Em defesa dos gerentes financeiros (CFO, pronuncia-se SIÉFOU em inglês) do mundo, compartilho uma carta que fiz a um gerente não-financeiro sobre a minha experiência como um do primeiro tipo.... após presenciar numa troca de emails uma certa impaciência de um com outro...
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Colega
COO - Chief Operating Officer,
Eu não pensava que fosse presenciar tamanha
desinteligência entre colegas.
De
minha parte, apenas fiz o que me foi pedido. Deixei de fazer parte de minhas
tarefas para dedicar-me ao efeito e nem
mesmo acreditei que conseguiria.
Minha
irônica mensagem apenas reflete meu estado de preocupação quanto ao possível
insucesso de minha tarefa, dado o enorme número de atores envolvidos. E, você
já deve ter percebido, minhas mensagens são preferencialmente irônicas (um dia
ainda me ferro!).
Notei
um certo inconformismo da sua parte quanto a uma postura aparentemente
burocrática de seu colega CFO – Chief Financial Officer.
Devo
aqui, até para tentar acalmar os ânimos, dar meu testemunho, saindo em sua
(dele) defesa.
Pelo
que conheço do colega, trata-se do menos burocrático dos gerentes financeiros
que conheço. Prático, dinâmico, voltado para o negócio, pensando grande, são
estes os qualificativos que eu a ele aplicaria, sem pestanejar. Burocrático,
nunca!
Ocorre
que a posição que ele ocupa é baseada em controle, tanto que, em inglês, ela é
também oficialmente chamada de Controller. O Controlador é o guardião dos
processos documentais de contabilidade e finanças, da boa norma. É dele a
responsabilidade sobre o que ocorre com os números da empresa, não aqueles do
futuro, do valor presente, das perspectivas, da imaginação, mas aqueles do
dia-a-dia, do dinheiro no caixa (ou a falta de), da realidade.
Portanto,
por mais pro-ativo, objetivo, ágil, moderno que o Controlador seja, ele tem que
se ater a um mínimo de processo seguro para guardar coerência com certas normas
que, caso não sejam seguidas, podem prejudicar a empresa. O pomposo título de
CFO traz consigo um nível de responsabilidade perante entidades fiscais,
governamentais, e, no presente caso, perante a casa matriz (como dizem 'los
hermanos'), que o obriga a estar sempre atento, sob pena de perder o cargo, o
emprego, ou em casos extremos, a liberdade. Isso, sem falar na saúde. Bem, esta
última, todos os que estão submetidos a stress indevido estão sujeitos a isso,
fazer o quê? Acresça-se que, nesse caso
de filial no exterior, você tem DOIS governos, DOIS fiscos, DUAS justiças, de olho em
cada um de seus movimentos. Poderíamos tirar o último 'r' do título
'Controlador', e ainda assim caberia perfeitamente. O Controlador é,
paradoxalmente, um eterno Controlado, permanentemente auditado pela Sede
(audioria interna), pelos sócios (auditoria conjunta), pelos independentes
(auditoria externa), pelo leão (auditoria fiscal). E tem que obedecer a USGAAP,
a BRGAAP, a Local GAAP e, como se não bastasse, agora vem o International GAAP.
Bem, no caso americano tem um GAAP a menos.
Daí,
a brincadeira lá do título. Na verdade, repete-se no presente, a todo momento.
Quando faz certo, quando não faz certo, é a toda hora!
Eu
nunca gostei do título de CFO, enquanto o tive, durante quatro anos, aí mesmo.
Caí meio de pára-quedas naquela cadeira, nunca havia passado por posição no
exterior, muito menos gerencial, menos ainda na área contábil-financeira.
Demorei muito para me adaptar, levei muita surra da auditoria interna (se bem
que, no meu caso, tinha lá do outro lado um crápula, que felizmente já caiu
fora), vivi numa zona de perigo. Só no terceiro ano comecei a ver a luz no fim
do túnel, mas só tive certeza que não era um trem no quarto (ano), quando
estava prestes a fazer as malas. Houve momentos de tensão que minha esposa não quer nem
se lembrar.
Sempre fui um gerente FILO (First-In Last-Out, para falar um pouco
de contabilês, FIFO, LIFO, essas coisas de controle de estoque). Eu inaugurava
a garagem gerencial todos os dias e a fechava de noite. A pressão era grande.
E, saiba, os problemas vinham não de nosso querido E&P, mas das áreas de
serviço. A papelada contábil me enterrava.
Quando
meu substituto chegou, notei que sua postura era diferente, vinha de outras experiências
na área financeira, vinha de outra bagagem gerencial (esta última, então,
precisava do porta-malas de um Galaxy), conhecia os caminhos das pedras, os
trâmites e os meandros da Sede. Percebo aqui de longe que adota uma postura
muito mais delegante que concentrante. Colocou o pessoal da Sede a falar
diretamente com a galera daí, batalhando no idioma, coisa da qual eu os
poupava, os de lá e os de cá, servindo de intermediário de luxo. E, assim
agindo, pôde dedicar-se a coisas como a engenharia financeira, a política de
capitalização da unidade, a política de transferência de preços das áreas de
serviço, enfim, assuntos bem mais nobres. E o está fazendo com brilhantismo,
ainda que com dificuldades, pois não há como driblar a velocidade mastodôntica
da sede.
Mesmo
assim, como controlador, precisa ter um pouco de apego a certas normas, que por
vezes podem parecer picuinhas e irritar os objetivos gerentes do negócio. De
vez em quando, precisa colocar o lápis na orelha e vestir aquele colete de
'guarda-livros', que é como chamavam os contadores no começo do século passado.
É o dele que está na reta, lembre-se.
Não
sei como era seu relacionamento com os financeiros das unidades de negócio
brasileiras, tenho a impressão que era um pouco mais distante do que o que têm
aí, onde vocês convivem muito mais. Talvez por isso, você não esteja acostumado
com a proximidade, talvez tivesse menos limites por aqui. Aí, você pode ter
certeza, o buraco é mais embaixo, pode haver um preço alto a pagar. Aí, dá
cadeia! E ele nem fuma, para podermos levar os Marlboro. Bem, esta pode ser uma conclusão precipitada,
talvez até para tentar entender o que ocorre. O que eu tenho certeza é que
vocês contam aí com o que há de mais moderno em administração financeira.
Bem,
espero que este blá-blá-blá todo tenha ajudado. Peço um pouco mais de
compreensão, um pouco mais de paciência com aparentes picuinhas, ele o faz para
o bem de todos. Penso que vocês estão em boas mãos.
Desculpe-me
a intromissão, o aconselhamento não solicitado. Quero apenas ajudar, quero
apenas que todos convivam em paz, quero levar o meu ombro amigo a qualquer
amigo que precisar. Êpa! Esta é do Rei!
Abraço
e que a paz esteja convosco!