-

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

15 dias que abalaram a América

O Ouça e Leia do 6º Compacto (CBML e YCDT) pulava os detalhes da Conquista da América, entre 7 e 22 de fevereiro de 1964, portanto achei melhor destacar os impressionantes acontecimentos destse momento da Revolução.

__________________________________

No retorno de Paris, onde haviam passado 20 dias, feito dezenas de shows e até gravado um compacto ... em alemão, houve a primeira das famosas entrevistas coletivas de aeroporto com os Beatles, onde a imprensa cercava os fenômenos, já alçados ao posto de maiores estrelas da Inglaterra, ainda mais agora que partiriam para a colônia, àquela altura já a maior potência do planeta e também o maior mercado da música. Conquistar a América era o que hoje definiríamos por 'outro patamar'. E eles só decidiram cruzar o Atlântico quando viram uma canção deles atingir o 1º lugar nas paradas americanas: era I Want To Hold Your Hand. Sim, demorou mais de um ano para os americanos se renderem ao que era evidente no Velho Continente: The Beatles eram um fenômeno!


A entrevista ocorreu em 5 de fevereiro, e os repórteres nem tocaram no inusitado lançamento em outro idioma. Queriam saber como eram os franceses, esses sim, rivais históricos, eu diria, milenares dos insulares, e gostaram de ouvir George contar que o público era predominantemente masculino, os gritos eram menos intensos, eles até ouviam os próprios instrumentos. Foi ali que Ringo fez a primeira menção aos 'poemas' de Beethoven, que repetiria espetacularmente em New York. E deram ótimas respostas sobre o que os esperava do outro lado do Atlântico, por exemplo, ao saberem que Detroit lançara a campanha 'Stamp Out The Beatles', Paul disse que estavam levando um cartaz 'Stamp Out Detroit', e John divertiu a todos respondendo ao comentário de que criticavam seu estilo de cabelos não-americano, dizendo que talvez fosse porque eles mesmos eram não-americanos. Dia seguinte, John e George foram entrevistados por June Harris, o primeiro contando da expectativa de comprar milhares de discos, e o último revelando que não levariam nada além de suas guitarras. 

No grande dia da partida, a EMI lançava mais uma peça de sua política de lançamentos de compactos duplos com canções já existentes, para capturar o interesse crescente no som da banda e faturar uns trocados. Neste caso, eram duas canções de cada um dos dois primeiros LPs, de 1963. Capitaneava o lançamento All My Loving, a melhor canção de With The Beatles. E foram muito os 'trocados' auferidos, pois o disco topou a parada dos EP's (Extended Play) por 8 semanas. Esse tipo de lançamento não entra na nossa contagem de canções, por não se tratar de canções inéditas. Notável nesse lançamento foram as palavras de Derek Taylor resumindo bem o fenômeno que eles se tornaram em tão pouco tempo, vale procurar. Melhor.... vou deixar neste LINK, onde vou coletar os textos que acompanharam os discos dos Beatles. Vou começar por este, mas vou atualizando ao longo do tempo.

A partida dos Beatles para os Estados Unidos foi marcada por uma invasão do aeroporto de Heathrow, em Londres, nunca antes vista! Pessoas vieram de TODA a Inglaterra para se despedir dos 'rapazes' (tem amigo meu, beatlemaníaco raiz, que se recusa a usar o termo, mas ainda não sei por quê, Osmar?). 

John, pela primeira vez, deixou-se fotografar ao lado de Cynthia, que iria com eles. Pandemônio era a melhor palavra para definir a coisa. No meio do voo da PANAM, com dezenas de repórteres e fotógrafos, foram informados que uma multidão os aguardava no Aeroporto de New York. Eles não sabiam, mas Brian Esptein, o empresário, já havia formado a empresa Seltaeb para coletar royalties de merchandising. Eles não sabiam, mas a Capitol, finalmente embarcando no fenômeno, lançara cartazes pela cidade dizendo 'The Beatles are coming!", e prometera 1 dólar e uma camiseta pra cada um que fosse ao JFK Airport. Eles não sabiam, mas as maiores rádios americanas estavam acompanhando cada segundo da viagem deles. Todos se espantaram com a quantidade de pessoas aglomeradas. A coletiva foi um sucesso, com a ironia dos rapazes encantando a todos: eles requebraram como Elvis, declararam ter acabado de cortar o cabelo, ou que na verdade, eram carecas,  disseram-se admiradores de Beethoven (we like specially his poems!), e que se eles soubessem qual era o segredo deles, virariam gerentes e contratariam outra banda, para ganhar mais dinheiro, e repetiram o 'Stamp Out Detroit'. Mais pandemônio ao se dirigirem às duas limusines que os esperavam, uma para Paul, George e Ringo, outra para John e Cynthia. O 12º andar do Plaza Hotel foi fechado para eles. Receberam visitas, inclusive da irmã de George que morava em Illinois, o famoso DJ Murray The K, e fizeram uma entrevista por telefone para a BBC na Inglaterra, que foi ao ar no dia seguinte, no Saturday Club. Do outro lado do Atlântico, George dava um susto em todo mundo, caindo de cama com amidalite e febre, mas sua irmã Louise cuidou dele, ministrando-lhe remédios, enquanto os outros três foram passear no Central Park e ensaiar para o Ed Sullivan Show do dia seguinte, com Neil Aspinal, o roadie e ex-motorista, empunhando a guitarra, mas sem tocá-la. Aliás, ninguém tocou nada no ensaio. Eles não precisavam de ensaio...

O dia do show começou bem antes, ainda de manhã, com mais ensaios e ainda sem George, mas de tarde ele apareceu para a gravação de um show que iria ao ar apenas no dia 23, quando eles já estariam de volta à Inglaterra, para um público diferente do que nos acostumamos a ver, o da noite em que os Beatles pararam o grande país. Nesse meio tempo, receberam um telegrama de boas-vindas de ninguém menos que Elvis Presley, na verdade, do Coronel, que até co-assinou a mensagem. Quando chegou a hora e o maior apresentador da TV Americana anunciou The Beatles, o primeiro som que se ouviu em 23 milhões de lares americanos foi na voz de Paul: "Feche os olhos e eu te beijo, amanhã, sentirei sua falta..!" Sim, foi com All My Loving que começou o reinado dos Beatles nos Estados Unidos. Eram apenas 730 pessoas ali, mas 100 mil vezes mais assistindo pela TV: eles bateram loooonge o recorde de pessoas assistindo de suas casas, eram 73 milhões grudados nos aparelhos. Segundo consta, os bandidos também se interessaram: o índice de crimes do país chegou a quase Zero naquela noite. Cantaram ainda Till There Was You e She Loves You na primeira metade do programa, e voltaram para fechar, com I Saw Here Standing There e I Wanna Hold Your Hand. A essa altura, as milhões de garotas estavam um pouco mais tristes pois havia sido revelado durante a 2ª canção, na telinha, acompanhando uma imagem de John: "Sorry girls, he's married!". Trechos da efeméride foram coletados neste vídeo, que deixo aqui neste LINK. Depois, foram carregados pelo DJ Murray, que grudou neles até o fim, para o Playboy Club onde jantaram e depois dançaram até as 4 da manhã.

Mais uma coletiva e dois dias depois foram pra mais um Nº1.... 1º concerto deles num ginásio de boxe, para 8 mil pessoas, no Washington Coliseum. A viagem foi de trem, pois uma nevasca se abateu sobre a região, nenhum avião saiu do chão, o que não impediu que milhares de fãs os estivessem delirantemente recepcionando na capital dos EUA. Eles tocaram mais sete canções além das que haviam tocado no Ed Sullivan, o que incluía oportunidades para os vocais de George (Roll Over Beethoven) e Ringo (I Wanna Be Your Man), as duas covers de maior sucesso (Twist And Shout e Long Tall Sally), além de uma harmonia tripla sensacional (This Boy), e tiveram que voltar a tocar as duas primeiras Nº1 na Inglaterra (Please Please Me e From Me To Yo), que somente agora eram sucesso nos EUA, uma no depois de estourarem na Inglaterra. Como era uma arena, os Beatles foram kind enough de orientar seu gigante roadie Mal Evans que mudasse o tablado da bateria a cada três canções para que toda a audiência visse Ringo tocar por um tempo! Reclamações? Houve... dos guardas que solicitaram tapa-ouvidos, pra não ficarem surdos, de George, que teve um microfone falho, duas vezes, e do mesmo George por serem ininterruptamente atingidos por jelly beans, acredito que sejam parecidos com os nossos 'delicados' daqui, e de John que quase foi embora depois que alguém cortou um chumaço do cabelo de Ringo, e de todos eles, porque pareciam que eles eram santos, as pessoas queriam tocá-los, porque seriam abençoadas, enfim, só sei que foi assim... 

As limusines contratadas para pegá-los na Penn Station na volta de Washington simplesmente não chegaram ... 10.000 pessoas os estavam aguardando, e eles foram de táxi para o Hotel Plaza novamente, somente em tempo de tomarem banho e se arrumarem para dois shows no famoso Carnegie Hall, para 3.000 pagantes, 
bem mais do que a casa comportava, em cada uma das duas sessões, das quais eles nem querem se lembrar, o som era horrível, havia gente sentada no palco, sentiram-se como que engaiolados com tanto assédio. Nunca mais voltaram ao Carnegie Hall. A ponto de recusarem uma fortuna para tocarem no Madison Square Garden oferecida pelo mesmo empresário Syd Bernstein, que os atraíra para o histórico recinto. Preferiram manter o planejamento inicial e foram para, aí sim, uma programação que eles não se esqueceriam jamais, a ensolarada Miami, onde foram tratados como reis, que eram.

A rotina de assédio continuou, mas mais bem comportada que em New York. A chegada, como sempre cheia de gente, mas conseguiram entrar nas 3 limusines, havia batedores armados, de moto, acompanhando-os no trajeto até o hotel, ao longo do qual, milhares de fãs acenavam. Eles estavam simplesmente encantados, foi a primeira vez que viram palmeiras. Tiraram as famosas fotos da revista Life numa piscina da casa de um executivo da Capitol. 



Em todos os locais, os levavam para iates, lanchas, sol o tempo todo, meninas os acompanhavam em Cadillac's conversíveis. Eles se afeiçoaram ao guarda-costas, o Sargenton Buddy Bresner,  que ficou grudado neles todo o tempo. Algumas vezes até os levou para a casa dele, onde a esposa servia-lhes refeições caseiras. 
Na foto, um flash das duas horas e meia em que ficaram na primeira visita à casa da Família Bresner. Todos ficaram encantados com os Beatles, e estes extasiados por viverem um pouco do ambiente famileiar americano.

Os ensaios para o show de domingo, o segundo sob o comando de Ed Sullivan, foram num salão do hotel, e eles estavam bem informais, dois deles (G&R) vieram de sunga e camiseta. No show, para uma audiência comportada, cantaram seis canções, She Loves You, This Boy, All My Loving, I Saw Her Standing There, From Me To You e I Want To Hold Your Hand. Destaque absoluto, para mim, a 2ª delas a primeira balada de John Lennon, em que os três harmonizam lindamente em apenas um microfone. A audiência era de 2.000 pessoas no local e outras 72 milhões no resto do país, número ligeiramente inferior ao conseguido no programa do Dia 9. 

Na plateia, muitos astros, inclusive do boxe: o eterno campeão dos pesos-pesados Joe Louis e Sonny Liston, este último, o campeão de plantão, que iria ser desafiado por Cassius Clay uma semana depois. E foi o desafiante que os Beatles foram encontrar, após um dia de verdadeiras férias, esquiando pelos mares, vida de reis. O campeão Liston recusara o encontro com os intrometidos cantores! O mesmo fotógrafo Harry Benson, da guerra de travesseiros de Paris, registrou memoráveis momentos do encontro daqueles 5 que seriam verdadeiros monarcas em suas modalidades! Os Beatles ficaram impressionados com a altura e encantados com a charme arrebatador do lutador. Cassius Clay era um verdadeiro showman, de uma autoestima comovedora. Assim que eles chegaram, Clay, com 22 anos, portanto regulando com os Beatles, disse: "Hey Beatles! We oughta do some roadshows together. We’ll get rich!” Profético... E também: "I 'is' beautiful and you 'is' beautiful too!". E carregou John e Ringo no colo como se levantasse penas. E sacou um poema ali na hora: "When Liston reads about the Beatles visiting me, he’ll be so mad I’ll knock him out in three.", alusão ao número do round em que o nocautearia. Na verdade, ele errou: foi apenas no 7º round, aliás, das poucas vezes que errou em sua vitoriosa carreira. Os Beatles apostavam ao contrário, antes de conhecê-lo, John referia-se a ele como: “… that loudmouth who’s going to lose.” Sim, erros Beatles erraram feio no palpite, mas seguraram os cartazes com os dizeres com que Clay se autoproclamava aos quatro ventos "I'm the greatest!!", sem desconfiar que aquilo aplicar-se-ia mais que perfeitamente a cada um daqueles cinco seres muito em breve. Era a década de Kennedy, King, Dylan, Clay, Pelé, John, Paul, George, Ringo.


Nada mais relevante ocorreu nos dois últimos dias em Miami, foram verdadeiras folgas, na medida para retomar à agenda movimentada no país natal. 

5 comentários:

  1. Como sempre, uma narrativa fantástica com uma impressionante riqueza de detalhes. Apesar de fã, não conhecia vários aspectos desta turnê , a qual, na minha opinião , foi decisiva para colocar a banda “ num outro patamar “, parafraseando um jogador rubro negro .
    Obrigado pela história Homerix
    Forte abraço
    Roberto Bazolli

    ResponderExcluir
  2. Na época tínhamos poucas informações e só agora nos meus quase 79 anos e sendo um rapaz que amava os Beatles e os Rollings Stones fico sabendo de detalhes interessantes e importantes graças ao Homerix.Gerson Braune

    ResponderExcluir
  3. Bom muito bom. Meus parabéns.

    ResponderExcluir
  4. Costumo dizer que o sucesso é o resultado de 3 coisas: talento , persistência e sorte . Indiscutível o talento e persistência desses 4 rapazes . E a sorte ? Contaram com ela? Lendo esta fantástica narrativa do Homero eu pergunto : sem esta turnê na América, o sucesso teria sido o mesmo ? Ouso dizer que sim, talvez numa velocidade menor. Fica para reflexão
    Abraço
    Roberto Bazolli

    ResponderExcluir