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sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Entaniversários

ORIGINAL DE 2008

Poderia estar no Aurélio (lá venho eu com definições homéricas):
beatle                          
S. m. Ingl.
 1.       qualificativo aplicado a apenas quatro seres humanos
 2.      no plural, entidade especial que se materializou no planeta para compor, cantar, tocar, encantar e mudar o mundo da música, ou melhor, o mundo, sobre os quais freqüentemente se ouve falar, em celebrações de aniversário de seus feitos inigualáveis.
Tudo bem, a definição pode ser exagerada, mas vira e mexe aparece nos jornais uma reportagem com manchetes em letras garrafais:
Neste mesmo dia/mês, 10n anos atrás, os Beatles faziam alguma coisa!
(lançavam um disco, davam uma declaração bombástica, abriam uma loja psicodélica, lançavam um novo selo no mercado, tiravam férias nas Bahamas, contratavam uma orquestra para acompanhar rock’n roll, ganhavam um título de Membro do Império Britânico, insultavam Imelda Marcos, reclamavam dos impostos cobrados pela Rainha, encontravam-se com Cassius Clay, faziam uma jam session com Elvis Presley, tomavam banho no mar de Miami, iam ao cinema, comiam pipoca, sei lá!)
Recentemente, em maio, um jornal fez uma reportagem celebrando 40 anos do lançamento do álbum “The Beatles”, mais conhecido como “White Álbum” (no Brasil, “Álbum Branco”), inédito álbum duplo na carreira deles, inédita capa absolutamente branca apenas com o nome em alto-relevo – no vinil (logo após outra inédita capa, absolutamente lotada de personagens, cores e figuras, que fora o álbum anterior, o não menos famoso “Sgt Peppers”), inéditos encartes com fotos tamanho família dos rapazes (àquela época, já nem tanto), inédita canção de Ringo Starr (primeira a ser permitida pelos donos da banda, Lennon/McCartney), inédita canção experimental de John Lennon, inédito solo (entre os melhores do mundo) executado por um convidado ilustre, inédito “hard rock”, e mais um nem-um-pouco-inédito primeiro lugar em todas as paradas do planeta. Foi o álbum em que ficou patente o começo da divisão: cada beatle chegava com sua composição e praticamente contratava os outros três para tocar instrumentos e prover backing vocal, com pouquíssima influência importante. Nada o que reclamar da celebração, mais que merecida, mas apenas da data em que os festejos começaram, quase seis meses antes do aniversário correto: afinal, o disco foi lançado em novembro de 1968. Entretanto, dá pra entender a expectativa, afinal, tudo o que se refere aos fab four desperta muita atenção, ainda hoje.
  Em 2007, foi a vez de celebrar o quarentão “Sgt. Peppers”, o mais-que-notável marco da música mundial, aquele divisor de águas, do antes e do depois. Houve festas mundiais em homenagem ao notável disco, lançado em junho de 1967. Esqueceram-se, entretanto, de notar o quadridecênio (!) da morte do empresário Brian Epstein, que ocorreu apenas 2 meses depois, numa overdose adicional de soníferos, o que, queiram ou não, contribuiu decisivamente para o fim da banda, pois tiveram que tocar o negócio sozinhos. Não entendiam da coisa, Paul se destacou como líder, o que gerou o desconforto de John (ah, o ciúme!), e por aí foi, até que caiu a última gota, a japonesa que virou a cabeça deste último, conseguiu o que queria, e transbordou o copo.
  A imprensa deixou passar despercebido (mas eu não poderia deixar de registrar) no Natal de 2007, o primeiro “entaniversário” da última mensagem de Natal dos Beatles!!!! Surpresa? Explico: desde 1963 (por sugestão de Epstein, claro) os Beatles gravavam uma mensagem de Natal que era direcionada somente aos membros do fã-clube oficial, sempre simpática e bem-humorada. Na última, além da mensagem, gravaram uma canção, da autoria dos quatro, coisa raríssima, chamada “Christmas Time (is here again)”. Ela teria morrido na lembrança dos fanáticos que ouviam discos-pirata, não fosse o projeto Anthology, que a encontrou nos arquivos da EMI e a lançou em 1995 como Lado B de “Free As a Bird”, aquela canção mixada com o além (voz e violão de John, que Paul, George e Ringo adicionaram arranjos, composição adicional e outros instrumentos). Simplezinha mas bonitinha, “Christmas Time ...” é bem melódica, e é uma oportunidade de ouvir a excepcional harmonia vocal de John, Paul, George, Ringo, os quatro cantando juntos, também coisa rara.
    E vejam o que vem por aí a partir de agora: em novembro deste ano, não vai ter o que celebrar, já que o Álbum Branco já soprou 40 velinhas antes do tempo, mas logo chega dezembro, quando o filme “Yellow Submarine” também tornar-se-á quadragenário. O projeto, que pegava o clima de “Sgt. Peppers” e algumas grandes canções, colocou os quatro Beatles em um desenho animado, numa aventura non-sense fenomenal. Numa falha de avaliação dos Beatles (não foi a única!), eles não acreditavam no projeto e não aceitaram colocar suas próprias vozes. Acabou não fazendo falta, pois colocaram dubladores excelentes e com vozes bem parecidas com os originais, e o resultado global ficou tão bom, que os Beatles adoraram, se arrependeram e acabaram gravando, ao vivo, uma cena final muito simpática e engraçada. O desenho é cultuado como revolucionário, e celebrado até hoje.
           Mais marcante ainda será esperar os jornais de 30 de janeiro de 2009, quando certamente estará estampado nas manchetes .......
    Há 40 anos, os Beatles fizeram sua última aparição ao vivo.
..... lembrando o antológico, e infelizmente curto, concerto realizado no terraço do edifício em que ficavam os estúdios da Apple, em Savile Row, quando cantaram, de maneira primorosa, além de outras, "Get Back", "Don't Let Me Down”, e "One After 909", desconhecida música do começo da carreira, causando um tumulto sem par nas ruas circunvizinhas, até que foi interrompido pela polícia. As imagens daquele show, felizmente registradas, permanecem vivas na memória de muita gente
      Em setembro de 2009, será a vez dos “quarentanos” do lançamento de “Abbey Road”, para mim e para muita gente (incluindo George Martin, o grande arranjador), o melhor disco beatle, infelizmente seu último trabalho juntos: ali estavam “Something”, “Come Together”, “Oh! Darling!”, “Here Comes The Sun” e, além de outras, o imbatível medley “Golden Slumbers / Carry That Weight / The End, com John, Paul e George fazendo um duelo de guitarras, e o único e melódico solo de bateria de Ringo em disco beatle oficial. Além do disco em si, os jornais darão destaque a uma outra data, anterior, mais precisamente o 8 de agosto, quando uma notória fotografia atinge a marca. Depois de desistirem de ir ao Himalaia para tirar uma foto para a capa do disco, que tinha Everest entre seus nomes prováveis (uma mensagem de que haviam chegado ao topo do mundo? Não, apenas era a marca de cigarros que alguns fumavam à época!), naquele belo dia, os Beatles resolveram, naquele belo dia de verão, economizar uns trocados: vamos simplesmente sair do estúdio e atravessar a rua! Doce decisão! Foi o estopim para o surgimento da capa de disco mais famosa de todos os tempos, mais uma capa beatle cheia de mitos, e muita história pra contar. Sim, talvez a foto da capa seja muito celebrada: afinal, trata-se da única faixa de pedestres com notoriedade mundial, ponto de turismo obrigatório!!
    Finalmente, chegará o dia 10 de abril de 2010, quando o mundo celebrará, ou lamentará, 40 anos sem Beatles, e lembrará da declaração de Paul anunciando o fim da maior banda de todos os tempos, como se fosse ele o mentor de tudo: na verdade, o fim era inevitável, seja por causa da vontade de cada um desenvolver seu trabalho individual, seja por causa de John (influenciado que estava por Yoko), enfim, sempre haverá controvérsias. O sonho de colocá-los juntos novamente acabou com a partida de John, em 1980 e de George, em 2001. Agora, só mandando Paul e Ringo para tocar no céu (ou no inferno, como queriam alguns mid-western americanos, quando Lennon disse que os Beatles eram mais populares que Jesus Cristo!). Desde 1970, a imprensa mundial e em especial, a inglesa, cisma em tentar indentificar um grupo sucessor para preencher “o vazio”. Mais ou menos como a imprensa brasileira sempre tentou encontrar um Novo Pelé. Novos Beatles, impossível, afinal aquilo foi uma conjugação cósmica de talentos, num momento astral que dificilmente se repetirá. E mesmo que algum grupo chegasse perto, em talento, em musicalidade, em canções inesquecíveis, seria impossível repetir o que conseguiram, em qualidade e quantidade.
    Bem, na verdade, esqueçam o “Finalmente” aí de cima, afinal nada é final quando o assunto é Beatles: começará então a rodada dos cinqüentinha, claro! Aliás, ela já começou: no dia 6 de julho de 2007, um jornal lembrou o cinqüentenário d’O Dia em que John encontrou Paul’, o que certamente daria nome de filme. John, em sua costumeira modéstia, desde pequeno sabia que seria grande. Sempre foi o líder dos grupos em que se metia, para o bem ou para o mal. E líder ele era dos Quarrymen, uma banda de adolescentes ingleses que tocavam skiffle e rock em variados lugares de Liverpool, inclusive em pátios de igrejas. E foi num pátio de igreja, naquela tarde de verão, que ele foi apresentado a Paul por um amigo comum. Paul mostrou na guitarra seu conhecimento sobre o rock americano e também trechos de composições suas. De imediato, John percebeu que estava diante de  “um igual”. Nas 24 horas seguintes, ficou matutando, com seu imensurável ego, o dilema de continuar como estrela solitária ou deixar seu brilho ser ofuscado pela presença de um outro talento no grupo. Quiseram os deuses que ele optasse pela última, e assim criou-se a semente do sucesso dos Beatles.
    Agora, demorará um pouco para que celebrem outros 50. Duvido que celebrem as idas do grupo para Hamburgo, entre 1960 e 1961, quando eles eram cinco, ainda sem Ringo, que ainda nem sonhava que tipo de vida teria pela frente. Lá na cidade portuária alemã, eles realmente tiraram sangue para tocar ao vivo, 7, 8 horas seguidas por noite, movidos a estimulantes, e desenvolveram seu incomparável carisma e qualidade de desempenho, deixando-os a anos-luz das outras bandas de Liverpool. Talvez, se lembrem de fazer uma matéria no dia 6 de novembro de 2011, cinqüenta anos depois que Brian Epstein foi ver um show deles pela primeira vez, este sim, um momento importante, meio escondido no Cavern Club (se é que poderia, com seu impecável terno em meio a jovens com jaquetas de couro).
Nesse período de entresafra de fatos beatle em conjunto, dois momentos certamente serão lembrados, ambos com o lado triste da coisa, e saindo um pouco dos “enta”:
1.         Em 8 de dezembro de 2010, o mundo lamentará 30 anos de partida de John Lennon deste plano espiritual, de forma torpe, assassinado com vários tiros pelas costas, por um fanático, quando chegava ao edifício onde morava em New York, após uma sessão de gravação daquele que acabaria sendo um álbum póstumo, cuja canção principal era “Just Like Starting Over”, retratando sua volta ao mundo público, após cinco anos de vida privada para dedicar-se a seu segundo filho. Uma notícia que abalou o mundo: a maioria das pessoas se lembra do que estava fazendo quando a ouviu;
2.         Em 29 de novembro de 2011, serão lembrados os 10 anos sem George Harrison, que perdeu a batalha contra um câncer no cérebro, que já combatia há anos, e inspirou a canção título de seu último álbum, “Brainwashed”, aliás, excelente; uma notícia menos traumática que a do companheiro, por ele ter partido por causas “naturais”, porém muito lamentada pelo mundo beatle, já que ele era uma pessoa espiritualmente elevada, e mesmo sendo “The Quiet Beatle”, sempre abriu a boca pelas grandes causas, sempre procurou fazer o bem. E criou muito bem, também, todos os solos de guitarra beatle, entre eles, o mais melodioso de todos os tempos, em “Something”.
Além destes, espero sinceramente que o mundo celebre os 70 anos de vida dos dois Beatles que sobraram por aqui: de Ringo, em 7 julho de 2010 e de Paul, 18 de junho de 2012. E que depois venham os 80 e os 90...... Eles têm que compensar a partida prematura dos outros dois e testemunhar a continuidade de sua obra.
 Voltando aos momentos notáveis como grupo, a mídia vai certamente registrar, no primeiro dia de 2012, o qüinquagésimo aniversário da rejeição dos Beatles pelo burocrata de plantão da gravadora Decca Records, que ouviu um teste ao vivo dos rapazes, e sacramentou, impávido: "Esses grupos com guitarras estão com os dias contados!". Claro que o "gênio" se arrepende até hoje, apesar de ele estar intrinsecamente certo, pois os dias estavam realmente contados: só que o contador já está em quase 17.000 e crescendo! Felizmente, para a sua história, o acaso deu-lhe uma segunda chance, e ele pôde se redimir, e contratou uma outra banda que fez um teste por lá, cujo nome lembrava algo como “Pedras Rolantes”!!
  E virá 5 de outubro de 2012 quando o mundo celebrará meio século do nascimento oficial dos Beatles, com  seu primeiro compacto (com “Love me Do” e “P.S. I Love You”), que conseguiu chegar ao 17º lugar na parada nacional inglesa, feito nunca antes alcançado por nenhum outro artista em sua  estréia.
  Talvez 2013 passe em branco, quem sabe uma rápida menção aos dez lustros do lançamento do primeiro LP “Please Please Me” e o tempo recorde de sua gravação, um LP inteiro em apenas um dia, mas 2014 virá com toda força, com o cinquentenário da invasão beatle na terra de Tio Sam, com os shows de Ed Sullivan, e do lançamento do filme “A Hard Day’s Night”, aqui lançado como “Os Reis do Iê Iê Iê”, ainda hoje considerado um marco do cinema mundial.
  E por aí irá, 2015, com “Help” e “Rubber Soul”, 2016 com “Revolver”, todos álbuns antológicos, tornando-se respeitáveis cinqüentões, e, fechando o ciclo coberto por este texto, chegará o ano da graça de 2017, com “Sgt. Peppers’ Lonely Hearts Club Band” completando cinco décadas de encantamento explícito.
  Um ciclo se fecha, mas certamente não parará por aí. Depois dos 50, virão os 60 e depois os 70, e assim por diante, até que chegarão as comemorações centenárias, então com certeza já sem a presença de nenhum beatle nesta dimensão. Paul e Ringo estarão lá, juntos a John e George, observando o “estrago” maravilhoso que fizeram em sua passagem pela Terra. E a gente também lá, quem sabe, vendo os filhos (já passei a bola para os meus!), netos e bisnetos ainda embevecidos pelo inebriante som, e contribuindo para a permanência do mito!!!
    Não há dúvida de que o fenômeno veio pra ficar .... para sempre.


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