Um almoço com um colega beatlemaníaco inspirou-me a ouvir de novo, depois de anos, o CD duplo ‘George Harrison Live in Japan’, de 1992. Começando pelo palco, o Budokan Hall, em Tokyo, em que os Beatles ofereceram algumas de suas mais memoráveis performances ao vivo, o show de 1991 foi marcante por dois outros motivos: foi a primeira vez que George cantou a maior parte de seus sucessos da época beatle, coisa que ele se recusava a fazer e, para coroar a sábia decisão, chamou para o palco a banda de Eric Clapton. E a banda de Eric Clapton não era boa só porque tinha ‘Deus’ como guitarrista, o que já seria suficiente para garantir o sucesso. Seu tecladista era Chuck Levell, um nome que todo mundo pensa quando precisa contratar um tecladista, o outro guitarrista era Andy Fairweather Low, competentíssimo e merecedor da mesma qualificação, e, last but not least, o percussionista era o careca Ray Cooper, por si só, uma garantia de espetáculo com sua entrega de corpo e alma aos instrumentos que maneja com uma corografia sempre inesquecível.
Bem, de volta ao show/CD (devido à péssima qualidade da filmagem pirata, melhor desconsiderar a existência do DVD pirata que oferecem), os sucessos da época solo estão ótimos, mas, claro, minha atenção volta-se naturalmente para as novas interpretações dos velhos clássicos. Começando por Taxman, a melhor sátira ao fisco de todos os tempos em qualquer língua (it’s one for you, nineteen for me, cause I'm the taxman), notei novos trechos de letra. Surpresa na execução de Piggies: numa inesperada rendição ao vivo de uma canção tipicamente de estúdio, com direito até ao “one more time” com orquestra, George apresenta trechos alternativos de letra.
Pensei que George ia apresentar, na mesma linha, uma letra nova também em While my Guitar Gently Wheeps. Esta já conhecida, e que eu acho genial. Ouvi no Anthology 3 em um take que não foi adiante, aparece um complemento genial, veja se você concorda: ‘While I’m sitting here, doing nothing but aging, still my guitar gently wheeps’. Agora, no quesito música, a presença de Eric, sempre notada nas demais faixas, chega a seu máximo aqui, com mais um show de solo, reeditando a antológica interpretação que ele ofereceu lá nos idos de 1968, convidado que fora pelo amigo George para participar da gravação oficial beatle, coisa que poucos mortais lograram na história. Nunca uma guitarra chorou tanto como naquela noite em Tokyo, realmente de fazer chorar qualquer admirador do instrumento. Sua categoria recebe, ao final, a mais apropriada qualificação que eu já ouvi sobre ela, de seu anfitrião George: ‘Eric Clapton and his Psycho guitar’.
Para terminar, apenas uma menção à sensacional introdução da mais bela canção de amor de todos os tempos, nas palavras de Frank Sinatra, ‘Something’. Num ritmo mais lento, ouve-se uma guitarra evoluindo magistral e romanticamente, você quase percebe qual é a canção que vem aí, mas só tem a confirmação quando vem a bateria e ela efetivamente começa: provocou-me lágrimas ao ouvi-la e arrepios, neste momento, ao escrever e me lembrar.