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No próximo dia 20 de janeiro, mais um Inauguration Day!
É como os brothers chamam o dia em que o novo Presidente americano é empossado!
Que dia!
Que momento!!
E, desta vez, que brother!!!
No dia 21, a Casa Branca ostentará a famosa faixa 'Agora sob Nova Administração'.
E bota nova nisso!
Pela primeira vez, um negro sentará na principal cadeira do Salão Oval. Traz consigo uma aura de esperança, há muito tempo não observada. Pega o leme da maior nação do mundo mergulhada numa tempestade profunda. Um deficit descomunal, uma crise de confiança, de crédito, e portanto, de consumo, que acertou em cheio o American Way of Life.
E devido à globalização, um efeito dominó foi derrubando uma a uma das grandes economias, que dependiam, de alguma forma, da saúde do grande irmão para que a sua própria continuasse bem.
É nesse clima que o Sr. Barack Houssein Obama tomará posse no dia 20, trazido para este posto por um clamor de mudança que derrubou os preconceitos mais profundos do americano médio. Você pode imaginar um conservador redneck do Texas referindo-se a Obama como ‘Our President’?
Meu conhecimento sobre história americana pode ser considerado pífio, mas posso quase apostar que nunca antes nesse país, ou melhor, naquele, um presidente toma posse com uma história de vida tão naturalmente internacional como a dele. Desconto nesta qualificação outros que tiveram alguma passagem internacional por conta de guerras ou outras ações que a 'intelligentsia' americana promovia mundo afora.
A internacionalidade de Obama vem de berço, de criação, de busca pelo passado. Felizmente, eu tive a oportunidade de ser apresentado a essa história, e por ele mesmo.
Acabo de 'ouvir' o livro sobre sua história. Isso mesmo: ouvi o audio book 'Dreams from My Father', do próprio punho, ou melhor, da própria voz de Mr. Obama. Isso mesmo: ele mesmo narrou, em 2005, o livro que ele publicara dez anos antes. E até ganhou um Grammy por ele! Em seis CD's, Barry, como muitos o chamavam, seja carinhosa ou desdenhosamente, desfila sua magnífica oratória, descrevendo sua vida, seus conflitos internos, que vão sendo resolvidos com a busca a suas origens. O desdém acima mencionado fica por conta do preconceito que alguns tratavam o seu estranho nome, marca característica do modo de pensar americano, a resistência, ou mais, a ignorância da imensa maioria daquele povo com relação às coisas que vêm de fora da 'Amerrrrica', que é como eles resolveram adotar como nome aquele pedaço do continente americano que o resto do mundo chama de Estados Unidos.
Aliás, dois deles não tão unidos assim: o Alaska, de onde veio aquela figura patética que formou a chapa republicana; e o Hawaii (rauái na pronúncia deles), de onde justamente veio o 'skinny boy with a funny name', como Barack singelamente se auto-define.
E aí começa a internacionalidade de Obama. Nasceu num estado 'not tipically American', looonge do continente, povoado por habitantes de olho amendoado, em sua maioria, que fora invadido pelos brancos somente 60 anos antes, ávidos por um posto avançado no meio do Pacífico.
E ela também tem origem de antes de seu nascimento, vem de um romance inter-racial raríssimo no início da década de 60. E, no caso dele, o primeiro grande fator de sua internacionalidade latente: um africano, elegante, negro como piche, encontra uma americana, sonhadora, branca como a neve (assim é a descrição dos pais, nas palavras de Obama), e convence os pais dela (mais o pai do que a mãe) de que devem se casar. Isso tudo acontecendo bem antes do auge do movimento pelos direitos dos negros, liderado por Doctor King (que é como Martin Luther é respeitosamente conhecido). Fosse aquele encontro num estado tipicamente americano, e talvez não tivesse dado frutos, sulista então, muito mais improvável. Próximo fator de internacionalidade: Indonésia! Surpreso? Nada é impossível para a mente sonhadora e exótica de Ann, a mãe de Barack. Abandonada por Barack, o pai, quando Barack, o filho, tinha 2 anos, ela se encantou com um Indonésio que estudava em Honolulu, e lá se foram os três, para Jacarta, onde Barack viveu dos quatro aos dez anos de idade. Lá, Ann teve mais uma filha, Maya, a meia-irmã mais nova do skinny boy. Na volta ao Hawaii, foi criado pelos avós, enquanto a mãe terminava alguns trabalhos na Indonésia, único de três alunos negros na escola, sempre assombrado por suas origens, sempre em dúvida, em conflito interno, já que teve pouquíssima convivência com o letrado pai. Além daquele começo de vida, somente se encontraram durante uma visita de uma semana, aos 10 anos de idade. O velho Barack morreria 10 anos depois, sem mais rever o filho, e sequer imaginar o que o destino reservava a ele.
A terceira parte da internacionalização vem somente depois do high-school, das faculdades de Ciências Políticas em Los Angeles e New York, do primeiro emprego nesta última, da mudança para Chicago, onde se tornaria um líder comunitário dedicado aos excluídos de vários tipos, e de, finalmente, conseguir uma vaga para estudar Direito na prestigiadíssima Harvard. Nesse meio-tempo conheceu um de seus irmãos por parte de pai, na verdade uma, sua primeira half-sister Auma, mais velha. Conheceu uma parte da história de sua gente, mas somente consolidou seu conhecimento quando, já garantido em Harvard, decidiu fazer a viagem de sua vida, em busca do passado desconhecido.
No Quênia, descobre que seu pai era conhecido por Doctor Obama, respeitado por sua intelectualidade, e bondade. Da família, havia sido o primeiro a aventurar-se na America. Conhece outros seis (!) meio-irmãos, de três outras esposas de seu pai, uma delas também branca. E havia ainda mais um que morrera uns anos antes. Doctor Obama não era mole! E o pai dele? O velho Onyango Obama não ficava atrás, nem em prole, com 2 esposas e cinco filhos, nem em termos de pioneirismo: no começo do século 20, foi o primeiro membro da família a encontrar o 'homem branco', e escandalizou os membros da tribo (isso mesmo!) ao retornar de três meses de desaparecimento vestido de calça e camisa. Os que ficaram, ainda vestindo aquelas tangas de pele de cabra que cobriam os órgãos genitais, ficaram escandalizados e expulsaram-no da família. Pouco depois, embarcou em navios ingleses durante a 1ª Guerra, servindo como cozinheiro, passou um tempo na Europa, enfim, os varões da Dinastia Obama não são lá muito de passar a vida toda na terra natal.
Pois é, o pioneirismo está no sangue, na pele, no passado.
Sua internacionalidade latente não garante que seja um grande estrategista em temas internacionais e para isto, convocou um daqueles como companheiro de chapa. E Hillary Clinton como Secretária de Estado, de quebra. Mas seguramente, está muitos pontos acima de outros antecessores.
Barack aborda no áudio-book todos os aspectos de sua vida de uma maneira natural, clara, magnífico orador que é, porém sem a impostação da voz, sem se envergonhar por entoar cânticos religiosos, quando necessário, ou em alterar a voz para refletir o modo como seu interlocutor está falando, ou em aplicar um tom infantil ao descrever brincadeiras de criança. É divertido ouvir Barack falando em ‘jive talking’, o ‘sotaque’ do negro americano, como se ele mesmo não fosse um negro americano; e é tocante ouvir Barack imitando o inglês africano, como ao falar o próprio nome com o ‘r’ natural, sem aquele som americano como no ‘porta’ falado pelos nossos irmãos do interior paulista.
Para completar a felicidade do abençoado ouvinte, Barack acrescentou um prólogo tocante, e o magnífico, fantástico discurso, (aqui no link, os primeiros 10 minutos) na convenção democrata de 2004, quando o então candidato a senador defendeu a indicação de John Kerry à Presidência, para livrar o mundo de mais quatro anos de administração Bush, o que, infelizmente, acabou não acontecendo. Já se percebia àquela época que aquele jovem de apenas 43 anos viera para fazer história. O discurso é pungente, ele não perde a oportunidade de enaltecer a sua própria origem, depois migra para a grandeza do país que aceitava a ascensão de um ‘skinny boy with a funny name’, a multidão enlouquece quando ele descreve o país como um celeiro de diferenças em torno da liberdade. Depois, no final, ele até se lembra que está ali para apoiar o candidato democrata. Aquele, sem sombra de dúvida, foi o primeiro discurso de sua própria candidatura à Presidência do país.
O que não se sabia era que, apenas quatro anos depois, ele já chegaria lá, e mais, ao posto de homem mais poderoso do mundo.