Após mais uma série de piadinhas sobre português,
sendo 90% absolutamente injustas
reitero minha publicação:
Eles apenas têm uma lógica diferente, apenas!!!
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Calma, não pensem que estou a começar um texto pornográfico, ou coisa que o valha. Trata-se de uma expressão corriqueira dos patrícios da terrinha d’além mar. Aquelas deliciosas diferenças entre os idiomas d’lá e d’cá do Atlântico. Tenho certeza d’que já ouviram falar d’muitas delas, mas as que foram base do título foram dshcubertas por euzinho aqui e tenho c’rteza d’que não conheciam. E as descobri graças à minha verve beatlemaníaca. E tash dou d’graça!
Não tenham pressa! Saberão do significado real mais para o final. Vou aproveitar que estou a falar dos patrícios para comentar também um pouco sobre a lógica que regula o pensamento do português, que é a origem das piadas q’tanto gostamos d’ouvir, mas que, em sua maioria, são exageradas. Elas acabaram descambando para uma extrapolação pr’c’p’tada d’que eles são burros, o que é a mais total injustiça. Eles podem ser burros, como podem ser inteligentes, assim como nós brasileiros, ou nossos hermanos argentinos, ou qualquer outra raça, mesmo que do primeiro mundo. O que mata mesmo é a lógica, de levar tudo ao pé da letra, o que, em verdade, os faz, até mesmo, mais racionais. Eles interpretam exatamente o que é falado. Nós, com o nosso jeitinho, já interpretamos o passo seguinte, e entendemos o que está por trás (com todo respeito) do que foi dito.
Vou me limitar a histórias q’ouvi de amigos viajantes, q’juram de pés juntos q’foi assim q’aconteceu.
Um deles, voltando d’Angola, passou uns dias em Lisboa, deu saudades (ainda não tinha Internet), foi ao jornaleiro e pediu: “Tens aí um jornal do Brasil?”, e o gajo: “De hoje ou de ontem?”, e o pobre: “Claro que é o de hoje, ô amigo!”, e o patrício concluiu: “Então volte amanhã, p’rque hoje, somente temos o de ontem!” Ou seja, se você pensar bem, o sujeito está instrinsicamente correto, mas falta a ele o jeitinho brasileiro d’pensaire.
Um outro, em viagem d’casais (aquelas viagens que você planeja muito, começa com muitas expectativas, você, seu cônjuge e um casal amigo, depois, lá pelo meio, não vê a hora de terminar, depois de horários não cumpridos, programas que só um lado gosta, um querendo caminhar e o outro querendo algum meio de locomoção menos cansativo, os que adoram e os que detestam museus, mulheres reclamando uma da outra, mulheres querendo comprar e homens querendo comer, enfim, você sabe ...), parou numa tradicional casa d’fados, doido por um bacalhau, olhou o cardápio, escolheu o seu, perguntou aos demais o que queriam, e chamou o garçom: “Vou querer um bacalhau à portuguesa, um à ‘Gomes de Sá’, um ao ‘Zé do Pipo’ e um à espanhola.” O garçom anotou tudo d’reitinho, virou-se pra’sposa dele e sapecou: “E a senhora?”. Sem palavras! Vale também para caf’zinhos, cuidado! Se você estiver com outros 3 amigos, não se arvore em pedir 4 caf’zinhos, que o gajo vai p’rguntar ao comensal ao lado: “E o s’nhoire também quer um caf’zinho?”
Um terceiro, hospedado num hotel d’Lisboa, após a primeira noite, desceu à recepção e, esquecendo-se d’que não estava no Brasil, perguntou: “Onde se toma o café da manhã?” e aí: “O s’nhor sai do hotel, vira à esquerda, é um pouco antes da’shquina!”. O cara não entende muito bem por que ele tem que sair do hotel, mas segue as instruções e chega a um barzinho, lá onde o recepcionista indicou, mas aí se toca, volta e pergunta ao gajo: “Amigo, um hotel desta categoria não tem um restaurante onde se pode tomar um café da manhã completo, com frutas, frios, sucos, ovos mexidos, não?” e, então, o atencioso recepcionista finalizou: “Sim, claro, p’r que não p’rguntou logo? O p’queno almoço é no andar d’baixo!”. É interessante a variedade de termos se usa pelo mundo para o nosso café da manhã. Outras línguas usam o termo correto para aquela primeira refeição do dia, que, na verdade, trata-se de um desjejum: os franceses chamam de “petit dejeuner”, que é exatamente o tal “pequeno desjejum” potuguês; os espanhóis chamam de “desayuno”; e até mesmo os ingleses (e colonizados) usam a idéia, afinal, “breakfast” quer dizer uma refeição para “break the fast” ou “quebrar o jejum”; e os italianos, bem, aquela tal de “collazionne” não tem nada a ver com desjejum, mas nem mesmo eles sabem o que significa. Seja de que forma for, é certo que o gajo lusitano poderia ter entendido, de cara, o que o camarada brasileiro queria, àquela hora da manhã, que era, exatamente, quebrar o jejum!
Tem a história um pouco mais antiga, que repito por ser um bom exemplo de lógica lusitana. O cara está numa livraria numa sexta-feira e gostaria de voltar no dia seguinte, com a esposa, e pergunta ao livreiro: “Vocês fecham amanhã?”, fica satisfeito com a negativa, mas, ao voltar, no sábado, encontra a loja fechada. Volta, então, na segunda-feira e cobra: “Ô amigo, você me disse que não fechavam no sábado, eu estive aqui e encontrei a loja fechada!” e o cara: “Eu disse q’não fechávamos, p’rque se não abrimos, não podemos fechar, ora pois!”.
Um amigo necessitou uma pomada, foi à farmácia e perguntou. Precavido, leu a bula, que dizia: passe-a sobre a área afetada, massageando-a bem, logo após lave as mãos, a não ser que a área afetada seja uma das mãos, sendo assim, não lave as mãos...
Já na era do Nespresso.... Estava um amigo meu em Lisboa quando lembrou-se de atender a um pedido de um amigo que trouxesse umas caixinhas de sachês de um certo sabor, ele mesmo não tendo o aparelho em si, mas ia fazer um favor. Chegou, fez a pedida e, ao que foi perguntado: "Q'máquina tensh?" respondeu inocentemente: "Não tenho a máquina!", ao que foi respondido: "Então, não t'vendo, o pá!!" .... e meu amigo ficou sem os sachês.
E finalmente, uma que soube hoje: estava um amigo na cidade do Porto, próximo à Catedral da Sé querendo descer até a Ribeira. Sabia o caminho mais longo, mas deparou-se com uma escadaria meio escondida que parecia que ia dar na Ribeira e, com medo de que a escadaria / beco fosse cair em outro lugar sem saída que o obrigasse a subir tudo de novo, perguntou ao guarda onde iria dar aquela escadaria ao que ele muito solícita e gentilmente respondeu: "Lá embaixo, pois".
E há outras demonstrações da lógica, totalmente admissíveis. Se você for ao pé da letra, eles estão absolutamente certos. Veja:
· Ao adentrar um elevadoire com ascensorista, fazemos aquela tradicional pergunta: “Sobe?”, ao que o gajo responde: “Não, shtá parado!”
· Ao perguntar aonde fica o metrô, o gajo responde, d’mediato: “Aqui embaixo, ó pá!”
· Numa reunião após u’shpdiente, um gajo pede um certo sanduíche, o camarada ao lado pede: “O mesmo!”. Ao chegar o pedido, somente o primeiro recebe o dito cujo. O segundo, após um tempo, reclama ao garçom, que diz: “Mas, tu não iash comer o mesmo?”
· Ainda em restaurantes, chega-se a um dos típicos e p’rgunta-se: “Tem bacalhau?”, ao que o garçom responde: “Tem, mash não há!” Neste caso, um d’scohec’mento nosso do significado curreto, poish o verbo ‘ter’ sign’fica ‘ter como hábito’, enquanto o verbo ‘haver’ sign’fica ‘ter no momento’;
· No meio de uma viagem entre duas cidades, o motorista pára para abastecer o veículo e pergunta, inocentemente, ao caixa: “Falta muito para chegar ao destino?”, e recebe de volta: “Se tu fores devagar, demora um p’quinho, purém, se fores depressa, chega rap’dinho”
Ou seja, todas as histórias acima são exemplos da lógica lusitana, o que não significa que sejam mais ou menos inteligentes, apenas pensam diferente, querem que se faça a pergunta da forma correta. Aliás, nossos amigos d’lá, de burros não têm nada.
Voltemos, então, à língua. Mas ainda não à “miúda engatada”. Porém, vou me limitar à linha dos perigos que podem ter uma conotação sexual, como a do título. E tem os dois sentidos, o que achamos que é, mas não é, e que não achamos que é, mas é (ufa!). Há q’se ter cuidado!
1. Não se assuste quando falarem dos “putos” lá de casa, que estão a ref’rir-se aos próprios filhos homens. Ainda bem q’não usam a mesma palavra, no feminino, para referirem-se às filhas mulheres. Ia ficar estranho!
2. Em Portugal, você pode “entrar numa bicha para tomar pica no cu”, sem problemas para sua masculinidade. Significa apenas que você está doente e está precisando entrar numa fila para tomar injeção na bunda. Nada demais!
3. Esta já aconteceu com uma alta autoridade brasileira, cuja assessora de imprensa disse à sua contraparte de Lisboa: “O Presidente vai participar de uma coletiva.” Diante do espanto de seus interlocutores, perguntou se havia dito alguma bobagem. Ao que foi explicada que, lá, coletiva, é gíria para sexo grupal, suruba, bacanal, enfim, coisas do gênero.
4. E mais, você pode chegar a um restaurante português e pedir sopa de grelos e, de entrada, punheta de bacalhau pra comer, acompanhado com cacete em fatias finas. Nada demais! Trata-se de sopa de folhas de nabo, com bacalhau desfiado, temperado e cru, pra comer com pãozinho cortado em fatias finas.
5. Esta não tem problema de duplo significado, mas serve para ressaltar a dificuldade. Não adianta reclamar num hotel que a descarga da privada não funciona. Vai demorar muito para entender que você não consegue acionar o “autoclismo da retrete”.
Bem, finalmente, vamos ao que interessa. A explicação do título vem em duas partes. E claro que, como a origem é beatle, vocês não iriam escapar de um pouco de cultura beatle, perdoem-me!
No disco Rubber Soul, sexto da carreira beatle, de 1965, eles começavam a sair da linha juvenil romântica da beatlemania. A segunda canção chamava-se “Norwegian Wood”, de Lennon/McCartney, mas, precisamente, era de John. A canção ficou famosa, além de ser linda, por dois fatos marcantes, daquele tipo “Pela primeira vez na história do rock...”, que os Beatles fizeram um sem-número de vezes.
1. Foi a primeira vez que uma cítara apareceu numa canção de rock. George Harrison já havia começado sua paixão pelas coisas e pelas idéias indianas, trouxe o instrumento de uma viagem, aprendeu o básico e tocou os inesquecíveis acordes iniciais da canção.
2. Foi a primeira vez em que uma composição de rock insinuava uma noite de sexo, num primeiro encontro, deixando o lado ingênuo de “I Wanna Hold Your Hand”, em que se pedia permissão para segurar (só) na mão da miúda (ih!), e outras tantas.
A letra dizia:
“I once had a girl, or should I say, she once had me.
She showed me her room, ‘Isn’t it good? Norwegian Wood!’ ”
Depois, lá pelo meio da letra, ele solta:
“We talked until two, and then she said: ‘It’s time for bed!’ ”
É certo que as más línguas e as mentes poluídas já haviam identificado uma certa conotação sexual na aparentemente ingênua “Please Please Me”, dos idos de 1963, em que John (sempre ele!) dizia:
“Please please me, oh yeah, like I please you!”
Diziam os alucinados que o “Satisfaça-me como eu satisfaço você!” tinha uma clara indicação de sexo oral não retribuído. Lennon nunca admitiu isso: dizia apenas gostar da sonoridade da palavra ‘Please’, que tinha dois significados totalmente diferentes, e que ficou encantado com a possibilidade de juntá-los num mesmo verso.
Bem, a primeira parte d’minha descoberta originou-se há uns anos, quando uma colega aposentou-se e, sabedora de minha mania, deu-me de presente um pequeno livro intitulado: “Beatlemania - Poemas dos Beatles 1962-1966”, e vinha com um post-it que dizia “Divirta-se!”. Profético conselho! Tratava-se de todas as canções beatle daquela fase, em inglês, e com sua tradução em português de Portugal. Na maior parte das vezes, a tradução é idêntica à que nós faríamos aqui. Mas tem uma ou outra expressão que só os da terrinha entendem! Por exemplo:
“My baby don’t care!” de “Ticket To Ride” ficou
“A minha miúda está-se nas tinta!”;
“When you say she’s looking good ..” de “Girl” ficou “Quando se lhe diz que está gira..”;
“Darning his socks in the night .. ” de “Eleanor Rigby” ficou “A coser as peúgas à noite ..”.
E aquela frase do refrão de “Please Please Me” ficou muito interessante, com os modos pronominais portugueses:
“Por favor, dá-me esse prazer, oh sim, como eu to dou a ti!”
E por aí foi! Entretanto, quando cheguei em “Norwegian Wood”, irrompeu-se-me uma gargalhada fenomenal. Logo de início, aqueles dois primeiros versos que escrevi aí em cima, do “I once had a girl ...” foram assim traduzidos:
“Uma vez engatei uma miúda. Ou será que ela me engatou a mim?
Mostrou-me seu quarto. ‘Que beleza! Madeira Norueguesa!’ ”
Mais uma vez, sem palavras!
Devo alertar que qualquer tradução de letra de música corre o risco de ficar ridícula e, por vezes, não passar a mensagem poética do autor. Lembram-se do que acontece nos países de língua hispânica, onde eles traduzem os nomes das canções nas capas dos compactos, e produziram aquelas pérolas como “Boleto Para Pasear” e “Podemos Solucionarlo” ou ainda, “Déjalo Ser” e “Anochecer De Un Día Agitado”, e coisas do gênero, como apresentei em outro texto meu (link). Em português, também! Quem apostaria numa música intitulada “Madeira Norueguesa”? O inglês tem uma sonoridade musical toda própria, que se perde na tradução. Naquele mesmo álbum Alma de Borracha (!!!), existe outra bela canção de John (de novo) , “Girl”, que no livrinho aparece como “Rapariga”. Pois é, não dá!
Outro exemplo de perda de sonoridade, eu presenciei quando assisti ao filme “Lost in Translation”, que no Brasil saiu como “Encontros e Desencontros”: o personagem principal, vivido por Bill Murray, está num bar onde uma mulher canta a linda “Scarborough Fair”, de Simon & Garfunkel. Quando ela entoa .....
“Are you going to Scarborough Fair? Parsley, sage, rosemary and thime.”
…. lindamente, melodicamente, na tela, a legenda mostra:
“Você vai à feira de Scarborough? Salsa, sálvia, alecrim e tomilho.”
Não precisa dizer que, no segundo seguinte, a sala de cinema toda olhava em minha direção, procurando de onde vinha a gargalhada que invadiu o espaço.
Bem, decifrada então a primeira parte do enigma, sigamos à segunda.
No meio da década de 90, os 3 Beatles então viventes, Paul, George e Ringo, dedicaram-se a um grande projeto, uma antológica recompilação da carreira, que gerou discos, filmes e livro: o Projeto Anthology. De música, foram 3 CD’s duplos Anthology 1 1995, Anthology 2 1996 e Anthology 3 1996. O livro, na verdade um livrão chamado Anthology, foi uma autobiografia dos Beatles, que esgota tudo o que se quer saber sobre eles, contado pelos próprios. Claro que há outras centenas (Sem exagero! Penso que, na verdade, deve passar de 1000!) de livros sobre as vidas deles, em que encontrarão algo que eles mesmos não gostariam que se soubesse. Mas, o essencial está ali.
Em filmes, foram, primeiro, 8 fitas VHS (lembram-se daquele jurássico meio magnético?) e, no final da década, relançaram na forma de 5 DVDs, que juntavam as 8 fitas: 2 a 2 nos 4 primeiros DVDs, e no quinto, o material extra. Os DVDs são magníficos, têm detalhes que eu não sabia, imagens que eu nunca havia visto, os 4 Beatles aparecem em entrevistas ótimas, inclusive John, lá do além, claro que em gravações feitas antes de sua morte, o pá!
O bom dos DVDs, além do material extra e da natural melhor qualidade, é que vinham com a opção de 10 idiomas para as legendas, desde inglês a coreano, árabe e japonês, até chegar ao português e português do Brasil. Veja a sensibilidade dos produtores, que notaram que as diferenças podem ser significativas. Agora mesmo, aqui na empresa, estamos associados a companhias portuguesas em uns blocos em Portugal, e todos os contratos, na dúvida, são elaborados em inglês. Totalmente justificável!
Como curiosidade, assisti com a opção do português original. O primeiro dos DVDs conta, como não poderia deixar de ser, sobre o começo da carreira, mas, antes ainda, como foi a infância dos 4, e sua introdução no mundo do rock’n roll. Elvis Presley, que é influência marcante para todos, aparece um vídeo de “Hound Dog”, com seu requebrado inigualável, e, na legenda, traduzindo uma fala de John, que dizia que ele cantava e rebolava, estava:
“Elvis a cantar e a dar ao rabo ....”
E, mais uma vez, as gargalhadas invadiram o ambiente, desta vez, a minha casa, ante os olhos assustados de meu filho, que via comigo, mas não captou a essência da coisa, de cara.
Lá mais adiante, notei que a expressão aplica-se a mais situações da língua, com o mesmo sentido. Por exemplo, quando se dizia que os Beatles balançavam as cabeças, aparecia: “Eles davam às cabeças... ”
Então, está decifrado o enigma!
O título lá em cima quer dizer, em português do lado d’cá:
“Ele teve uma garota que rebolava ....”
Nada mais inocente do que isso!
Portanto, mais uma pequena confusão portuguesa, com certeza.