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domingo, 24 de outubro de 2021

Chaos and Creation in the Backyard

Chaos and Creation in the Backyard - WikipediaEm 2005, depois de um recesso para dedicar-se à gravidez de Heather e aos primeiros meses da vida de Beatrice, Paul McCartney dedicou-se ao  lançamento de Chaos and Creation in the Backyard, seu 20° álbum solo, que ora passo a descrever, brevemente.  É o 3º disco em que McCartney faz one-man-band, tocando todos os instrumentos, depois de McCartney (1970) e McCartney II (1980). Desta vez, a aventura de tocar tudo veio acompanhada de muita musicalidade e inspiração. O álbum é generoso: são 13 canções, todas de autoria de Paul. O disco inteiro foi bem recebido pela crítica e vai bem com o público, saindo facilmente da rotina beatlemaníaca do oba-saiu-mais-um-disco-de-Paul-e-vou-comprar-mesmo-que-seja-uma-droga!

Paul caprichou! Convidou para produzir o disco Nigel Godrich, o produtor do Radiohead, banda inglesa cuja principal obra, o álbum “Ok Computer!”, foi considerado, em pesquisa de 1995, o melhor disco dos últimos 100 anos!!!!! Claro que foi beneficiado pela memória curta (ou falta de memória ou respeito) da galerinha mais jovem, que respondeu à pesquisa. Comprei o disco na época para verificar quem tinha batido “Abbey Road“, “Sgt. Peppers...“, “The Wall“, “The Dark Side of the Moon“, “Led Zeppelin III“, só pra ficar restrito a uns poucos. Resultado: comprei o disco na época, ouvi e joguei no lixo, de imediato! Mais por indignação do que por isenta crítica. Não dava nem para pensar em comparação! Hoje, 10 anos depois, admiro o grupo, resgatado que fui por meu filho: os caras são muito bons! Só que, se você ouvir “Ok Computer!” quando estiver meio ‘down’, corre o risco de entrar em depressão: algumas canções são de chegar às lágrimas. Mas, ainda assim, looonge de ser comparado aos citados e a uns tantos outros. Por coincidência, um dos discos da caixinha que recebi via Internet é justamente “Ok Computer!”, encomendado por meu filho para resgatar um ‘erro’ meu do passado.

Nos instrumentos, Paul toca baixo elétrico, violão, guitarra, guitarra de 12 cordas, bateria, piano, teclado, sintetizador, órgão, e alguns artefatos de percussão simples como pandeiro, címbalos, gongos, sinos tubulares, maracas e triângulo. Toca ainda outros instrumentos que eu nem sei do que se trata, tipo, ‘autoharp’, ‘flugelhorn’, ‘melodica’, ‘floor tom’, ‘mass vibrachimes’, ‘cello’ (não acredito que seja o tradicional violoncelo clássico, só vendo para crer!) que só vendo o DVD vou descobrir do que se trata. Tudo com muita competência! Ele não foi tão autossuficiente como em “McCartney” e “McCarteny 2”: desta vez, para o bem da musicalidade, ele agregou especialistas em instrumentos que não domina, talvez por influência de Nigel. Em ”Jenny Wren”, sobre a qual escrevo mais adiante, ele convida um tocador de ‘duduk’, instrumento do qual eu nunca ouvira falar, que complementa muito bem a leveza da canção. Parece um instrumento de sopro, cujo som se assemelha a uma voz humana. Em ”English Tea” e outras seis canções, ele complementa com um ‘string ensemble’, ou um quarteto de cordas, com violino, viola, violoncelo e baixo, coisa que eu sempre gostei de ouvir, mas admiro muito mais hoje, por ter um violinista na família e ver a dificuldade de se tocar esses instrumentos. Aliás, cordas e rock é uma mistura que foi inaugurada por ele mesmo, Paul, quarenta anos atrás quando lançou Yesterday (LINK), que tinha um arranjo de cordas feito por George Martin, o quinto Beatle. Outras canções levam um naipe de metais e, em uma delas, bongôs, coisa que ele não se arrisca a tocar.

Das 13 canções, apenas duas são rock’n roll, as demais, baladas ou ritmos mais suaves. O disco não padece daquele mal de que é preciso ouvi-lo várias vezes para aprender a gostar. Aqui, pelo menos seis das canções ‘te pegam’ de imediato. Além disso, as letras são muito boas, a veia poética de Paul está em muito boa forma.  A canção mais trabalhada até o momento, que também foi lançada em single, é ”Jenny Wren”, aclamada pela crítica como a nova Blackbird. Para quem não se lembra, Blackbird (LINK) é canção lançada no álbum duplo “The Beatles”, em 1968, onde Paul é acompanhado apenas do violão que toca, considerada uma obra-prima por crítica e público. Naquele disco, Paul lançou outras duas baladas, Mother Nature’s Son (LINK) e I Will (LINK), reverenciadas pelos beatlemaníacos. A versatilidade de Paul naquele magnífico album é marcante, pois, ao lado de tantas baladas, e mais um magnífico vaudeville Honey Pie (LINK), Paul gravou Helter Skelter (LINK), considerada por muitos a primeira canção ‘heavy metal’! Blackbird era um recado/homenagem às garotas negras (a juventude inglesa chamava as garotas de “birds”, carinhosamente): incitava-as a alçarem vôo próprio (‘you’ve been only waiting for this momento to be free, blackbird, fly’), amparadas pelo movimento de emancipação dos negros, que ocorria do outro lado do Atlântico. Aqui, conta a batalha de Jenny Wren para superar uma desilusão amorosa. Apesar de o próprio Paul considerar Jenny Wren, como ‘Filha de Blackbird’, noto no dedilhado do violão mais similaridade com Julia (LINK), canção que John Lennon gravou naquele mesmo Álbum Branco (como ficou conhecido popularmente “The Beatles”), em homenagem a sua mãe.

Outra balada muito bem recebida foi ”English Tea”, alegre, bem ao estilo bem-humorado de Paul, que conta um convite/cortejo a uma garota ‘Would you care to sit with me, for a cup of English tea’. Musicalmente, lembra um pouco “For No One”, sucesso do álbum “Revolver“, de 1966. Em “A Certain Softness”, “This Never Happened Before” e ”How Kind Of You”, declarações de amor a Heather, nesta última dizendo ‘I thought I would never find a someone quite as kind of you’ (após tantos anos dedicados a Linda). Em “Follow Me”, ele agradece: ‘You lift up my spirits, you shine on my soul, whenever I am empty, you make me feel whole’. No lado rock, a principal é ”Fine Line”, bem animada, onde consta parte do título do CD (‘There is a fine line between chaos and creation....’), expondo sua veia filosófica. Noto um valor conferido a amizades: em diferentes canções há várias menções a ‘friends’ ou ‘friendship’ como em “Riding to Vanity Fair” e, em “Too Much Rain”, aconselha um amigo a dar a volta por cima com ‘Laugh when your eyes are burning, smile when your heart is filled with pain, sigh as you brush away your sorrow’. Sem dúvida, vale a pena conferir!

Se me permitem, uma ilação sobre a capa e o título! Na capa, aparece Paul, com seus 20 anos, tocando um violão em meio a varais cheios de roupa em um quintal. A referência ao caos é evidente, não há nada mais caótico que um monte de roupas de diferentes cores, assentadas sem regra sobre varais entrelaçados idem. E a criação, também: sempre que se tem um instrumento à mão, você está criando, ainda que esteja tocando uma música de outra pessoa, sempre é um toque pessoal que se dá. A menção ao quintal também pode ser explicada em “Promise To You Girl”,  que diz: ‘... in the backyard of my life, time to sweep the fallen leaves away ...’, com ‘backyard’ tendo o sentido de passado, de olhar para trás, ‘varrer as folhas’ e avaliar toda uma vida de caos e criação. Profundo, não? A foto foi tirada por seu irmão Mike no quintal da casa, em Liverpool, em 1962, alguns meses antes de os Beatles lançarem “Love Me Do” e iniciarem sua carreira. Paul e Mike viviam naquela casa com o pai James, um vendedor de algodão que, nas horas vagas, era um instrumentista de uma banda de jazz, e certamente foi uma fonte de inspiração para a musicalidade de Paul. A mãe, Mary, uma enfermeira do serviço público, falecera seis anos antes, vítima de câncer de mama. Paul rendeu-lhe homenagem em “Let It Be”, dizendo invocar sua presença em momentos difíceis (‘... Mother Mary comes to me, speaking words of wisdom ...’). Sempre correu o rumor de que a citada Mary referia-se a Marijuana, porém, não acredito que Paul iria brincar com o nome da própria mãe.

2 comentários:

  1. Impressionante como você pesquisa Homerix. Parabéns!

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  2. Eu fico feliz por você ter gostado do Chaos...E muitos outros. Eu não consegui gostar. Achei fraquíssimo, mas devo informar que não o conheço por inteiro. Faz tempos não compro discos principalmente por não saber mais como fazer isso. Sou do tempo que eu andava três quarteirões e chegava na DiscoBrasa. Era tão fácil. Comprei muitos discos. Hoje eu não sei onde encontrá-los. Tentei comprar o CD NEW, disco que eu realmente adoro. Nâo consegui
    Assim conheço algumas que ouvi no show do Chaos ...tem um video. E o show eu adorei pela presença dele extremamente agradavel conversando com aquela seleta platéia. Mas as músicas me pareceram por demais fracas. Ele sonha que Jenny Wren se parece com Blackbird . Nada a ver. Se bem que você concorda então deve ter algo a ver, mas eu nao consigo perceber.
    Sabe que, no início da carreira solo dele...eu costumava chorar ouvindo os discos. Não conseguia ver "meu" Paul ali. De vez em quando ele aparecia...Que alívio. Isso aconteceu tão raramente que até deixei de comprar seus discos por algum tempo. Mas então veio Tug of War que adorei. Celebrei. Já o Pipes of Peace, que também coomprei voltou a ser aquele album com poucas músicas boas.
    Eu não conseguia entender. Sentia que John e George também sofreram de mal parecido. Não eram tão bons como quando juntos. Faltava um certo tempero. Mas no caso de Paul era quase tudo completamente sem sabor.
    Ficava pensando a causa daquilo. Poderia ser simplesmente algo natural. Ninguém tem obrigação de ser genial sempre. O tempo passa, as inspiração também pode passar. Mas ter acontecido assim que se separou me deixou pensando algo feio e até machista. Culpa da mulher. Era mais fácil para mim culpar Linda do que culpar Paul. Yoko tinha praticamente destruído John ( e aqui não falo sobre sua música, mas sobre sua vida) vai ver que Linda também estava destruindo Paul. Certa vez li uma coisa que não garanto ser verdade. Tenho muito cuidado porque sei bem que há muita fofoca sem fundamento. O que li foi que John teria dido que sua preocupação com Paul casado com Linda é porque ela seria boba. E ele temia que Paul também ficasse bobo porque essas coisas são contagiosas. rs rs rs
    Pois eu comecei a pensar que poderia ser exatamente o que tinha acontecido. Ele tinha ficado brega! Inadmissível. Beatle brega não combina. John e George podem ter composto coisas fracas, mas nunca perderam a classe.
    Ringo para mim é o campeão. The Greatest. Mas isso era compreensível porque antes praticamente não compunha...Não se esperava muito dele. Por isso é o único para mim que conseguiu ficar ainda melhor solo. Eu já gostava de Beatle Ringo. E tenho gratidão a ele pelo album Ringo! que lembra muito os Beatles. Tem até desenhos de Klaus Voorman. Carrega o espirito Beatle. Não conheço todos os outros, mas já vi muita coisa emocionante dele solo. Amei esse último mas não sei onde comprar.
    Detalhe: o disco Ringo só tem uma música fraca. E bem a composta por Paul. Triste. Lembro do dia que fiquei ouvindo o disco com Beto Guedes aqui na sala. Ele vibrando tanto quanto eu. E então chegou a musica de Paul. Beto olhou para mim com olhar triste...e Falou; "Como Paul conseguiu compor isso? Cadê Paul?" Estava pensando exatamente o que eu pensava. Ficamos lamentando juntos.

    Muitos fâs me odeiam porque falo exatamente o que eu sinto. Para eles fâ de Paul tem de aplaudir tudo. Eu penso diferente. É exatamente porque o amo de coração que sofria naquele tempo ouvindo suas musicas sem graça alguma. Ele ainda tem crises assim. Mas delirei com seu álbum lançado em Dezembro. Maravilhoso! O espirito da genialidade ainda baixa nele na sua idade. É o maior compositor do nosso tempo sem súvida. Porque eu posso remover as fracas e o que sobra de espetacular é surpreendente.


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