Esta é a última canção do álbum Rubber Soul,
a história do álbum, cenário, assuntos e canções, aqui neste LINK
É a única dos Beatles no tema Saudade, com Raiva,
as outras 18 canções do mesmo Assunto, aqui, neste LINK
John ameaça: 'Bem, eu preferiria te ver morta, garotinha, do que com outro homem. Melhor pensar bem, garotinha, ou não vou saber onde estou. É melhor você se salvar, se puder, garotinha. Esconda sua cabeça na areia, garotinha. Te pegar com outro homem é o fim, garotinha"
Quando vislumbrei a possibilidade de classificar as letras das canções dos Beatles por Assuntos, senti a necessidade de subdividi-las por Classes dentro dos Assuntos. Assim aconteceu com o assunto Saudade (Miss Songs), onde identifiquei vários tipos de Saudade. Então, o nível de Saudade varia, de uma simples resignação e tristeza, passando por desespero, pedidos de retorno, às vezes um traço de despeito (tipo ‘as uvas estão verdes’), até que cheguei à necessidade de inaugurar uma última Classe, a Raiva (Anger), e nela colocar uma única canção, Run For Your Life, a que fecha o perfeito álbum, sem máculas, Rubber Soul, 14 canções excepcionais!
É tanta raiva que a chamo de Melô do Feminicida, este último um termo que, penso, nem existia à época da composição, mas atesta a visão machista, que já existia, mulheres realmente sempre foram consideradas como artefato de posse, que fazia aos fracos de caráter terem acessos de raiva, que poderiam desembocar num ato final. Eu exagero ao dar-lhe esse codinome? Bem, antes, de mais nada, aliviemos nosso querido compositor que, decerto, falou no sentido figurado, e até confessou que tirou a ideia da duríssima frase do verso de abertura ("Well, I'd rather see you dead, little girl, than to be with another man") de uma canção que Elvis gravara 10 anos antes. Mas não há dúvida que a inspiração o levou a produzir outras linhas cruéis, como ‘Pense bem senão posso perder a cabeça’ ou ‘Se eu te pego com outro homem, será o fim!’, e explica seu pensamento, com ameaça ‘Você sabe que sou um cara mau e ciumento’, e dizendo que ‘não vai passar a vida dando sermão e fazendo com que você ande na linha’. Caramba, um cara que desse declarações como essas, hoje em dia, seria, no mínimo, submetido a medidas restritivas de aproximação de sua pobre ‘little girl’.
Na época do lançamento, ninguém pensou nisso, até porque a canção é gostosa, a gente sai cantando sem pensar no que está por trás da letra, e tal. Tempos depois, John começou a rejeitá-la, dizendo ser uma canção menor, e tal, mas somente a renegou totalmente, quando se estabilizou no relacionamento com Yoko, com ela abrindo-lhe os olhos para o absurdo, e inspirou-o com a frase ‘Woman is the nigger of the world’, que gerou a duríssima canção de mesmo nome, lançada na carreira solo, no álbum Some Time in New York City.
Voltemos a canção!! Run For Your Life foi a primeiríssima canção gravada na primeiríssima sessão de gravação para o álbum Rubber Soul, de primeiríssima! Era o glorioso 12 de outubro de 1965. E John estava animado, por abrir um novo álbum, o que seria repetido até o fim da carreira, com a exceção de “Magical Mistery Tour”. Ele se entregou à gravação da linha base, com seu violão, e cantando junto, protocolo que não era mais comum! E o vocal foi tão bom que teria sido aproveitado, se ele não tivesse errado a letra! Acompanharam-no George na guitarra solo, Paul no baixo, Ringo na bateria, as usual! Nos overdubs, George destacou-se, com mais três passagens de guitarra, uma delas com deliciosos slides no verso instrumental, Ringo no pandeiro e, claro, George e Paul nas sempre perfeitas harmonias agudas dos refrões (“...run for your life if you can, little girl. Hide your head in the sand, little girl. Catch you with another man, that's the end”), deixando John sózinho para chamar sua ameaçada garotinha . John estava vigoroso, e até acrescentou e complementos bastante sonoros e marcantes, no final dos refrões (“that’s the end-A”), e no final do 3° verso (“... and I’d rather see you dead-A”). Aliás, é uma boa hora para glorificar, mais uma vez, o quase protocolo de criação de letras diferentes o máximo possível. Aqui, há 3 versos completamente distintos, sendo repetido apenas o 1° só no final, após o qual a guitarra de George brilha novamente, enquanto John finaliza com nah nah nah’s em fade-out perfeito para a conclusão de um álbum fenomenal, o melhor deles até o momento.
Um pequeno adendo sobre as rimas. As perseguidas rimas ricas (aquelas entre classes gramaticais) estão presentes em profusão, "man" com "am", "head" com , "dead" com "said", "can" com "sand" com "end", "guy" com "trying", mas a melhor de todas é a de baixo, merecedora até de um esqueminha......e sem contar com mais palavras para a lista dos Uncommon Beatles Words"sermon", John não é nenhum padres mas dá um SERMÃO em canção de rock!!! E acho que "toe" também entraria na lista.
A prova de que ninguém ligou, época, para a letra ameaçadora de Run For Your Life, é que ela foi imediatamente regravada por vários artistas, sendo a mais interessante, a versão de Nancy Sinatra, sim, mas invertendo os papéis, trocando "boy" por "girl" e vice-versa, e trocando algumas expressões. Musicalmente é muito legal, por conta dos metais introduzidos, eo jeito despojado que ela canta o 'little boy'. Vejam aqui, neste LINK! No Brasil, nosso valoroso Renato Blue Cap Barros apresentou-nos a canção, lançada antes da original, em uma versão naquele estilo pega-a-original-e-bota-uma-letra-qualquer. Renato manteve apenas o ciúme do autor, mas sem vestígio da cuasi-violência. Veja a correspondência impressionante entre original e versão, no assustador refrão:
Run For Your Life (John Lennon)
Dona do Meu Coração (Renato Barros)
You better run for your life if you can, little girl
Então me disse que queria meu perdão,
Hide your head in the sand, little girl
que aquele rapaz era seu irmão
Catch you with another man, that's the end, little girl
E só era dona do meu coração, coração.
Finalmente, nem precisa repetir que Run For Your Life, assim como outras 11 canções de Rubber Soul, nunca foi levada ao vivo! Ih, já repeti! Ao menos, ela aparece no RockBand, num fictício show no Shea Stadium.
Bem, acho que fechei com Chave de Ouro,
com uma análise de uma canção que fecha com Chave de Ouro,
um LP revolucionário, que abre com Chave de Ouro,
uma sequência de outros LPs revolucionários daqueles rapazes de ouro!
Primeiro disco "ADULTO" dos Beatles
ResponderExcluirSeus comentários sobre a riqueza literária de John são ótimos. John estudos no Instituto de Arte de Liverpool - esse o nome - e tinha cultura para criar letras incríveis. Desde a sofisticada I'm the walrus a um rock-country como esse, evidencia-se o esmero do escritor. A solução da prosódia para "that's the end-A..." é perfeita. As rimas internas, que geralmente passam despercebidas* dão balanço e elegância ao som.
ResponderExcluir(*) Não escapam do ouvido esperto de Homerix...
Certamente caso fosse lançada nos dias de hoje a canção seria execrada, embora principalmente nesses tempos de Covid viesse a servir de exemplo para os doentes mentais que se julgam donos de vidas femininas.
ResponderExcluirTudo questão de tempo. Em 1965 a ficha ainda não tinha caído. Mulheres não eram respeitadas mesmo. ( Ainda não sãok,mas muitos já entenderam que deveriam ser) . Enfim, eu não via como a possibilidade e feminícidio. Eu via como ciume em excesso. Não estaria falando a sério que ela devia morrer. John era muito ciumento e violento. Mas se enganam quem pensa que era violento apenas com mulheres. Ele quase matou aquele DJ do Cavern. Bob Wooler?
ResponderExcluirMas os anos sessenta foi a década que fichas começaram a cair. Foi quando o feminismo surgiu mais forte. Já existia..vale lembrar da luta das mulheres pelo direito de votar. Mas em 68 com as mulheres queimando seus sutiens a coisa pegou. Portanto me julgo no direito de duvidar que tenha sido Yoko Ono a responsável para abertura da mente de John. Ele tinha como crescer sozinho. E ela era muito sem noção porque fez ele gravar uma música usando uma palavra proibida nos Estados Unidos: nigger. Natural que John não soubesse. Não era americano. Isso não existia na Inglaterra. Mas Yoko vivia em Nova York. Ela sabia.
Penso que a palavra nigger signifique apenas escravo. Negro também é, mas aqui mudaram seu sentido. Então estaria certo dizer que a mulher é a escrava do mundo. Porém dizer que a mulher é a negra do mundo...soou - para os americanos _ como racismo no último grau. Lá ninguem chama um afro de nigger. Falamn sempre black. Preto.
Negro não é cor. Os índios no Brasil que eram escravos eram chamados de negros da terra. Escravos que não foram trazidos da Africa. De fato, após a libertação a palavra deveria ter sido abolida. Mas aqui e na Espanha ela permaneceu como se fosse sinonimo de afros. Não nos Estados Unidos...A música deu sérios problemas para John graças a "brilhante' ideia de Yoko.
Bom lembrar de Getting Better onde a letra mostra evolução...I used to cruel to my women I beat her and kept her apart of the things that she loved. Man I was mean but I am changing my scene and I am doing the best that I can... Isso foi em 67 antes da entrada triunfal de Yoko. John já estava entendendo que mulheres precisam ser respeitadas. Sei que grande parte da música veio de Paul...mas teve parceira dele sim.