua com um bouquê de rosas amarelas. "Achei no lixo...” “Eu vou! Obrigada, santinha!”.

  Dia 20. Meus olhos começam a arder. Melhor procurar um oftalmologista. -“Leve conjuntivite. Está nervosa? Fique tranqüila ouvindo os Beatles...”Que belo conselho do Dr. Cláudio.  Conto da viagem. - “E você vai sim! Leve estes colírios...”.

   Dia 21.  “Tia, no domingo você vai ver um Beatle! Já caiu a ficha?”–“Sim, Luciana. E se eu passar mal? E se cair desmaiada na hora que ele aparecer no palco? E se eu tiver de sair de maca? ‘Idosa desfalece ao ver Paul McCartney...’ Além do vexame ainda perco o show”. Começo a rir...  mas por dentro sinto receio.  Pois se perdi as forças quando vi José Wilker! Olhando as rosas encontradas por Lita, eu recupero a confiança.

  Dia 22 de novembro.  Em preparo. Bem uns 20 anos sem viajar. Nem sei mais como fazer malas! Penso em minha mãe. Sei que está feliz. Gostava dele... Talvez tenha me ajudado, talvez esteja indo comigo! Nervosismo.   Para melhorar vou de Rescue, gotas florais de Bach.  Entro no Facebook e quem vejo? Paul! Tão lindo, andando de bicicleta, espalhando amor pelas ruas de Brasília. Bateu aqui. Sinto a energia e respiro fundo.

   Anoitece. Luciana ainda na fábrica. E se ela atrasar?  Não atrasa. Despeço-me de Lita quase chorando. Às 19 h e 55 minutos entramos no ônibus.  Não é leito! Como viajar dez horas assim? Luciana coloca as sacolas e um travesseiro sob minhas pernas. Além disso, a cadeira da frente está vazia. Coloco os pés para o ar apoiados nela. “É, tia. Estamos indo mesmo!” O comentário de Luciana leva-me até 1970 quando, sentada no avião para Londres, ouço um rapazinho dizendo a outro. “Estamos indo mesmo!”.  Dou-me conta que, desde aquele dia, só agora sinto emoção parecida.

 O ônibus começa a andar.  Recordo um antigo sucesso de Milton Nascimento. “Com a roupa encharcada e alma repleta de chão, todo o artista tem de ir onde o povo está...” Paul faz assim. Com sua turnê  “Out There” tem ido onde nós estamos... Nós, o povo Beatle, seus fãs de tantas eras. Que presente! Fecho os olhos, agradecida... O som da sua voz surge como que trazido pela brisa que bate no meu rosto: “Keep on sending you love, cause in the heat of battle, you’ve got something that could save us, save us now…ohhhhhhhhhh…”. Adormeço sorrindo.

Virginia A. de Paul(a)

__________________________________

I´ll Be Back -  by Virginia de Paul(a)

Parte III - Até a Próxima - (I was nervous but I did it).

Chegamos a Brasília aos primeiros raios de sol.  Meu amigo Geraldo nos recebe na rodoviária com ar feliz. Vem me ajudar a descer do ônibus, mas não é que consigo sem problemas? Que nem a outra passageira, também idosa e pequenininha, que desce tranquilamente. 

Clima fresco, céu azul clarinho. – “Mas vai chover”, sentencia meu amigo. E conclui - “Comprei capa para nós.” Que previdente!

   Fazia tempos não vinha a Brasília e como está linda! É porque Paul está aqui, em algum lugar, penso sorrindo. Geraldo mora na Asa Sul, uma região tranqüila perto das embaixadas. Linda e aconchegante casa com muito verde, e cachorrona simpática no quintal. Ele só falta abrir um tapete vermelho para nossa entrada. Sua esposa está no Rio. Bem que pensou em ir ao show, mas tinha um compromisso na “Cidade Maravilhosa”. Seu enteado, Gustavo, está presente. Tomamos café, descansamos, almoçamos num shopping Center com opções veganas.  Na volta, numa cochilada, vejo Paul assim que fecho os olhos. Ele diz: “Você pode passar na frente.”  Não entendi bem, mas agradeço.

  Saímos para o Estádio Mané Garrincha às cinco horas. Chuva desabando. Cai mais forte quando descemos do carro. Portões ainda fechados. -“Se você quiser desistir basta pedir”,diz Geraldo. Não! Chegar até aqui e ir embora por causa da chuva? Canto: “Rain, I don’t mind. The weather is fine.” Olho em volta sentindo as vibrações. Apesar do temporal, estão todos com ar de felicidade. Logo veríamos Paul McCartney! Mascates faturam vendendo capas de plástico. - “Apenas dez reais. Vão gastar mais com a pneumonia!

  O clima é de sonho, mas meia hora na chuva é demais. Os protestos começam e a fila, finalmente,  anda.  E pára.   Parou por quê?  O senhor na nossa frente não pode entrar com o guarda chuva, e faz drama. “Meu guarda chuva inglês! Se eu deixar aqui vão sumir com ele.” Acaba concordando.

  Recomeçamos a caminhada.  Apresentamos os ingressos e seguimos. Uma simpática moçoila se achega me dando um folheto: “É da campanha do Paul.” Ah, o pessoal que me esnobou. Recebo o folheto dizendo:-“Segunda sem Carne! Eu sou da campanha. Ela existe em Montes Claros, Minas Gerais. Diga para o Paul, por favor.” Ela titubeia, sugere que eu procure outra pessoa, eu conto das tentativas vãs feitas antes e insisto: –“Dê meu recado. Ele vai gostar de saber que a campanha está crescendo”. Ela concorda. Geraldo comenta: - “Só que não vai dar.” Bom, eu cumpri minha obrigação.

 E agora? Sentar onde? Ele prefere as cadeiras em frente ao palco. Longe! Decidimos pela lateral, não tão perto quanto eu queria, mas com boa visão.

 São seis horas.  Melhor sair e ir ao banheiro. Luciana quer comer algo. Eu tinha comido uma pera no carro. Estou sem fome, mas com frio, porque fiquei molhada com a chuva. .Vejo uma banca onde vendem camisetas “Out There”! Lindas! Luuh e eu escolhemos da preta. Visto a minha ali mesmo e o frio some. Sinto-me como se Paul estivesse me abraçando.

 Somos abordadas por uma senhora: -“São da organização?” Confusão devido à camiseta com foto de Paul. Continua: -“É que está faltando papel higiênico nos banheiros”. Explico que não somos...com tanta vontade de ser! A conversa me lembra que tinha saído para ir ao  toalete. De fato sem papel higiênico!

 Voltamos aos nossos lugares.  Vejo um rosto conhecido. –“Mercês!” Antiga contemporânea na escola.  Peço notícias de Leila, minha amiga beatlemaníaca sumida e também amiga dela. “–Está aqui! Veio ao show” –“Onde?” Não a encontro, mas que bom saber que está bem, embora viúva. E vendo Paul! Como seria bom estar a seu lado.

 Geraldo recebe chamada no celular. É do seu enteado na porta do estádio com o pai quase desistindo de entrar devido à emoção.  O que?  Fico sabendo quem é ele.  Nos anos sessenta fazia parte de uma famosa banda de rock da minha cidade: “Os Heremitas!” Ele não pode desistir! - “Entramos”, informa Gustavo. Ufa.

Luciana, Virgínia, Geraldo

  Geraldo bate fotos para a posteridade. Começo a me preocupar. E se eu me sentisse mal ao ver Paul?  Respiro fundo, procurando me acalmar. Uma, duas, três vezes. Lembro de algo lido recentemente sobre o amor verdadeiro. Diferente do efêmero, o amor verdadeiro não causa mal-estar algum. Traz profunda paz. Mas meu amor por Paul não deve ser O verdadeiro. É amor por um ídolo.  Sei que mesmo aqueles famosos, costumam sentir mal ao encontrar alguém que admiram. José Wilker contou, no Jô Soares, o que sentiu ao ser apresentando a Sean Connery. O primeiro James Bond estava sentado, e ao se levantar, não parava de crescer,  até virar um gigante na  sua frente.  Ele esqueceu tudo que sabia de inglês. Ficou visivelmente nervoso sendo salvo pelo próprio Sean Connery, que sentou-se a seu lado para que ele se acalmasse. Para que se acostumasse com sua presença.  Do contrário, como poderiam atuar juntos?

  O show está atrasado. Há movimentação dos técnicos, tocam músicas instrumentais de canções dos Beatles, a chuva ainda cai na pista lotada. Mostram imagens nos telões. Paul desde criança em Liverpool, depois com The Beatles, Wings, sua carreira solo...

  E então, de repente, lá está ele no palco: Sir Paul McCartney.  Em carne e osso. A energia muda. O temor desaparece como por milagre. Sinto-me em paz e incrivelmente alegre.  Olho o palco e em seguida olho o telão. Mágico telão. Alta tecnologia.  Parece o próprio Paul, não apenas imagem, em dois pontos gigantescos. Ele nos convida a embarcar  numa viagem mágica e misteriosa  “Roll up...roll up for the mistery tour”. Aceito o convite. Embarco em êxtase. “Save us” é a segunda música. Entro no embalo. Em seguida vem “All my loving” soando tão nova como se de agora fosse. Duas do Wings: “Listen to what the man said” e “Let me roll it”. Eu solto a voz: “I can’t tell you what I feel, my heart is like a wheel…”E agora? “.Paperback writer...writer....”Acho que vou voar. “My Valentine”, tão romântica. No telão vemos Johnny Depp e Natalie Portman na linguagem de sinais. “I985!”Que música boa! Das que mais gosto com Wings? “The Long and Winding Road…” vou chorar!  “Maybe I’m Amazed”, “I’ve just seen a face”, “We can work it out” “Another Day”….vou cantando: “so sad, so sad, sometimes she feels so sad…

  É a vez  de “And I love her”. Vendo Paul cantando essa música no cinema,  me apaixonei por ele em 65!   Meu inconsciente deve ter se lembrado daquela tarde de janeiro, pois algo inexplicável se apodera de mim. Sem planejar, vejo-me gritando do fundo do coração... -”Paul, I love you!” Ele responde imediatamente, olhando para o lado onde estou: - “I love you too!” Custo a crer. Teria imaginado coisas? Luciana confirma: -“Tia, ele ouviu!” Geraldo também confirma, com surpresa no rosto. “Ele respondeu!”. Abro o coração e recebo seu amor. Se antes já flutuava,  agora vejo o show em outra dimensão, em algum lugar assim como...o sétimo céu. Agora ele canta “Blackbird”, um quase hino dos direitos civis. Arrepiante. Os arrepios continuam ao ouvirmos “Here Today”,uma declaração de amor a John Lennon.

-“Essa canção é do meu novo CD”, diz em português. É a deliciosa “New” seguida de “Queenie Eye”, decorada por mim na véspera. Letras tão fortes, tão poderosas!  Ainda no piano nos presenteia com “Lady Madonna”. Então vem música para a criançada. Para todos nós, pois ninguém ali parece ter mais de 17. “All together Now”. Lá vamos nós: “One, two, three, four, can I have a little more”.  Hora de “Lovely Rita”. Perfeita. Levanta-se para “Everybody Out There” composta para nós. “Hey, everybody out there...” Ninguém fica de fora. Todos são incluídos numa unidade amorosa imensurável.  Somos um só com ele e não apenas nessa canção.  Perco-me em seus movimentos. Como é leve! Sobe e desce os degraus, às vezes correndo, para um lado e para o outro, suavemente. Ao mesmo tempo, espalha faíscas elétricas. Aura visível em sua volta, brilhante, surpreendente. Ahhhh look at all the lonely People”...O que estou fazendo? Uivando! “Eleanor Rigby” seguida de “Being for the benefit of Mr. Kite”. Cada música pede   gemido, ou suspiro, de preferência gritos. Sem atrapalhar em nada, só nas horas certas.

 “Something”. Momento de ternura para George Harrison. Foto enorme deles juntos. Todos nós embevecidos cantando: “I don’t know, IIIIII don’t know.” Vejo pessoas chorando, se abraçando, se beijando... Muito amor. Afinal, Beatles é Amor. Paul é Amor. Há algo místico no ar.

  Então, a turma se levanta para “Ob la di Ob la da”, “Band on the Run” e “Back on the USSR”. Frenesi geral. Ele volta ao seu piano psicodélico e nos transporta para um sonho: “Let it Be.” O ambiente se ilumina com as luzes dos celulares.  46.000 focos. Olho para o alto. O estádio parece flutuar, transformando-se, magicamente, numa nave espacial que viaja pelo universo. Os efeitos crescem ainda mais em “Live and Let Die”. Desde o início, recebemos os mais belos efeitos de luzes, cores, imagens, mas nessa música  suplantam tudo. Quem já viu sabe o que quero dizer. Quem não viu ficará sem saber porque é impossível descrever. Chega a ser... assustador. “Say live and let die...” A coisa “pega fogo”. Labaredas sobem em explosões que chegam até aos céus. Um festival de luzes nunca antes imaginado por mim.  O povo grita extasiado.

  O delírio continua, porque começa “Hey Jude”.  Preciso falar mais? O que pode ser mais espetacular do que cantar “na na na na na na na na” junto com Paul? Que privilégio. Finda a música, ele deixa o palco. Luciana se levanta. “Tia, acabou,” –”Não. Ele volta.” -“Acabou, tia, vamos embora!” –“Ele volta”, digo confiante. Ele realmente volta com sua impecável banda. Atacam com três rocks do jeito que adoro. “Day Tripper, “Get Back”, “I saw her standing there”. Sai novamente. –“Tia, agora acabou mesmo.” –“Ele volta”.  Luciana começa a pensar que a tia enlouqueceu de Beatlemania e Paulmania ao extremo.

  Tudo escuro!” As luzes se acendem e lá estão eles no palco sob urros gerais. “Yesterday”. Hora de suspiros dobrados, de amor sem fim. Nem pisco olhando seu rosto. Como é bonito! As fotos,  vídeos e filmes não mostram como ele é ao vivo. Sua suavidade, de repente, transforma-se em ferocidade e sensualidade, ao dar início a “Helter Skelter”. Após total ternura, nos joga o mais sujo rock já composto. Choques termais. Eu só posso fazer uma coisa: Berrar! Onde estava aquela senhora que caminhava tremula com medo de cair? Estava ali literalmente pulando e berrando....”and I see you agaaaain…yeah yeah.yeah.” O estádio enlouquecido. Breve pausa para recuperarmos o fôlego, pois lá vem dose cavalar de emoção. Once there was a way…” “Golden Slumbers”. Final da Abbey Road Medley. Aguenta coração. “Boy, you’re gonna carry that weight…And in the end…the love you take is equal to the love you make.Delírio.

   Agora sei que acabou. Balões coloridos caem sobre nós. Vivo intensamente os últimos instantes, as ultimas notas musicais, o brilho, a celebração, ele dizendo em português: “Até a próxima!” Sim, Paul, até a próxima! Três horas tinham se passado sem que eu notasse. Poderia ficar mais!

   Vamos saindo. Vibrações de felicidade chegam em ondas douradas. Agora é ir embora... mas onde está o carro? Em lugar incerto e não sabido. Dois amigos de Luciana chegam e ajudam na busca. Ouço uma voz infantil dizendo: “Mamãe, nós ficamos esse tempo todo respirando o mesmo ar que Paul respirava!” Uma criança que entende das coisas. Dou-me conta dessa graça ...eu respirando o mesmo ar que ele. Tanto enlevo impede que me aborreça com a estranha situação do carro perdido. Após uma hora de procura, o encontramos.  Dia seguinte caio em mim. Eu tinha visto Paul.  50 anos de espera.  Vale chorar um pouco.

 A dona da casa chega com a filha, no final da manhã. Quer saber como foi nossa noite com Paul. Temos muito o que contar e rir.  Gustavo junta-se  a nós. Seu pai tinha dançado, cantado e levado baita susto no “Live and Let die”. Ambos curtiram ao máximo.

No jardim do Geraldo
    Entro no seu quarto para ver seu trabalho de artista plástico. Alta criatividade e originalidade.  Na sua parede está a capa do “Revolver”, trabalho de Klaus Voorman. Ganho de presente o que conseguiu gravar do show, completando o registro de Luciana. Durante a tarde,  saímos de carro pela cidade,  passando pelas avenidas cheias de jacas e mangas por onde Paul andou de bicicleta.

    Chega a hora da volta. Como agradecer tanta gentileza dos amigos, tantos presentes ofertados, tanto calor humano? Eu tento.

 Às 20 horas entramos no ônibus. Tudo parece igual. Mesmas poltronas, mesma passageira pequenininha sentada no mesmo lugar. Mas há duas diferenças: levo matula deliciosa oferecida pelos amigos: Pão integral com berinjela ao molho.  E levo o coração tranquilo e aquecido, pois dentro dele está o amor gritado por Paul em resposta ao gritado por mim. Agradecida, penso em minha mãe. Deve ter ajudado!  Uai, e não é que o meu amor por ele é verdadeiro? Pois fiquei todo o tempo em paz!  Muita alegria e paz.

   Já cochilando,  recordo aquele diálogo,  um presente  inesperado dos céus:

Virginia -“Paul, I love you!”

Paul - “I love you too”.

Forever.



7 comentários:

  1. Que beleza, Homero. Não me refiro a meu texto. rs rs rs. Mas a seu trabalho com ele. Impecável. Estou muito agradecida pelo carinho. Vou compartilhar, é claro.

    ResponderExcluir
  2. Muito bom. A gente até vive junto os perrengues. Rachei de rir com a expressão "Paul nunca me viu mais gorda na feira". Nunca tinha lido ou ouvido.

    ResponderExcluir
  3. Excelente!!!! Conheço a história desta paixão por Paul.A viagem a Brasília foi um sucesso total! Merecida!

    ResponderExcluir
  4. Muito bom, Virgínia Sua narrativa nos leva seguindo seus passos, seus momentos, aflição, ansiedade e , por fim, a alegria da maravilha do show de Paul. Confesso que li em uma tomada só, como se fosse um plano sequência e só respirei no final, quando você e Luciana embarcam de volta para Montes Claros. Your mother should (know) love. (Este comentário é de Paulo Oliveira. Mandou para meu What's app e estou postando aqui porque é sobre o texto).

    ResponderExcluir
  5. Maravilhoso relato Virginia! Tbm me senti um pouco assim antes de ir ao show, principalmente por causa do forte calor aqui no Rio
    Mas tudo passou qdo o Homem sobe no palco: cantei, dancei, não vi o tempo pa0sar e fui transportada p os anos 60 e 770

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Que bom que você veio aqui comentar, Patrícia. Pois é, você bem sabe como é...Depois do sufoco...veio o satori...o estado de graça.

      Excluir