Neste relato do ano de 1964, a primeira parte contou o que ocorreu até a partida para conquistar América, neste LINK, e esta parte irá até o lançamento do compacto Can't Buy Me Love / You Can't Do That.
No retorno de Paris, onde haviam passado 20 dias, feito dezenas de shows e até gravado um compacto ... em alemão, houve a primeira das famosas entrevistas coletivas com que a imprensa cercava os fenômenos, já alçados ao posto de maiores estrelas da Inglaterra, ainda mais agora que partiriam para a colônia, àquela altura já a maior potência do planeta e também o maior mercado da música. Conquistar a América era o que hoje definiríamos por 'outro patamar'. E eles só decidiram cruzar o Atlântico quando viram uma canção deles atingir o 1º lugar nas paradas americanas: era I Want To Hold Your Hand. Sim, demorou mais de um ano para os americanos se renderem ao que era evidente no Velho Continente: The Beatles eram um fenômeno!
A entrevista ocorreu em 5 de fevereiro, e os repórteres nem tocaram no inusitado lançamento em outro idioma. Queriam saber como eram os franceses, esses sim, rivais históricos, eu diria, milenares dos insulares, e gostaram de ouvir George contar que o público era predominantemente masculino, os gritos eram menos intensos, eles até ouviam os próprios instrumentos. Foi ali que Ringo fez a primeira menção aos 'poemas' de Beethoven, que repetiria espetacularmente em New York. E deram ótimas respostas sobre o que os esperava do outro lado do Atlântico, por exemplo, ao saberem que Detroit lançara a campanha 'Stamp Out The Beatles', Paul disse que estavam levando um cartaz 'Stamp Out Detroit', e John divertiu a todos respondendo ao comentário de que criticavam seu estilo de cabelos não-americano, dizendo que talvez fosse porque eles mesmos eram não-americanos. Dia seguinte, John e George foram entrevistados por June Harris, o primeiro contando da expectativa de comprar milhares de discos, e o último revelando que não levariam nada além de suas guitarras.
No grande dia da partida, a EMI lançava mais uma peça de sua política de lançamentos de compactos duplos com canções já existentes, para capturar o interesse crescente no som da banda e faturar uns trocados. Neste caso, eram duas canções de cada um dos dois primeiros LPs, de 1963. Capitaneava o lançamento All My Loving, a melhor canção de With The Beatles. E foram muito os 'trocados' auferidos, pois o disco topou a parada dos EP's (Extended Play) por 8 semanas. Esse tipo de lançamento não entra na nossa contagem de canções, por não se tratar de canções inéditas. Notável nesse lançamento foram as palavras de Derek Taylor resumindo bem o fenômeno que eles se tornaram em tão pouco tempo, vale procurar. Melhor.... vou deixar neste LINK, onde vou coletar os textos que acompanharam os discos dos Beatles. Vou começar por este, mas vou atualizando ao longo do tempo.
A partida dos Beatles para os Estados Unidos foi marcada por uma invasão do aeroporto de Heathrow, em Londres, nunca antes vista! Pessoas vieram de TODA a Inglaterra para se despedir dos 'rapazes' (tem amigo meu, beatlemaníaco raiz, que se recusa a usar o termo, mas ainda não sei por quê). John, pela primeira vez, deixou-se fotografar ao lado de Cynthia, que iria com eles. Pandemônio era a melhor palavra para definir a coisa. No meio do voo da PANAM, com dezenas de repórteres e fotógrafos, foram informados que uma multidão os aguardava no Aeroporto de New York. Eles não sabiam, mas Brian Esptein, o empresário, já havia formado a empresa Seltaeb para coletar royalties de merchandising. Eles não sabiam, mas a Capitol, finalmente embarcando no fenômeno, lançara cartazes pela cidade dizendo 'The Beatles are coming!", e prometera 1 dólar e uma camiseta pra cada um que fosse ao JFK Airport. Eles não sabiam, mas as maiores rádios americanas estavam acompanhando cada segundo da viagem deles. Todos se espantaram com a quantidade de pessoas aglomeradas. A coletiva foi um sucesso, com a ironia dos rapazes encantando a todos: eles requebraram como Elvis, declararam ter acabado de cortar o cabelo, ou que na verdade, eram carecas, disseram-se admiradores de Beethoven (we like specially his poems!), e que se eles soubessem qual era o segredo deles, virariam gerentes e contratariam outra banda, para ganhar mais dinheiro, e repetiram o 'Stamp Out Detroit'. Mais pandemônio ao se dirigirem às duas limusines que os esperavam, uma para Paul, George e Ringo, outra para John e Cynthia. O 12º andar do Plaza Hotel foi fechado para eles. Receberam visitas, inclusive da irmã de George que morava em Illinois, o famoso DJ Murray The K, e fizeram uma entrevista por telefone para a BBC na Inglaterra, que foi ao ar no dia seguinte, no Saturday Club. Do outro lado do Atlântico, George dava um susto em todo mundo, caindo de cama com amidalite e febre, mas sua irmã Louise cuidou dele, ministrando-lhe remédios, enquanto os outros três foram passear no Central Park e ensaiar para o Ed Sullivan Show do dia seguinte, com Neil Aspinal, o roadie e ex-motorista, empunhando a guitarra, mas sem tocá-la. Aliás, ninguém tocou nada no ensaio. Eles não precisavam de ensaio...
O dia do show começou bem antes, ainda de manhã, com mais ensaios e ainda sem George, mas de tarde ele apareceu para a gravação de um show que iria ao ar apenas no dia 23, quando eles já estariam de volta à Inglaterra, para um público diferente do que nos acostumamos a ver, o da noite em que os Beatles pararam o grande país. Nesse meio tempo, receberam um telegrama de boas-vindas de ninguém menos que Elvis Presley, na verdade, do Coronel, que até co-assinou a mensagem. Quando chegou a hora e o maior apresentador da TV Americana anunciou The Beatles, o primeiro som que se ouviu em 23 milhões de lares americanos foi na voz de Paul: "Feche os olhos e eu te beijo, amanhã, sentirei sua falta..!" Sim, foi com All My Loving que começou o reinado dos Beatles nos Estados Unidos. Eram apenas 730 pessoas ali, mas 100 mil vezes mais assistindo pela TV: eles bateram loooonge o recorde de pessoas assistindo de suas casas, eram 73 milhões grudados nos aparelhos. Segundo consta, os bandidos também se interessaram: o índice de crimes do país chegou a quase Zero naquela noite. Cantaram ainda Till There Was You e She Loves You na primeira metade do programa, e voltaram para fechar, com I Saw Here Standing There e I Wanna Hold Your Hand. A essa altura, as milhões de garotas estavam um pouco mais tristes pois havia sido revelado durante a 2ª canção, na telinha, acompanhando uma imagem de John: "Sorry girls, he's married!". Trechos da efeméride foram coletados neste vídeo, que deixo aqui neste LINK. Depois, foram carregados pelo DJ Murray, que grudou neles até o fim, para o Playboy Club onde jantaram e depois dançaram até as 4 da manhã.
Mais uma coletiva e dois dias depois foram pra mais um Nº1.... 1º concerto deles num ginásio de boxe, para 8 mil pessoas, no Washington Coliseum. A viagem foi de trem, pois uma nevasca se abateu sobre a região, nenhum avião saiu do chão, o que não impediu que milhares de fãs os estivessem delirantemente recepcionando na capital dos EUA. Eles tocaram mais sete canções além das que haviam tocado no Ed Sullivan, o que incluía oportunidades para os vocais de George (Roll Over Beethoven) e Ringo (I Wanna Be Your Man), as duas covers de maior sucesso (Twist And Shout e Long Tall Sally), além de uma harmonia tripla sensacional (This Boy), e tiveram que voltar a tocar as duas primeiras Nº1 na Inglaterra (Please Please Me e From Me To Yo), que somente agora eram sucesso nos EUA, uma no depois de estourarem na Inglaterra. Como era uma arena, os Beatles foram kind enough de orientar seu gigante roadie Mal Evans que mudasse o tablado da bateria a cada três canções para que toda a audiência visse Ringo tocar por um tempo! Reclamações? Houve... dos guardas que solicitaram tapa-ouvidos, pra não ficarem surdos, de George, que teve um microfone falho, duas vezes, e do mesmo George por serem ininterruptamente atingidos por jelly beans, acredito que sejam parecidos com os nossos 'delicados' daqui, e de John que quase foi embora depois que alguém cortou um chumaço do cabelo de Ringo, e de todos eles, porque pareciam que eles eram santos, as pessoas queriam tocá-los, porque seriam abençoadas, enfim, só sei que foi assim...
As limusines contratadas para pegá-los na Penn Station na volta de Washington simplesmente não chegaram ... 10.000 pessoas os estavam aguardando, e eles foram de táxi para o Hotel Plaza novamente, somente em tempo de tomarem banho e se arrumarem para dois shows no famoso Carnegie Hall, para 3.000 pagantes, bem mais do que a casa comportava, em cada uma das duas sessões, das quais eles nem querem se lembrar, o som era horrível, havia gente sentada no palco, sentiram-se como que engaiolados com tanto assédio. Nunca mais voltaram ao Carnegie Hall. A ponto de recusarem uma fortuna para tocarem no Madison Square Garden oferecida pelo mesmo empresário Syd Bernstein, que os atraíra para o histórico recinto. Preferiram manter o planejamento inicial e foram para, aí sim, uma programação que eles não se esqueceriam jamais, a ensolarada Miami, onde foram tratados como reis, que eram.
A rotina de assédio continuou, mas mais bem comportada que em New York. A chegada, como sempre cheia de gente, mas conseguiram entrar nas 3 limusines, havia batedores armados, de moto, acompanhando-os no trajeto até o hotel, ao longo do qual, milhares de fãs acenavam. Eles estavam simplesmente encantados, foi a primeira vez que viram palmeiras. Em todos os locais, os levavam para iates, lanchas, sol o tempo todo, meninas os acompanhavam em Cadillac's conversíveis. Eles se afeiçoaram ao guarda-costas que ficou grudado neles todo o tempo. Algumas vezes até os levou para a casa dele, onde a esposa servia-lhes refeições caseiras. Tiraram as famosas fotos da revista Life numa piscina da casa de um executivo da Capitol.
Os ensaios para o show de domingo, o segundo sob o comando de Ed Sullivan, foram num salão do hotel, e eles estavam bem informais, dois deles (G&R) vieram de sunga e camiseta. No show, para uma audiência comportada, cantaram seis canções, She Loves You, This Boy, All My Loving, I Saw Her Standing There, From Me To You e I Want To Hold Your Hand. Destaque absoluto, para mim, a 2ª delas a primeira balada de John Lennon, em que os três harmonizam lindamente em apenas um microfone. A audiência era de 2.000 pessoas no local e outras 72 milhões no resto do país, número ligeiramente inferior ao conseguido no programa do Dia 9. Na plateia, muitos astros, inclusive do boxe: o eterno campeão dos pesos-pesados Joe Louis e Sonny Liston, este último, o campeão de plantão, que iria ser desafiado por Cassius Clay uma semana depois. E foi o desafiante que os Beatles foram encontrar, após um dia de verdadeiras férias, esquiando pelos mares, vida de reis. O campeão Liston recusara o encontro com os intrometidos cantores! O mesmo fotógrafo Harry Benson, da guerra de travesseiros de Paris, registrou memoráveis momentos do encontro daqueles 5 que seriam verdadeiros monarcas em suas modalidades! Os Beatles ficaram impressionados com a altura e encantados com a charme arrebatador do lutador. Cassius Clay era um verdadeiro showman, de uma autoestima comovedora. Assim que eles chegaram, Clay, com 22 anos, portanto regulando com os Beatles, disse: "Hey Beatles! We oughta do some roadshows together. We’ll get rich!” Profético... E também: "I 'is' beautiful and you 'is' beautiful too!". E carregou John e Ringo no colo como se levantasse penas. E sacou um poema ali na hora: "When Liston reads about the Beatles visiting me, he’ll be so mad I’ll knock him out in three.", alusão ao número do round em que o nocautearia. Na verdade, ele errou: foi apenas no 7º round, aliás, das poucas vezes que errou em sua vitoriosa carreira. Os Beatles apostavam ao contrário, antes de conhecê-lo, John referia-se a ele como: “… that loudmouth who’s going to lose.” Sim, erros Beatles erraram feio no palpite, mas seguraram os cartazes com os dizeres com que Clay se autoproclamava aos quatro ventos "I'm the greatest!!", sem desconfiar que aquilo aplicar-se-ia mais que perfeitamente a cada um daqueles cinco seres muito em breve. Era a década de Kennedy, King, Dylan, Clay, Pelé, John, Paul, George, Ringo.
Nada mais relevante ocorreu nos dois últimos dias em Miami, foram verdadeiras folgas, na medida para retomar à agenda movimentada no país natal. No dia 22, eles estavam de volta a Londres para a rotineira multidão a recepcioná-los e às entrevistas coletivas ainda no aeroporto. Vejam este delicioso filme sobre a chegada deles, a loucura que era, neste LINK. Dia seguinte, participaram do programa Big Night Out na ABC TV, com direito a sketch cômico e seis canções cantadas ao vivo, e casais subindo ao palco para dançar ao som de I Wanna Hold Your Hand no final. Na madrugada seguinte, do outro lado do Atlântico, foi ao ar aquele 3º programa do Ed Sullivan Show, que fora gravado na tarde do mesmo 9 de fevereiro em New York, que foi a estreia dos Beatles, ao vivo na TV americana. A disposição deles seguia enorme, nem podia ser diferente... o mundo estava caindo a seus pés! De volta ao estúdio no dia 25, primeiro se dedicando ao próximo compacto, completando Can't Buy Me Love, e gravando completamente You Can't Do That, cujos detalhes contarei em breve. Já estava acertado que entrariam em filmagem em breve, de um filme, e começaram no mesmo dia as gravações de mais duas canções de sua trilha sonora, And I Love Her e I Should Have Known Better, e ao final dos trabalhos, e por toda noite, celebraram o aniversário de George, o último Beatle a completar 21 anos, quando recebeu muitos presentes, além um saco com 30 mil (!) cartões de parabéns! Seguiram em intenso ritmo de gravação para gravar outras 3 canções da trilha (Tell Me Why, If I Fell e I'm Happy Just To Dance With You), inclusive trabalhando pela primeira vez num domingo, 1º de março, porque no dia 2, os 'rapazes' começariam as filmagens de Beatlemania, nome provisório de seu filme. Aliás, só faltava a canção título, que ainda viria, em meio às filmagens! Até aquele momento, I Call Your Name, gravada naquele domingo, dormiu como participante da Trilha Sonora, mas acabou relegada, ficando fora até mesmo do Lado B do LP. Em meio à maratona, ainda foram à BBC Radio gravar mais uma edição de From Us To You!
As filmagens do que viria a ser A Hard Day's Night começaram no dia 2 de março e foram até o dia 24 de abril, claro que intercalado com inúmeras paradas para gravações e outros compromissos. O roteiro previa a descrição de 36 horas da vida deles mesmos, em meio à histeria dos fãs e situações inusitadas. O diretor era o americano Richard Lester, escolhido pelos Beatles de uma lista de possíveis nomes, e o roteirista, o galês Alun Owen, foi indicado também pelos astros, por sua familiaridade ao diálogo comum em Liverpool, onde viveu desde os 8 anos de idade. Owen andou com eles um bom tempo para captar o clima agitado de hotel-show-estrada daqueles 'prisioneiros da própria fama'. O nome original do filme era bem apropriado, Beatlemania! Naquele primeiro dia, viraram oficialmente atores no sindicato apropriado, e foram para a estação de trem de Paddington para as primeiras filmagens. Notável no dia foi que George viu ali, pela primeira vez a atriz Pattie Boyd que fazia uma ponta não creditada, logo se engajariam em namoro, e se casariam em 1966. A sequência inicial em um trem foi filmada ao longo de 5 dias, mas a filmagem da cena do vagão de carga em que dublaram I Should Have Known Better foi feita no estúdio de Twickenham, nosso conhecido do Projeto Get Back, no dia 11.
Antes, no dia 10, foi filmada a espetacular sequência de Ringo perdido, uma descoberta do diretor e roteirista que perceberam cedo o caráter histriônico de nosso baterista, que seria aproveitado também em HELP!, e em uma carreira de ator que Ringo abraçou após a separação dos Beatles, com direito até a indicação a prêmio por sua atuação. Aqui, neste LINK
, deixo a famosa cena. Nos dias seguintes, vieram as cenas de Ringo no bar e dos 4 fazendo micagens no helideck do aeroporto de Gatwick, muitas vezes filmados de cima... seria um drone? ... não ... decerto algum guindaste. Também gravaram a cena final, do helicóptero. Houve filmagens no Les Ambassadeurs, clube privado como só os ingleses sabem ter, das cenas do casino, depois de volta ao estúdio para a cena no vestiário, então deram uma parada nas filmagens para uma importante premiação, e aparições na TV: o prêmio foi de Personalidades Do Ano de 1963, conferido por ninguém menos que Harold Wilson, então líder da oposição, que seria personagem de canção de George Harrison em 1966, e na TV foi o Top Of The Pops, na BBC, onde dublaram as duas canções do compacto que seria lançado, e a 2ª vez no Ready Steady Go, também da BBC, onde dublaram além das duas do compacto, também It Won't be Long!
Personalidades do Ano 1963 - Harold Wilson |
E finalmente chegou o dia do lançamento do 6º Compacto dos Beatles na Inglaterra, no dia 20 de março, tendo no Lado A, Can't Buy Me Love e no Lado B, You Can't Do That! Quatro dias antes, o mesmo compacto fora lançado nos Estados Unidos (ver mais abaixo o fenomenal desempenho, nas paradas, de seu Lado A, liderando quatro companheiras no Top 5). Vamos às análises das canções, numeradas, conforme combinado, na ordem natural de lançamentos no catálogo inglês, respectivamente, canções 33 e 34, sendo o 1º lançamento do ano de 1964, e tendo sido já lançadas 32 canções até 1963.
Paul esclarece: "Vou te dar tudo que eu tenho pra dar se você disser que me ama também. Eu posso não ter muito pra dar, mas o que eu tenho, eu darei a você."
A paquera evolvendo amor e dinheiro passeia pelo blues animado que Paul criou, sozinho, com quase nenhuma ajuda de John. São 3 versos com letras diferentes, entremeados por uma ponte "Can´t buy me love, everybody tells me so". O Verso 1 tem as promessas de comprar um anel ou qualquer coisa pra garota se sentir bem, e o Verso 2 tem o trecho descrito no caput desta análise. No Verso 3, ele já aparece cansado das coisas materiais e pede que ela deseje coisas que o dinheiro não pode comprar. Os três versos terminam da mesma forma, com o rapaz dizendo que não liga pra dinheiro.
Ela foi escrita enquanto estavam na maratona parisiense de dois shows por noite, em janeiro de 1964, mas tinham um piano na enorme suíte que ocupavam no luxuoso Hotel George V, que usavam para compor as canções que precisavam para seu 1º filme, A Hard Day's Night, àquela altura ainda longe de ter um nome. E gravaram lá mesmo, no Pathé Marconi Studios da EMI, única vez na carreira que gravaram fora da Inglaterra, no dia 29, numa sessão em que também vieram à luz as únicas canções cantadas em alemão pelos Beatles (neste LINK). E foi tudo muito rápido, com os quatro tocando seus instrumentos habituais, em quatro takes. Depois, apenas George teve tempo de voltar ao estúdio fazer um overdub de seu solo de guitarra, e dá pra se notar o solo original em partes da gravação final. Essa sessão foi em 25 de fevereiro... entre as duas sessões, eles cruzaram o oceano para conquistar a América. Aliás, esse solo inaugurava uma prática que seria adotada dali em diante: a composição do solo de guitarra. Até então, George chegava e tocava o que lhe dava na telha! Outro que teria que voltar ao estúdio para fazer um overdub seria Ringo, mas a agenda não deixaria espaço: ele tinha inúmeras cenas solo no filme, ganhou destaque logo que perceberam seu lado histriônico. Então, como os pratos necessitassem de mais agudos, quem resolveu foi mesmo o engenheiro Norman Smith, apenas no hi-hat (chimbal) não creditado!
O ponto alto da canção, entretanto, é o vocal vigoroso de Paul, apenas ele canta, apesar de John aparecer cantando junto ao vivo (ver neste LINK), embora eu particularmente ache muito interessantes os backing vocals de John e George que se ouvem em versão alternativa que saiu no Anthology 1, nas partes "ooooh satisfied" ou "ooooh just can't buy," e equivalentes (ouça, neste LINK, e note que gravaram num tom acima do original). A ideia de começar pelo nome da canção (e também terminá-la) com um trecho da ponte, foi de George Martin, para causar impacto, o que claramente foi conseguido. Notáveis também são os já tradicionais Beatles Breaks, momentos em que os instrumentos param, deixando apenas a voz do cantor, prática que usaram em algumas canções, e notavelmente logo na primeira, Love Me Do. Aqui, eles ocorrem, brilhantemente, nos trechos em que Paul canta "much for money". Eu gostava mais do final da versão de Anthology, com apenas baixo e bateria. A canção era uma favorita de shows nas turnês de 1964 pelo mundo afora...
No filme, a cena em que a canção aparece é an-to-ló-gi-ca, quando os quatro, em meio à fuga dos fãs, fazem malabarismos acrobáticos mil, lembrando muito cenas do cinema mudo, tipo Comedy Capers. Deixo a cena aqui (um pouco modificada, com tempo variado), neste LINK, para lembrança e exaltação.
Antes de ser a sétima canção do álbum, a canção foi lançada em compacto, com You Can't Do That no Lado B, em 20 de março de 1964, quatro dias depois do lançamento nos Estados Unidos, onde Can't Buy Me Love foi imediatamente para o topo da parada, comandando um trenzinho de cinco canções dos Beatles nas posições 2 a 5 (as outras eram Twist And Shout, She Loves You, I Want To Hold Your Hand e Please Please Me), fato único na história da música. E juntando-se a outras nove, até a posição 100, feito também inédito.
34. You Can't Do That (DtR Girl Song by John Lennon)
John ameaça: "Eu tenho algo a dizer que talvez lhe cause dor: se eu pegar você falando com aquele garoto de novo, eu vou te decepcionar, e te deixar imediatamente, porque eu já te disse antes, oh, você não pode fazer isso"
Canção típica de DR entre casais, mas com ameaças! Ela foi feita em Miami, em meio ao estrondoso sucesso da invasão da América. A intenção é que fosse incluída no filme A Hard Day's Night, mas foi deixada de lado com a chegada da canção título! Retrato da possessividade de John em relação à sua amada, ciúme explícito, não querendo nem que ela converse com outros rapazes, apesar de ele não fazer a parte dele, com inúúúmeras puladas de cerca. Ele podia, né! Ai ai ai!
Bem, esse ciúme, essa possessividade toda, foi magnificamente traduzido na fórmula que eles preferiam na época, verso-verso-ponte-verso, sem refrão, e com letras diferentes. No Verso 1, vem o primeiro aviso e ameaça de deixá-la se falar de novo com aquele garoto, mas parece que a garota não levou muito a sério, porque, no Verso 2, ele diz de novo que a viu conversando com o cara, reclama que é pecado, e ameaça deixá-la de novo, mas segue com ela, e na ponte, ele argumenta que todos estão invejosos por ele estar com ela e reclama que todos vão rir se ela continuar fazendo isso, mas a menina é insistente e no verso final nosso herói segue reclamando e ameaçando.... mas continua com ela, hehehe. Depois do verso final, ainda levam um verso instrumental, repetem a ponte e repetem ainda o verso final. Aliás, foi nesta canção que eu entendi expressão que usamos aqui 'verde de inveja', vem de lá. Ouça John cantando:
Ev'rybody's gree-een,'cause I'm the one who won your love!
COWBELL
Esplêndida também musicalmente, a começar pelo riff matador de dois compassos (conte duas vezes, até 4) na guitarra que abre solitário e arrebatador a canção, para entrarem apenas depois os outros instrumentos. Foi a primeira vez em que os Beatles fizeram desse jeito, e repetiram a fórmula em Day Tripper, Ticket To Ride, I Feel Fine e coincidentemente todas de John, mas houve outras. Ouvem-se os ecos do riff ao longo de toda a canção e ele volta, triunfal, ao final! Siga encantado com os duelos vocais, com Paul e George enfatizando em harmonia dupla as ameaças de John, a partir do segundo verso. E também no "GREEEEEEN" da ponte. E ouça o solo de guitarra de John (raríssimo!), o bongô de Ringo, mas principalmente o 'cowbell' tocado por Paul em overdub, ao longo de toda a canção, quase religiosamente quatro vezes por compasso, com breves interrupções, cheguei a contar, foram 260 vezes que Paul bateu com sapiência aquele sonoríssimo instrumento de percussão que eu adoro.
You Can't Do That veio à luz em 25 de fevereiro de 1964, na 1ª sessão de gravação após a triunfal viagem aos Estados Unidos. Foram nove takes, com John cantando sempre e com todos em seus instrumentos, sendo cinco deles incompletos. O Take 6 foi perfeito, mas só tinha John no vocal, e podemos ouvi-lo porque foi lançado oficialmente no projeto Anthology, ouça neste LINK. Interessante que apenas no Take 9 houve a decisão de colocar harmonias vocais então Paul e George entraram magnificamente, sem ensaio e saiu aquela coisa maravilhosa e definitiva que ouvimos até hoje!
Ela foi tocada ao vivo na BBC, quase um mês antes de ser lançada como Lado B do compacto liderado por Can't Buy Me Love, Número 1 imediato nas paradas, e seguiu sendo tocada nos shows das excursões pós-filmagens, deixo aqui uma mostra, neste LINK! Um sucesso!!!
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Na próxima parte, o lançamento do filme A Hard Day's Night
Muitas informações importantes. E como sempre há diversas versões. Essa que tenho veio de George, então acho que está correta. Que na França o publico era mais masculino...mas eles gritavam sim. Não tanto quando as meninas, mas gritavam. E adoravam Ringo. O nome que mais ouviam era Ringo, Ringo, Ringo! George falou isso rindo, deixando Ringoa seu lado um pouco encabulado.
ResponderExcluirAs entrevistas eram maravilhosas. Creio que nunca teve nada igual. Não imaginavam que encontrariam meninos tão bem humorados com humor parecendo de comediantes profissionais. Respostas certeiras e inesperadas. Como aquela de Ringo sobre os aneis."Por que você usa tantos anéis nos dedos?" Resposta. " Porque é muito difícil colocá-los no nariz. "
Só isso já os colocava num outro patamar. Eram mais que músicos, sem dúvida alguma. E nenhuma outra banda conseguiu dar entrevistas tão preciosas como eles. Não tinha graça entrevistar os Rolling Stones, por exemplo. Eles não eram engraçados. Os Beatles desconcertavam todos. E não apenas John era assim, como costumam pensar. Acabei de mostrar um exemplo de Ringo. E George também era fenomenal nas respostas. Não sei porque disseram que era o quiet Beatle. Era muito danadinho...Ele quem falou que tinha cortado os cabelos no dia anterior quando perguntaram se eles pensavam em cortar os cabelos. Paul era o mesmo engraçado, mas era o que mais ria. E que risada gostosa. Ele ria de tudo que os outros falavam.
Não sabia que Louise tinha cuidado de George. Gosto muito da Louise. Gostaria de ler o livro dela.
O seu amigo se recusa a usar o termo Beatlemania? Entendi certo? Talvez porque ele surgiu como critica a princípio. Acho que era pejorativo. Só que os fãs o adotaram numa boa. George falava apenas a "mania".
E eu que não sabia que tinha havido um terceiro show deles no Ed Sullivan?
Sobre Miami. O primeiro artigo que li sobre os Beatles veio cheio de fake news. Como recordo aquela manhã. Minha irmã chegando com a revista Cinelândia mostrando a novidade musical. The Beatles. E rindo sem parar. Tinha certeza que eram comediantes. Porque um dos três patetas usava franja. E ela disse que eram Os Quatro Patetas. Ninguém acreditava que podiam estar fazendo sucesso e daquele jeito como estava escrito. De fato, exageraram. A matéria dizia que meninas tinham comido a grama onde eles tinham pisado. E tiveram de fugir a nado delas lá em Miami. A realidade era igualmente impressionante, não era preciso inventar. Mas parece que inventário. Nunca mais vi sobre eles fugindo a nada. Nem que comeram a grama onde pisaram.
ResponderExcluirMeu pai olhou a foto e declarou que Paul tinha sorriso de boboca. Meu irmão saiu com essa."todos viados." A Maria Carlos, nossa cozinheira, apontou para o Paul e disse. " Essa aqui é bem bonitinha." Meu irmão riu alto... Ah, sim. Foi aí que ele saiu com o comentário de serem viados. Ele disse. " Só que é um homem, Maria Carlos. Não é bonitinha. Se bem que são todos viados. " E minha mãe declarou que " Pelo menos são elegantes. Também...são ingleses!" É que estavam de terninho e gravata. E ela tinha esse conceito dos ingleses. Eram elegantes. E eu...pensei muita coisa que não cabe aqui. Fiquei doidinha para ouvir eles cantando.
Agora veja: sem ninguém ter escutado nada deles ainda já provocaram aquela comoção na nossa sala de jantar. Uma família inteira fazendo comentários sobre eles sendo que a irmã mais velha leu a matéria toda com todos ouvindo com atenção. Vale dizer que a mais velha estava gostando...Achava que eram comediantes...Mas estava achando interessante. Tanto que foi correndo ouvi-los no mesmo dia quando achei eles cantando I want to hold your hands na rádio Bandeirantes. O que ela fez ouvindo a música? Não parava de rir!
George recebendo os 30 mil cartões de parabéns é mais uma prova de como seus fás de hoje querem mudar a História. Insistem que George era ofuscado por John e Paul que não o deixavam aparecer. Desconhecimento da Beatlemanina. Os Beatles serempre foram Ringo, John, Paul e George, todos amados igualmente.
ResponderExcluirAcho que foi ontem que vi uma entrevista de Ringo falando sobre isso. O sem noção do jornalista fazendo de tudo para puxar amargura de Ringo, de revolta contra os outros. "Você não se sentia ofendido por estar lá atrás, menos apreciado que os outros?" Foi uma pergunta assim. Ele respondeu o que disse agora."Sempre fomos Ringo, John, Paul e George".
Faz algum tempo que vi A Hard Day's Night e posso estar me confundindo. Para mim, a cena antológica dos malabarismos no céu, não mostra eles fugindo dos fãs. Eles estavam no estúdio, meio que prisioneiros ali há hoaras...Então acham a porta dos fundos. Abrem a porta e...se sentem livres. Totalmente livres para voar.
Agora é hora de ver para onde os links nos levam.
Me deliciei com o texto, os limites, e com os comentários.
ResponderExcluirOs linkes*
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