Olá! Caso se interesse pelo livro,
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Pois bem, terminei a box de Fernando Pessoa que comprei na última Bienal.
Eram 3 livros, o primeiro, 'Mensagens', na verdade o único lançado em vida. Falei sobre ele aqui, neste link. É nele que aparece seu famoso verso 'Tudo vale a pena ... se a alma não é pequena'.
Sobre o segundo, 'O Livro do Desassossego', eu não escrevi, porque eu não acabei, aliás, fiquei nos 20%, fiquei muito, como direi .... desassossegado! Era escrito por Bernardo Soares, um de seus heterônimos (ver abaixo). Uma das poucas prosas de sua obra, vi que se tratava uma espécie de autobiografia, mas a gente vai lendo, vai lendo, e ele falando sobre seus sentimentos, e impressões nada positivas de algumas pessoas que cruzam seu caminho, e vai lendo, e nada acontece, até que desisti, mais ou menos na pg 80. Ao ler na Wiki sobre o livro, vi a melhor definição para ele, uma 'autobiografia sem fatos'. Ainda vou dar uma segunda chance a ele, afinal é considerada uma de suas melhores obras.
Você entendeu aqui em cima a palavra 'Heterônimo'? Pausa, então, para explicar o termo, porque ele é fundamental para entender o terceiro livro.. . e na verdade, quase toda a obra de Fernando Pessoa.
Heteronímia
É o estudo dos heterônimos, isto é, estudo de autores fictícios que possuem personalidade. Ao contrário de pseudônimos, os heterônimos constituem uma personalidade. O criador do heterônimo é chamado de "ortônimo". Sendo assim, quando o autor assume outras personalidades como se fossem pessoas reais.
Pois é, Fernando Pessoa escreveu, basicamente por seus heterônimos. Ele assumia, por assim dizer, uma personalidade diferente para escrever seus poemas, e os publicava em revistas. Eles tinham, não somente um nome, mas uma biografia, um físico, uma data de nascimento, mas principalmente, um estilo diferente de escrever. Pessoa escreveu por mais de 100 heterônimos.
O terceiro livro chama-se 'Ficções do Interlúdio' e era uma intenção que Pessoa tinha de fazer ainda em vida uma coletânea de seus principais heterônimos, mas não deu tempo. Felizmente, ele trocava cartas com amigos, e fazia anotações sobre essa intenção, o que possibilitou sua montagem e publicação póstumas.
Então, assim podemos nos deliciar com suas próprias palavras a descrever sua criação.
Desde criança, em que não tinha amigos de verdade, Pessoa criava-os imaginários, conversava com eles e até lhes escrevia cartas (e recebia respostas!!!). Cresceu e assim continuou. Diz ele:
E assim, arranjei e propaguei vários amigos e conhecidos que nunca existiram, mas que, ainda hoje, a perto de trinta anos de existência, oiço, sinto e vejo. Repito: oiço, sinto e vejo... E tenho saudades deles.
Em outro trecho, ao sentir vontade de criar um 'poeta bucólico, de espécie complicada', teve dificuldade, os dias passavam, quando então:
Num dia em que finalmente desistira - foi em 8 de março de 1914 -acerquei-me de uma cômoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim."
Bem, não sei de vocês, mas para mim, a primeira fala ali em cima retrata um médium poderoso, conversando com os espíritos que lhe aparecem com nitidez assustadora, e foi 'intuído', naquele momento. E a segunda fala, nada mais é do que uma psicografia em altíssimo nível. É ou não é?
Seja ou não, o cara foi genial!. Dá pra perceber que são pessoas diferentes escrevendo, mesmo nas poesias, são métricas e estilos diferentes.
Ao livro!!
Após um longo prefácio, em que são explicadas as razões da existência da obra, do qual extraí os ditos acima, começam as obras, de seus 3 principais heterônimos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, e também uma obra de Pacheco Coelho.
Abre-se cada um dos quatro capítulos com uma introdução, alguns textos de Pessoa, mas também textos de outros heterônimos, sobre a razão do capítulo. Então, é Alberto de Campos falando sobre Caeiro, e depois Ricardo Reis falando sobre Alberto de Campos. É incrível! Sabe aqueles autores que fazem vários papéis numa peça. Pessoa foi assim em toda sua vida literária.
Alberto Caeiro é o poeta bucólico que inspirou aquela efervescência de criatividade psicográfica descrita ali em cima. Mora no campo, descreve a natureza, sol, estrelas, árvores, em poemas sem rimas ou métricas específicas. 'O Guardador de Rebanhos' é uma coletânea de quase 50 poemas, imagino que boa parte tenha sido psicografada naquele prolífico 8 de março.
Ricardo Reis é mais disciplinado na métrica, tem uma que outra rima, mas isso não importa, e seu modus operandi são as odes... tanto que está no nome do capítulo 'As Odes de Ricardo Reis', exaltando situações da vida. O interessante é que, monarquista, ele se rebela com a proclamação da República em Portugal, e viaja para o Brasil, mas desconhece-se quando morre. Li na Wiki. O mais interessante ainda, é que o grande Saramago, escreveu um livro chamado 'O ano da morte de Ricardo Reis', em que continua o universo deste heterônimo, após a morte de Fernando Pessoa, cujo fantasma estabelece um diálogo com Reis, sobrevivente ao criador. Genial!
Entretanto, as odes que mais gostei vêm no último capítulo, de Álvaro de Campos, a 'Ode Triunfal' e a 'Ode Marítima'. Na primeira, exalta as criações materiais do homem, suas máquinas incríveis, passando pelos feitos da Revolução Industrial, até o ano em que ele escreveu. E fiquei com vontade, ó que audácia, de escrever uma continuidade do poema, desde aquele ano até os dias de hoje. Quem sabe... E na última, exalta o mundo das descobertas, em que Portugal foi protagonista, de uma maneira vibrante, e se colocando no meio dos saques e barbaridades que se fizeram, torna-se até um pouco sangrento. Alberto de Campos ocupa quase a metade do Livro. A destacar-se, afora as odes que citei, o poema 'A Tabacaria', que fica à frente de sua janela, de onde observa a rotina de seu dono, que vai até a porta, até que um dia não vai mais, porque morreu... Melancolia, teu nome é Alberto de Campos, ou melhor, Fernando Pessoa.
Ah, sim, tem o último heterônimo, um certo Coelho Pacheco, que apenas apareceu para uma obra, que é dedicada, por ele, a Alberto Caeiro, portanto após a 'morte' deste último, decretada por Pessoa, apenas um ano após ele 'nascer'... Em sua única encarnação poética, a poesia não tem rima ou métrica, muito menos pontuação... só sabemos que o assunto muda por um breve espaço entre estrofes...
O grande problema de Fernando Pessoa é a constância dos temas
solidão, noite, morte, cansaço, tristeza, amargura,
que perpassa por toda a obra, e tantas vezes,
que achei que ele havia (se) suicidado,
mas não, morreu de cirrose ou câncer no pâncreas,
antes dos 50 anos.
Infelizmente, não estava em nenhum dos três livros, sua mais famosa estrofe
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.