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quarta-feira, 20 de abril de 2005

Mãos Vazias, Mente Iluminada (11-15.04.2005)

Este é o relato da segunda semana da viagem, última em Londres. Saí de lá com as mãos vazias e com a mente iluminada. Mãos vazias por ser impraticável comprar qualquer coisa naquela terra: pode-se se dizer que, muitas vezes, algo que custa 10 reais no Brasil (talvez um pouco mais) pode ser encontrado por 10 dólares nos EUA, por 10 Euros na Europa continental e por 10 libras na Inglaterra, com os evidentes impactos cambiais que isso acarreta, já que 10 libras valem 15 euros que valem 20 dólares que valem 53 reais. Mente iluminada, pois, além das informações, técnicas e conselhos angariados durante o curso em si, as caminhadas da primeira semana e as incursões noturnas da segunda semana deixaram lembranças indeléveis em minha memória. Ao final, relato dos primeiros momentos nigerianos, que certamente, também ficarão na memória.
A Life in the Teatre
Na segunda-feira, cansado que estava do fim de semana de andarilho, nada fiz além da já tradicional rotina aquática e aproveitei para elaborar 90% do primeiro semanário. Já havia pesquisado como estava o movimento de Mary Poppins, e ficara frustrado por saber que não havia mais ingressos baratos para terça e quarta-feira, únicas noites que teria disponível. Decidi, então, tentar ficar à porta do teatro na própria terça-feira, aguardando um “return ticket”. Ao final do curso, na terça-feira, parti para o East End de Londres. Aquela região é povoada por teatros: são mais de 40, não é à toa que também é conhecida como Theatreland. Bem, desci do ônibus em Picadilly e caminhei pela Shaftesbury Avenue em direção ao Prince Edwards Theatre, quando vi uma foto enorme de Patrick Stewart: ele estava em cartaz no Apollo Theatre com a peça A Life in the Theatre, que estava em seus últimos dias. Não poderia perder a oportunidade de apreciar a qualidade daquele ator shakespeareano que tanto admirava, desde sua brilhante atuação como o capitão Jean Luc Picard, de Jornada nas Estrelas - Nova Geração. Mudei os planos: segui adiante e consegui comprar um ingresso barato para ver Mary Poppins na quarta-feira: o que ocorre é que eles não colocam 100% dos ingressos à venda pela internet e nos pontos de venda, deixando uns poucos para os pouco previdentes que preferem comprar ingressos na hora. A restrição é que o “cheap ticket”, de 15 pounds, que comprei, era com “restricted view”, segundo o bilheteiro. Voltei ao Apollo e comprei um ingresso um pouco mais caro, 20 pounds, afinal, o ator era a motivação para minha presença ali e eu queria vê-lo um pouco mais de perto, o que não era um problema, com relação a Mary Poppins. Bem a peça, que já estava em cartaz há 2 anos, foi ótima: somente Patrick Stewart e um jovem americano Joshua Jackson. Interessante um comentário presente no folheto: “It is now proved: American actors can act!”. Versa sobre o relacionamento entre dois atores, um em começo de carreira e o outro veterano que inveja constantemente a jovialidade do primeiro em variadas situações e cenários, sempre com a visão de cochia, permeada com momentos de muito humor e também emoção. Perfeito! Mas, claro que não foi a mesma emoção experimentaria no dia seguinte.

Mary Poppins
O filme, de que tanto gostei na infância, foi transformado em musical. Achei que não teria grandes emoções, pois, afinal, já sabia a história de cor e salteado. Ledo engano! Bem, primeiro a boa surpresa de que a tal de “restricted view” nada mais era do que ter que assistir a peça de lado e debruçado sobre a murada do balcão nobre; nada demais, vi perfeitamente 95% do cenário e no mesmo nível de quem havia pago 30 pounds. A casa estava lotada! Depois, o musical é 10, 100, 1000!! A atriz principal se parece com Julie Andrews, o ator principal se parece com Dick van Dyke, tem as mesmas pernas enormes e desengonçadas. Todos cantam muito bem, inclusive o casal de crianças. As coreografias são magníficas. Os efeitos de mágica de Mary Poppins são perfeitos, quase os mesmos do cinema, claro, com as limitações de palco: Mary Popppins voa, faz aparecer “lamp floors” e plantas decorativas de dentro de sua maleta, sobe deslizando pelo corrimão da escada, faz bolos aparecerem do nada, enfim, diversão garantida! E as canções, A Spoonful of Sugar, Chim Chimney, Supercalifragilistiexpialidocious, Practically Perfect,  são maravilhosas, recordo tão bem desde menino. As execuções delas, com a coreografia de mais de 20 atores bailarinos, são de chorar! E chorei mesmo, a cada final de canção, a cada momento terno, de cair lágrimas (sou um bobão!). Um casal de jovens do meu lado até percebeu. Não precisa dizer que valeu cada pound pago. Além disso, no final, numa espécie de bis, eles repetem o final de Supercalifragilistiexpialidocious (adoro escrever esta palavra!), o momento mais arrebatador do espetáculo. Sem dúvida, vai para a Broadway e vai ficar 10, 20 anos em cartaz. Sempre haverá crianças para admirar um espetáculo como esse ….. e adultos que ainda não cresceram também!

Farewell Dinner
Não, não se trata de mais uma peça de teatro ou musical. Foi o jantar de despedida, oferecido pelos organizadores, num hotel próximo ao local do curso. Foram quase todos, foi muito divertido. Ali, ficamos sabendo que o colega da Geórgia é primeiro irmão, ou seja, irmão do presidente do país dele. Bem que eu sabia que já havia ouvido o sobrenome dele, Saakashvili. Ele vai se casar em setembro e disse que vai convidar a todos nós, e um dos colegas nigerianos prometeu que estará lá. Comentamos vários aspectos que fomos conhecendo uns sobre os outros ao longo dos 10 dias: sobre a colega do Egito, que entrou na universidade com 16 anos e se formou com 19; o colega da Escócia, que vai para o Egito e já morou 10 anos na Itália; a colega do Canadá, que está na Líbia e leva o marido a tiracolo, pois o trabalho dele é investir, o que pode fazer de qualquer lugar do mundo; a informação do colega da Croácia de que o país dele é belíssimo para o turismo e tem mais de 1000 ilhas (pensei que essas coisas só aconteciam no Oceano Índico em países como Filipinas e Indonésia!), do colega do Canadá que mora na Tanzânia e é casado com uma tanzaniana (encontrara os 2 na escada rolante do metrô, no sábado); do colega da Holanda que é casado com uma descendente de indonésios, país de colonização holandesa. Em conversa com nosso professor galês sobre humor inglês, ele aproveitou para dar um exemplo de como a comunicação corporal é importante: Mr. Bean não abre a boca e é sucesso absoluto no mundo todo. Comentei sobre minha admiração por Monty Piton e ele recomendou que comprasse um DVD de uma série de TV, chamada “Yes, Minister!”, que sarcasticamente, critica de maneira brilhante o governo britânico. Pena que o sistema de cor britânico impede absolutamente que eu aceite o conselho: nada de vídeo deve ser comprado na Inglaterra, com a intenção de ser visto no Brasil, aprendera isto há muito tempo. Falando em governo, ele comentou que se decepcionou muito com Tony Blair por um aspecto que nós, de fora, não sabemos: os membros da Câmara dos lordes tinham seu posto garantido por hereditariedade, o que vai totalmente contra qualquer princípio democrático. Blair prometera brigar para acabar com isso. E cumpriu: agora, os membros são indicados por ele!!! Bem democrático, não? Na saída, a caminho do hotel, o colega da Escócia comentou que ia fazer naquele momento uma coisa que não gosta nem um pouco: despedir um engenheiro! Disse que havia dado todas as chances e mensagens possíveis para reverter a situação, porém ele não mudou de comportamento. Iria fazê-lo à distância e àquela hora, por recomendação dos advogados da empresa dele, de maneira a possibilitar que, assim que ele souber, já estejam cortados todos os vínculos, de forma a proteger as informações da empresa, evitando possível sabotagem. Essa é realmente uma experiência que nós, da Petrobras, não temos. 

The Australian Pink Floyd Show
Como havia dito, encerraria minha estada em Londres com chave de ouro. Agora, qualifico um pouco mais: ouro 24 quilates! O local não poderia ser mais propício, o Albert Hall, de magnífica arquitetura vitoriana, em homenagem a Albert, marido da Rainha Vitória, que reinou durante o período da revolução industrial. Interessante que a casa estava com mais de 50% de lugares vagos até 7:55 e, em 5 minutos, encheu completamente. O lugar em que eu estava, de preço médio, era ao lado da platéia, porém, as cadeiras são giratórias, portanto, não fiquei nem com torcicolo! O show, nada mais que uma banda cover de Pink Floyd, que anda pelo mundo tocando Pink Floyd, porém com o detalhe de que os instrumentistas são absolutamente perfeitos, magníficos e os vocalistas são especiais: os que cantam as partes originalmente de David Gilmour (são 2) têm a voz  muitíssimo parecida, já o que canta as partes de Roger Waters, apesar do timbre parecido, não tem a mesma potência. Os solos de guitarra são i-d-ê-n-t-i-c-o-s aos originais, o saxofonista toca e-x-a-t-a-m-e-n-t-e igual ao que se ouve nos discos. No telão, redondo, marca registrada (com patente e tudo) pelo Pink Floyd, passam videos muito parecidos com os originais, com o detalhe bem humorado da inclusão da figura do canguru australiano, exemplo, as cabeças dos martelos marchantes de “The Wall” são cangurus correndo, o homem pegando fogo de “Wish You Were Here” aperta a mão de um canguru, quem voa entre as chaminés de Battersea Power Station de “Animals” é um canguru, ao invés de um porco, enfim, por aí vai. As canções, na ordem, foram: “In The Flesh”, “Learn To Fly”, “Astronomy Domine”, “Money”, “Us And Them”, “Why Don’t You Talk With Me”, “Echoes”, “Shine On You Crazy Diamond”, “Welcome To The Machine”, “Hey You”, ”Time”, “A Great Gig In The Sky”, “Have A Cigar”, “High Hopes”, “One Of These Days”, “The Happiest day Of Our Lives”/”Another Brick In The Wall”, “Comfortably Numb”, e, no bis, “Wish You Were Here” e “Run Like Hell”. (Ufa! Claro que anotei durante o show!). Ponto fraco: nem uma canção de “Animals” ou “Atom Heart Mother”, esperava ouvir “Sheep” e “Summer of 68”, porém, perdôo-os. Pontos altos: a platéia estava adorando tudo, mas, a primeira vez em que veio abaixo, e aplaudiu de pé, foi com o desempenho da cantora “backing vocal” em “A Great Gig In The Sky”, perfeito, i-g-u-a-l-z-i-n-h-o ao ouvido em “Dark Side Of The Moon”, com a mesma energia, coisa que nem os shows da banda original haviam conseguido, ao menos os que eu ouvi em vídeo. A loira, realmente, arrebentou! Depois, durante “One Of These Days”, o apoio inflou um enorme canguru sorridente de borracha, da altura do palco e, quando a música começa no ritmo batido, eles fazem o canguru dançar no ritmo, a platéia adorou! Depois, os solos finais, a-r-r-e-b-a-t-a-d-o-r-e-s, de “Comfortably Numb”, a platéia berrava, melhor dizendo, urrava de satisfação, nem parecia aquele grupo de respeitáveis senhores (e algumas senhoras) cinquentões, comportadamente sentados em seus acentos, balançando as cabecinhas e acompanhando as músicas durante o show. Foi, seguramente, o bis mais pedido, gritado, que eu já ouvi! Interessante foi notar que eles não fizeram a apresentação individual de cada um dos membros do show, mas acho que entendo: eles certamente acham que se perderia a magia, é melhor deixar todos pensando que ouviram o desempenho dos membros da banda original. Comentei no intervalo com um senhor que eles devem pagar um royalty altíssimo ao Pink Floyd para poderem sair pelo mundo faturando com o material de altíssima qualidade que eles tão suadamente elaboraram durante mais de 20 anos, algo em torno de 80% e ele respondeu que havia lido que, na verdade, o número era ainda maior, era 90%! Chego agora até a entender porque o Pink Floyd nunca mais gravou um disco, desde 1993, nunca mais fez um show, desde 1994, pra quê? Basta ficarem instalados confortavelmente em seus palácios, levando a vida de milionários que são e faturando alto com esta banda viajando pelo mundo. Enfim, Chave De Ouro!!!!! Na volta pra o hotel, fiz um caminho diferente para poder passar em frente aos museus de Kensington, o Victoria & Albert, o de História Natural e o de Ciência e Tecnologia, que não deu para visitar, afinal não dá para agarrar o mundo com as mãos.

Do Vinho para a Água
Novamente, não se trata de mais um show ou espetáculo, apenas o sentimento de quem parte de Londres para ir para Lagos (ao menos, a inicial é a mesma!). Acordei às 3:45 da manhã para pegar um táxi para o Aeroporto de Heathrow. Não poderia pegar o metrô como fiz na chegada, pois estava fechado. A segunda opção mais barata seria um táxi até Paddington e um trem expresso até o aeroporto, que custaria cerca de 25 pounds, porém, o primeiro expresso sairia somente às 5:15, insuficiente para a hora do vôo, 7:05. Então, “vou de táxi, cê sabe, tava morrendo de saudade!”, como já dizia a sábia Angélica. E, na verdade, estava mesmo, não havia ainda usado este tradicional meio de transporte londrino nesta minha passagem por lá. Infelizmente, porém, também está acontecendo a modernização: little by little, os antigos táxis pretos, de formas arredondadas, estão sendo substituídos por modelos mais modernos, aquilinos, cada vez mais coloridos, que lástima! Os táxis vinham mantendo sua tradicional forma desde a segunda guerra. A fábrica continuava produzindo novinhos em folha, 0 km com o mesmo charmoso formato. Os táxis novos, como o que peguei, ainda continuam com aquela magnífica cabine, confortável para 5 passageiros sentados de frente uns para os outros, com muito espaço para malas entre eles, o motorista isolado por acrílico grosso. A corrida foi de 50 pounds, + 6 de “handling fee” por ter que pagar com cartão de crédito, pois não tinha pounds suficientes. Adorei a expressão que o motorista falou quando foi bem sucedido na obtenção do recibo de cartão de crédito com aquele aparelhinho manual: “It came lovely!” . E finalizou com o tradicional: “Thank you very much, indeed!”. É legal como eles indeedeiam o thankyouverymuch na Inglaterra, isto não acontece nos USA. Bem, na primeira perna do vôo, tirei o atraso do sono, 100 minutos até Frankfurt: nem senti o avião decolar, nem vi o serviço de bordo passar. Na segunda perna, para Lagos, aproveitei para ler as últimas 100 páginas de meu querido livro “Londres, o Romance”, só parando para comer e beber. Depois, farei um comentário sobre este magnífico livro. Um dos episódios que mais gostei no vôo foi o das Suffragette Ladies (Mulheres pelo Voto), que brigavam pelo direito de voto feminino no fim do Século XIX, começo do Século XX. Cansadas de tentarem convencer parlamentares e realeza pela palavra e pela abordagem educada, da injustiça que era deixarem as mulheres de fora do processo democrático, estas bravas mulheres partiram literalmente para a porrada, quebrando vitrines de loja, fazendo barulho. A repressão foi forte: elas eram presas, na prisão faziam greve de fome e eram alimentadas à força por tubos enfiados por suas gargantas. Houve mesmo mortes, uma delas, atropelada por cavalos reais. Houve uma passeata memorável em 1911, com mais de 7 quilômetros de mulheres pacificamente bradando por seus direitos mas só conseguiram seu ideal por um singelo motivo: falta de homem! Isso mesmo! Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), homens ingleses estavam no continente europeu, guerreando, morriam aos borbotões, poucos ficaram para fazer o serviço normalmente masculino. As mulheres pegaram no pesado, trabalhando de motoristas, de atendentes, em fábricas de munição, em estradas de ferro e, finalmente, o governo reconheceu seu valor em 1917. Bem, acabado o livro, preenchi os formulários de imigração e me lembrei da mensagem padrão que recebi, assim como todos os viajantes da empresa para a Nigéria e a li novamente, para saber as instruções de chegada. É de autoria do Samir, nosso Gerente Geral e, entre outros conselhos, diz: “Se, por acaso, você não tiver sido encontrado (por um agente da empresa) depois de passar pelo check-out de bagagens, não saia do aeroporto em hipótese alguma. Da mesma forma, nem pense em pegar um táxi, pois correrá risco de vida (sic).” Depois, uma declaração deveras tranqüilizadora: “A malária é uma doença endêmica na África, e pode se manifestar em duas formas: malária recorrente, tipo amazônica, e malária do sangue, conhecida como malária cerebral. A malária cerebral é a mais comum na Nigéria, e pode matar, por hemorragia no cérebro, em até 72 horas.” Nada mal, o avião já estava em procedimento de descida e nada mais poderia fazer, senão rezar!

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