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terça-feira, 12 de março de 2024

Jessica fez 50 anos

Na semana passada, ouvi novamente, no carro, uma canção espetacular, que está na minha vida há 5 décadas. E não é Beatles, nem Pink Floyd. Ao ouvi-la, lembrei-me de como a conheci, e resolvi contar a historinha.

Nos idos de 1973, em meus tenros 15 anos (e bem tenros pois sempre fui gordinho), eu passava algumas tardes na casa de uma tia, bisbilhotando a discoteca de meu primo. Ele era sete anos mais velho (e continua sendo!), e já fazia faculdade em São Paulo, só voltando a Santos nos fins de semana. Ele tinha um gosto musical apurado (e continua tendo!), e lá eu encontrava coisas de alto nível. Desconfio que ele não gostava muito de ter um garoto mexendo naquelas preciosidades de vinil, mas eu era bem cuidadoso.
Aquelas tardes de bisbilhotice passaram, muitas músicas ficaram, mas uma me marcou especialmente: um rock instrumental longo, que ocupava uma larga faixa de um certo LP, que eu ouvia muito. O tempo passou, fiquei décadas (!) sem ouvir a faixa, esqueci-me da canção mesmo, só me lembrava vagamente, não sabia qual era a banda, mas guardei em algum lugar da memória o seu título: Jessica. 
Sempre me intrigou o que passa pela cabeça de um sujeito que compõe uma música instrumental quando tem que dar o nome dela, sem a ajuda de uma letra. Agora que tenho um filho compositor, vi que a coisa pode ser deveras aleatória. Uma de suas canções instrumentais, numa banda de matemáticos chamada ‘Os Quaternions’, hoje finada há 15 anos, permanecia sem nome até a gravação final. Naquele dia, o guitarrista base não apareceu porque perdeu um dente, e o Felipe teve que gravar a parte dele. Nome da canção: Arcada, em homenagem ao dente perdido. Tudo a ver!
Bem, outra boa razão pode ser uma homenagem a alguém, a uma musa inspiradora, a uma namorada, ou a uma filha, que foi o caso de Jessica (fiquei sabendo agora que ela brincava em sua frente quando criou o espetacular tema). O fato é que só o nome da música ficou na minha cabeça. E nunca mais pensei nela.
Um quarto de século depois (ou um científico, uma faculdade, um emprego, um casamento e dois filhos depois), fui visitar aquele mesmo primo, agora um renomado Livre Docente em Jornalismo, correspondente de um grande jornal brasileiro em Washington, que nas horas vagas dava aulas da matéria para Doutorandos na matéria, na Universidade da Capital dos Estados Unidos. (Pouco, né?) Papo vai, papo vem, reminiscências de parentes que pouco se vêem, acabei me lembrando daquelas tardes, e Jessica voltou ao centro da atenções. Depois de algum esforço, ele se lembrou: grande sucesso dos Allman Brothers. (Ainda não havia Wikipedia assim disponível para aclarar nossa memória...)

Quando morei uns anos depois pelas terras hoje comandadas por Obama, dois anos após aquela visita, comprei o CD de Greatest Hits da banda, composta pelos irmãos Greg e Duanne Allman --- e vários músicos de primeira. E, claro, lá estava Jessica. Magnífica como sempre. O autor é Dickey Betts, um não-irmão guitarrista. 

Aqui, neste link, ei-la, em seu esplendorJessica (link).  Abra, deixe tocar, minimize e volte, para conferir do que falo a seguir...
 Depois de uma introdução com guitarra e piano grave em quatro notas, junto com o baixo, entra o verso principal executado por duas guitarras harmoniosa e simultaneamente executadas, numa combinação perfeita, acompanhadas de bateria, percussão, piano e órgão; depois, uma sequência que pode ser considerada como uma ponte, reduzindo a uma guitarra, mais grave; depois, repete-se o verso, e volta a introdução ampliada, agora como quase um minuto de deliciosa preparação, com atabaque firme ao fundo, para os solos de improviso; e então, a bateria aumenta, para apresentar um solo de piano imperdível, que acaba em pouco mais de um minuto, deixando gostinho de quero mais; e vem um crescendo em guitarra, introdução para o improviso de guitarra, um tom acima, é rápida e empolgante, e o solo dura mais de dois minutos, brilhantemente executado pelo próprio Betts; aí vem um dos melhores momentos da música, com uma desaceleração do ritmo, parece uma valsinha, ao vivo, a galera ao vivo vai à loucura, uma volta ao tom original para retornar com a ponte, e mais duas vezes o verso principal com as duas guitarras, vindo então, o grand finale. Sete minutos de perfeição e virtuosismo!!
O solo espetacular de piano é executado por Chuck Leavell, que fora convidado pela banda para a vaga de pianista aberta pela morte de um dos irmãos, Duane. Um pianista de rock sensacional que é sempre muito solicitado pelos grandes do gênero, como Chuck Berry, Eric Clapton, Mick Jagger e George Harrison, infelizmente não mais por este último.
Como cereja do bolo, deixo aqui uma performance minha com Air Piano, Air Guitar e Air Atabaque, hehehe, neste doido link.
Tenho certeza de que Jessica entrará na lista de Top Ten Instrumentais de qualquer um que a ouça. Na minha, ela disputa o título de melhor instrumental com cinco outras
    Blue Rondo A La Turk, de Dave Brubeck, de um dos poucos discos de Jazz que conheço, chamado Time Out (aliás, o disco traz outro clássico, Take Five), de 1959, Air Song by Homerix aqui, neste LINK ;
    Smoothie Song, do disco This Side, de Nickel Creek, um blue grass fantástico que conheci há 20 anos;
    One of Theses Days, de Pink Floyd, clássico do rock progressivo, de 1971;
    Also Sprach Zarathustra, uma adaptaçõo pop/jazz do clássico de Strauss, criada pelo músico brasileiro Eumir Deodato em 1973. Air Song by Homerix aqui, neste LINK
    Journey to the Center of the Earth, ópera rock de Rick Wakeman de 1974, não um instrumental puro, pois tem coral, e tem inserções acidentais, mas é certo que pode concorrer na categoria.
Confesso ser difícil me lembrar músicas instrumentais. Eu mesmo não tirei da cachola muito mais músicas que as listadas acima.
Conhece as minhas indicadas? Delas, tenho quase certeza que não conhece a blue grass citada. Eu não a conheceria se não tivesse vivido nos Estados Unidos, e ouvido algumas rádios locais. Não sei se o grupo Nickel Creek ultrapassou as fronteiras americanas. Meu filho escreveu sobre a nossa descoberta no blog dele: Tio Pacheco e seu guarda-chuva. Se tiver interesse, apareça por lá. Ele anda meio desativado.
Que outras você indicaria, para compartilhar comigo?

Grande abraço
Homerix Lembrando Jessica Ventura

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