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segunda-feira, 8 de maio de 2017

Lar Maria de Lourdes

O texto é de 2009, meses após a partida de Carlinhos...
As fotos são de agora, quando fizemos a última visita...
As 'enfant de Dieux', em sua maioria, são as mesmas ...


Meu cunhado Carlinhos tinha uma saúde boa, mas sua neuropatia exigia medicação de fundo, os tradicionais Gardenal e Tegretol. Remédios controlados, requeriam receitas médicas para sua aquisição, mas sempre dávamos um jeitinho para termos sempre bem mais do que o necessário. Quando ele se foi, tínhamos um estoque respeitável dos remédios que controlavam suas crises. Neste sábado, demos destino a eles. Um ótimo destino!
Uma casa de caridade que trata de crianças como ele, excepcionais, especiais: o Lar Maria de Lourdes, na Taquara, em Jacarepaguá.

Pra quem não sabe quem foi Carlinhos, escrevi um pouco de sua história aqui, neste post: http://blogdohomerix.blogspot.com.br/2007/02/historia-de-um-sorriso.html
Neusa tinha a intenção da doação já há tempos, conhecia a entidade de nome, pois no ano passado o Tribunal a havia selecionado, dentre outras. Portanto era séria, em princípio. Mas ela queria fazer a entrega pessoalmente, fazer uma visita às crianças. E isto significava ir junto com a mãe, pois não a deixamos só. Minha sogra só há pouco tempo começou a ter condições de sair de casa, depois de termos acertado na escolha de um neurologista que fez uma coisa muito simples: diminuiu os remédios que ela estava tomando. Desde então, temos saído religiosamente com ela, shopping centers, passeios, até teatro ela foi, claro, para ver ‘A Noviça Rebelde’. Foi o primeiro teatro em que ela entrou em décadas.
Demoramos ainda um pouco para decidir a ida a Jacarepaguá, afinal não é toda hora que vamos assim tão longe, de qualquer modo, chegou a hora. E nem foi tão difícil assim, seguimos placas, perguntamos umas poucas vezes em alguns postos de bandeira que eu absolutamente desconhecia, e lá chegamos.
E logo entendemos porque demoramos aquele tempo para fazer a visita. A Assistente Social abriu um largo sorriso quando soube que tipo de doação trazíamos: o médico da casa estava com dengue, e não viera nos últimos dias, justamente quando necessitavam da prescrição de, adivinhe, Gardenal e Tegretol, e naquelas exatas dosagens.
Passo seguinte, conhecer as crianças. Na entrada do quarto principal, uma moça numa cadeira de rodas nos olhava e acompanhava nossos movimentos. Era Fabiana. Passamos por ela, demos uma atenção, e seguimos. Quando vimos os outros, minha sogra não aguentou, começou a ficar aflita, disse que não deveríamos tê-la trazido. Nem havíamos pensado na possibilidade. Imediatamente, a assistente levou-a para fora e ficou conversando com ela, enquanto fazíamos a ronda, e que ronda. Fez bem a saída, pois ela pôde contar a sua história, a do Carlinhos, e acabou entendendo que não havia motivo para sentir-se mal, afinal, ela viu como foi uma bênção ela poder ter dedicado sua vida ao Carlinhos, durante toda a vida dele, dado um lar e amor incondicional.
Naquela sala, eram uns 25 berços de variados tamanhos. Estava na hora da troca de fraldas, processo que entendíamos muito. Foi bom que Dona Mira ficou lá fora .... logo no primeiro berço que vimos, uma menina com hidrocefalia em alto grau, com uma cabeça imensa, uma tristeza. Ao longo da caminhada, víamos pernas atrofiadas, alguns gritos, olhares distantes, movimentos repetitivos de cabeça, cenas familiares de nosso dia-a-dia até pouco tempo atrás. E as lembranças continuavam também com o lado positivo, pois o sorriso também apareceu algumas vezes. O primeiro veio luminoso, com a menina Esther, de quatro anos, diagnosticada também com hidrocefalia, mas nada aparente, parecia normalzinha mesmo, e tinha uns olhos lindos. Uma assistente nos conduzia e ia contando as histórias.
A casa abriga crianças de famílias pobres, ou sem família; é mantida pelo governo do Estado e claro, por doações, tanto de empresários, como individuais. As crianças recebem tratamento fisioterápico, fonoaudiológico, psicológico, médico e dental, tem até aulas para aqueles com alguma condição de se desenvolverem. E parece serem bem tratadas. A casa é simples, mas é limpa, não há cheiros desagradáveis no ambiente.
Wagner
As histórias se sucediam: um garoto que víramos lá fora, operando a própria cadeira, mas falando enrolado, era normal, mas levara um tiro que entrou pela perna e atingiu um nervo vital, o Wagner. E tinha um outro que caiu de mau jeito de uma árvore e um galho perfurou a medula. Mas a maioria tinha encefalopatias de nascença ou adquiridas naturalmente. Como o Fernandão, um mulato forte, de 21 anos, que retribuiu a um sinal de positivo de Neusa da mesma forma, igual ao jeito que o Carlinhos fazia, e que ele conhecia como ‘barra limpa’, coisa da época da Jovem Guarda. E com um sorriso!! Foi demais pra gente!
Fabiana
Ao mesmo tempo em que ‘conversávamos’ com Fernandão, notamos que, lá de longe, Fabiana continuava nos observando e esboçou um aceno. Fomos até lá, Neusa falou com ela, que pôs em suas mãos um nariz vermelho, daqueles de palhaço. Percebendo o elástico solto, ela o consertou e vestiu o nariz de Fabiana, que agradeceu com um sorriso. Ela tem 23 anos, consegue manobrar a cadeira, não fala, não ouve, mas lê lábios, tem alguma compreensão. E continua ali por caridade, pois já passou da idade máxima da casa, que é de 18 anos (o Fernandão também segue ‘ilegalmente’ internado). Não tem pai, mãe, parente, não tem quem a visite, muito triste. Aliás, como a maioria dos internos. Visita é coisa rara.
Fernandão
Outras duas salas menores abrigam mais internos, uma delas apenas com aqueles que precisam de tratamento com enfoque mais hospitalar, com sondas permanentemente instaladas.
Apesar do apoio oficial, doações são sempre bem-vindas. Eles precisam sempre de material de higiene pessoal, como sabonetes, pasta de dentes, escova de dentes, desodorantes, cotonetes, algodão, shampoo, e claro, fraldas, muitas fraldas. Além da higiene pessoal, tem a da própria casa, então aceitam com gratidão produtos de limpeza, como cloro, saco de lixo, papel higiênico, detergente, água sanitária, etc.
Um amigo me disse que crianças como elas, que são crianças, ainda que tenham 20, 30 ou 55 anos de idade, como tinha o nosso Carlinhos, são conhecidas na França como ‘Enfants de Dieux’. Nada mais apropriado! Vez por outra, Deus sente saudades de suas crianças e as chama de volta pra ficar ao lado dele, como fez com a nossa. As que aqui ficam necessitam de cuidados especiais. Quando não da própria família, de instituições como o Lar Maria de Lourdes.
Fiz este relato, pois encontrei uma oportunidade de fazer caridade que senti segurança 
em divulgar, sem medo, porque conheci pessoalmente. A partir de agora, sim, a casa receberá nossa atenção especial! Eu e Neusa somos mais felizes depois de conhecê-la.
Se também quiser ajudar, as doações poderão ser entregues no próprio Lar Maria de Lourdes, na Rua Pajurá, 256 Taquara - Jacarepaguá, Tel: 3392-9646.
Se tiver condições emocionais, faça uma visita àquelas crianças de Deus.
Tenho certeza de que você vai se lembrar por muito tempo.
Do sorriso de Esther.
Do aceno de Fabiana.
Do sinal de ‘barra limpa’ do Fernandão.


Leonardo

Angélica
Roberto e, ao fundo, Violeta

Tudo bem limpinho e bem cuidado!!!

4 comentários:

  1. Numa próxima ida ao Rio vou tentar ir até lá conhecê-los.....tenho muito carinho por estas "eternas crianças" especiais.....

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  2. OI..nada é por acaso. Preciso o contato de alguém do Lar ...digo o nome do responsável para fazer contato inicialmente por tel...vc pode me ajudar ?

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  3. Já estive lá e compartilho do mesmo sentimento. Eles precisam da gente!

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