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terça-feira, 16 de março de 2021

Ob-la-di Ob-la-da, disse o amigo Scott. O quêêê?

Esta é a  canção d1° LP  do Álbum Branco

a história do álbum, cenário, assuntos e canções, aqui neste LINK

É uma de 9 canções com Historinhas sobre pessoas

as demais 8 canções de mesmo Assunto e Classe, neste LINK

Atenção, canções com títulos em vermelho 

são links que levam a análises sobre elas.

4. Ob-la-di Ob-la-da (Tale Story Song by Paul McCartney)

Paul conta ''Desmond tem um quiosque no mercado. Molly é a cantora de uma banda. Desmond diz à Molly, garota eu vou com a sua cara e Molly responde pegando em sua mão"

E depois, ele compra um anel para ela, e os dois viram o casal Jones, têm dois filhinhos, que brincam no quintal e seguem sua vida feliz, cantando Ob-la-di, Ob-la-da, seja lá o que isso queira dizer! Mais uma historinha que Paul, nosso maior storyteller, conta! Paul pegou essa frase com Jimmy Scott, um percussionista nigeriano radicado em Londres, que provocava sua plateia com 'Ob-la-di', a plateia respondia com 'Ob-la-da' e ele finalizava com 'Life goes on'. Pois que não é Paul teve a cara de pau de pegar essa frase INTEIRINHA e colocar no refrão de uma canção Beatle, e ainda tentou convencer o amigo a não cobrar direito autoral?! Claro que não conseguiu, mas teve a sorte de que Scott se enrolou com pensão alimentícia a uma ex-esposa, pediu ajuda a Paul, que concedeu mas, em troca, exigiu que desistisse da ação, que ia ganhar, sem sombra de dúvidas, e embolsaria milhões, facilmente. Ah, esse Paul!!! 
Musicalmente é um ska muito legal, que eu adorava quando pequeno. Eu tinha o compacto (que veio com While My Guitar Gently Wheeps, do George, no Lado B), e ouvia sem parar, nos meus 10 aninhos! Mas eu e milhões de fãs pelo mundo e pelas décadas seguintes éramos (somos) minoria. Incrível como a música é execrada por boa parte dos beatlemaníacos ao redor do mundo! Talvez pela letra bobinha, pelo ritmo quase infantil, não sei, não concordo, e continuo adorando. Fato também é que todos os outros três  Beatles também detestaram, e até o engenheiro Geoff Emmerick pediu demissão por causa dela!! Depois, voltou! Quem mais detestava era John, que numa das muitas sessões de gravação, abandonou-a intempestivamente, ficou fora umas horas, voltou chapado, sentou ao piano e disse: 'É disso que esta musiquinha de merda precisa!". E foi aquela abertura que ficou na gravação final! É o gênio consertando as coisas! Notem os ótimos saxofones no meio dos refrões, e também as risadas e os complementos de John e George, após o 'Molly lets the children lend a hand', uma fala 'arm' e o outro 'leg', bem divertido. E note que Paul troca Desmond por Molly e vice-versa, no último refrão. Paul queria trocar, quando  percebeu, mas os outros três disseram em uníssono: Não, Paul, chegaaa!.... eu que inventei essa forma, mas o fato é que os três disseram pra deixar assim mesmo. Mas vamos deixar os detalhes sórdidos e passar aos detalhes técnicos.

 

Se prestaram atenção em minhas análises pretéritas, repararam que a maioria delas apresenta apenas duas das três peças estruturais, verso e refrão ou verso e ponte, às vezes apenas só versos. Ob-la-di Ob-la-da tem verso, ponte e refrão, e aqui, como um refrão que se preze, ele é repetido quatro vezes, e como cada uma delas tem duas vezes a linha principal com seu título, ouvimos Ob-la-di Ob-la-da 16 vezes, sem contar a versão diminuída da conclusão, decerto são os sons mais ouvidas em uma só canção, descontando, claro, os Na-Na-Na's de Hey Jude!

 

Em termos de rimas, e se fôssemos manter nosso costume de classificá-las como no português, diríamos que foi uma das pouquíssimas vezes em que a pirâmide social foi invertida: as 'pobres' suplantaram as 'ricas'! Notem "place-face" e "hand-band" e "store-door", todos substantivos, sendo "ring-singa única concessão às mais abastadas, com uma combinação verbo-substantivo. Mas Paul não é fácil, ele não ia deixar isso assim barato. Os três primeiros versos têm letras distintas, seguindo o savoir-faire dos compositores Beatle: no 1°, Desmond conhece Molly, no 2°, ele se declara a ela, e no 3°, eles já estão casados e com filhos, e no 4°, repete-se o 3°. Tudo certo, só que note que, no Verso 1 e no Verso 3, que contam histórias distintas, são usadas as MESMAS rimas, "place-band-face-hand", uma variação da rima interplanetária de Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. É a genialidade expressa de outra maneira. A canção tem uma ponte "In a couple of years they have built a home sweet home" entre os Versos 2 e 3, que se repete antes do Verso 4.

 

Como todas as canções compostas na Índia, Ob-la-di Ob-la-da ganhou sua primeira versão demo na casa de George Harrison em Esher, no final de maio, junto a outras 17 canções que aparecem Álbum Branco. Ali, era Paul no violão, e num vocal, dobrado mal e porcamente, e mais chocalho e pandeiro e um bongô simulado na caixa do violão. Na ponte, já tinha um galopezinho, simulado num "chakabum-chakabum-chakabum". Só em 3 de julho, eles se reuniram no estúdio, dando início a uma maratona de 42 horas de gravação, constituindo-se na canção com maior tempo dedicado em todo o álbum. Vamos tentar decifrar o andamento:

  • Dia 1: foram 7 takes com Paul, john e George em violões, Ringo na bateria, seguindo um guia vocal do compositor;
  • Dia 2: Paul grava seu vocal principal, John e George seu vocal de apoio, o "La La How the life goes on", e Paul no "chakabum" da ponte, mais chocalho e cowbell; 
  • Dia 3: Apenas Paul atuou, para programar os metais, cantando os sons que queria para George Martin transformar em pauta e 3 saxofonistas colocarem seu ótimo trabalho, que, infelizmente, .... conto mais adiante; houve também um trompete piccolo, que no mesmo dia foi apagado por um violão de Paul simulando um baixo eletronicamente, para desespero dos técnicos; 
    • Numa pausa de 3 dias, Paul ouviu, re-ouviu, pensou, sonhou, e descobriu que não era aquilo que ele queria e resolveu começar tudo do zero, começando a deixar seus companheiros fulos, e o estúdio lamentou a primeira vez que o trabalho de músicos contratados foi jogado no lixo.
  • Dia 4: Todos souberam da decisão de Paul, e começaram a trabalhar, chateados, até que, numa bela hora, ocorreu o arroubo de John, acima descrito, e que acabaria por salvar a canção. Ele saiu gritando pela escada acima, Yoko logo atrás (veja bem ele ainda não havia se divorciado de Cynthia), todos se entreolharam, mas seguiram nas tentativas, e quando já não mais se esperava, horas depois, John retornou, apareceu no topo daquela mesma escada lateral, visivelmente alterado, e declarou, agora no original em inglês: "I am more stoned than you have ever been. In fact, I am more stoned than you will ever be! And this is how the f*cking song should go.". E desceu com passos firmes, sentou ao piano e machucou as teclas com aquela maravilhosa introdução. Paul, inicialmente doido com aquilo tudo, acabou se acalmando e disse que estava feliz por John ter dedicado aquelas horas se inspirando para a canção dele. Ademais, aquilo salvou a canção, porque o ritmo da introdução segue até o final, dando o que Paul queria e não estava conseguindo! A partir de então, voltaram ao trabalho, agora com John ao piano, Paul no baixo (fuzz, aquele usado pela primeira vez em Think For Yourself), George no violão e Ringo na bateria, em mais 6 takes. E ainda foram gravados novos vocais, lead and backing, e mais percussão, e mais aqueles trechos, um introduzindo a Ponte 2 e outro aquela sequência divertida no Verso 4, por Paul;
  • Dia 5: Paul ainda não estava satisfeito, e gravaram mais 7 takes, sem Ringo, com Paul migrando para a bateria, Ringo não havia sido chamado, e quando chegou, uma nova e definitiva versão, desta vez com Paul, John e George dividindo um microfone, como nos velhos tempos, o que os inspirou a fazer aquelas divertidas inserções no Verso 3, após o "hand" de Paul, veio o "arm" de John, e o "leg" de George, não sabemos se combinado ou improvisado, de qualquer modo, genial. E também as risadas ao final das pontes, e aquele final de John, agradecendo sabe-se lá o quê. Nesse dia, também foi acrescida alguma percussão e também palmas, a destacar aquelas notáveis, logo na introdução, curtinhas, mas marcantes! Ficou tudo tão divertido com esses toques, que cheguei a pensar em consider a canção como uma Funny Story Song, mas resolvi ater-me ao conteúdo da letra;
  • Dia 6: Estão de volta os três saxofonistas para gravar suas ótimas partes, a primeira na Ponte 1, decrescente estupenda depois numa estupenda contraparte à melodia cantada por Paul nos Refrões 3 e 4. Note que na Ponte 2 ainda há outra sequência decrescentes, mas de leve, por trás de Paul cantando "Desmond and Molly Jones", e por que eu digo 'de leve'? É porque, em algum take perdido, talvez ainda naquela primeira sessão de metais desprezada, essa parte é bem pronunciada e eu achei genial;
  • Dia 7: Você pensa que estava tudo pronto? Paul não achou! Ele quis porque quis melhorar seu vocal, e lá apareceu num funesto 15 de julho para melhorá-lo. E por que 'funesto'? Porque houve um episódio lamentável. Numa bela hora, o George Martin, o grande Maestro, sugeriu lá do aquário, da sala de controle, educadamente, como lorde que era, que talvez Paul pudesse refrasear melhor as últimas linhas dos versos. Paul lá de baixo, não teve dúvidas e disparou: "If you think you can do it better, why don't you f*cking come down here and sing it yourself?" Uau!! Nosso lorde levantou a voz, como nunca fizera, acho que na vida, e começou uma altercação com o cantor, que depois acalmou. Só que o episódio causou uma baixa terrível. Geoff Emmerick, o grande produtor, já ganhador de dois Grammy's simplesmente disse que não iria mais trabalhar com os Beatles! E não fez mais nenhuma canção do Álbum Branco!!! Ele somente voltaria nove meses depois, para as gravações de Abbey Road!! Ufa! Paul estava impossível!!

Isto posto, na época do lançamento do Álbum Branco, John, George e Ringo não permitiram que Ob-la-di Ob-la-da fosse lançada como compacto, no Reino Unido ou nos EUA. Mas não se incomodaram que fosse feito nos demais países. Que bom, porque chegou aqui no Brasil, como eu contei no começo desta análise! E foi enorme sucesso no mundo todo. É considerada a face popular do Álbum Branco, e tem enorme penetração com as crianças!

 

Coloco aqui alguns youtubes como referência: (i) AQUI, só nos violões, com o "chakabum-chakabum-chakabum" nas pontes, e com uma interessante harmonia de John e George, nos versos 3 e 4, nada disso sobreviveu na edição final. (ii) AQUI, ainda nos violões, sem o "chakabum", mas com aqueles saxofones no final das ponte, que eu achei bem melhor que o que saiu no disco. (iii) AQUI, como eu não achei o video isolado de The Analogues cantando Ob-la-di Ob-la-da, apenas o àlbum Branco todo, coloque no link uma reportagem sobre eles, pra vocês ficarem babando, com a MELHOR BANDA cover dos Beatles! (iiiv) AQUI,  deixei Paul por último, porque ele foi muito chato, numa sensacional performance no Hyde Park em Londres!

14 comentários:

  1. Para variar, que descrição incrível que nos leva para dentro do momento da gravação. Essa riqueza de detalhes é um presente para nós, humildes leitores dessa obra prima, obrigada!

    Denise do Nascimento

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  2. Muito bom!!!! Parabéns!!!

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  3. Texto rico em detalhes
    Se superou homerix 👏🏻
    Uma das minhas faixas preferidas do álbum branco
    Divertida e agradável

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  4. Homerix, obrigado por este manjar dos deuses.
    Paz, graça, bem e força sempre.
    Estupendo.
    Imagina o susto do Lord George Martin ao ouvir:
    ..."If you think you can do it better, why don't you f*cking come down here and sing it yourself?"...rs

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  5. Bom... pertenço ao grupo dos que acham essa canção fraquinha. Quando tocava os covers, carregava no ritmo ska em minha guitarra-base. Pelo menos ficava mais puxada e dançante... Mas Paul ainda gosta dela. Nos shows que vi, ele a usa para se comunicar com a plateia, convida a cantar, faz bis do refrão... Mas é simples e bontita. Como Yellow Submarine, Octopus's Garden...
    Os detalhes técnicos e de gravação que você elencou dão mais graça e valor ao conjunto da obra. Não sabia que a "martelada" inicial e o piano batido eram do John! Movido a muito vapor! Só sabia que o Paul se apossou do refrão da música, na boa... Creio que era assim mesmo. Não vi os crédiytos para a amiga que traduziu a frase do Michelle para o francês. Aliás, nem sei quem traduziu o "hold your hand" e "she loves you" para o alemão. Alguém sabe?
    Ótima resenha, Homerix!

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  6. Ótimo! É um elogio repetitivo mas bem apropriado. Leva a nossa imaginação a viajar no tempo e no espaço, como se estivéssemos lá assistindo tudo! Parabéns! Nunca imaginei de ter acesso a trabalho e informações como essas aqui no Brasil.

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  7. Aprendi a gostar muito mais dessa música depois de ler essa análise tão rica!
    Olhando através de seus olhos, Homero, tendo a percepção do seu entendimento, me sinto numa aula, daquelas que a gente nunca quer que acabe... Sabe aquela aula no tempo da faculdade que quando vc lembra, pensa... Valeu a pena o tempo investido.
    O melhor é que sua aula é de graça!
    Infinitamente grata!

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  8. Ótimo texto amigo, adoro essa canção, mitos correm acerca de John não gostar dessa canção... Acho balela! Parabéns!

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  9. Sensacional, em especial os takes apresentados que mostram o quanto o preciosismo de Paul valeu a pena.

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  10. Parabens pelo belo texto, técnico sem ser tecnicista...

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  11. Mais umna das muitas histórias que não temos como saber se é verdade devido as diversas versões. Por que alguns a detestam? Não tenho como dizer o motivo, mas sei com certeza que muitos apenas dizem que a detestam...Por que: porque acham que John, George e Ringo a detestavam. Acreditaram nisso sendo que nunca teve prova alguma. Fãs que acreditam em todos os tabloides. Não procuram saber as outraas versões, não prestam atençao na música tampouco. Porque se prestassem veriam o clima fantástico que eles criaram. Está gravado. Basta ouvirem. Ele estão rindo e se divertindo muito
    Soube que o motivo do problema nada teve a ver com não gostarem da música. Não gostaram da gravação. Não gostaram do modo como tudo estava seguindo sem uma direção e decidamente falta um tempero. E que cansaço ficar ali repetindo e repetindo sem chegar a lugar algum. For por isso que John saiu.

    E John voltou dando com a solução. Olha, eu nunca vi em lugar algum que ele chegou falando palavroes contra a música. Pode até ser que eles todos falavam palavrões o tempo todo. Mas tudo que sei é que ele salvou a patría com aquela introdução que faltava. A partir daí tudo fluiu. E gravara rindo muito. E trocaram a letra que ficou super divertida. Afinal Desmond é que fica em casa cuidando do seu rostinho lindo...Que sacada. Adoraram!

    Paul fala que todos gostaram da música sim e não vejo motivo para duvidar. Ringo está aí e poderia dizer que não. Mas nunca contestou. E o que ficamos sabendo recentemente? George e John não cantaram Dear Prudence para anima-la. John escreveu a música para ela, mas quando foram até seu quarto para convidá-la a sair...cantaram Ob Lad Di, Ob La da...Life goes on Bra
    Vejam que foram John e George. Não Paul. Queria alegrar a moça. Escolheriam uma música que não gostassem? Claro que não. O curioso é que a música nem estava pronta. Foi antes da gravação lá na India.
    Quem contou isso foi a própria Prudence.

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