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quarta-feira, 4 de julho de 2018

A guerra não tem rosto de mulher - Leitura indispensável

Olá! Caso se interesse pelo livro,

deixo aqui o Link Amazon
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  • Muito se fala dos 6 milhões de judeus mortos pelos nazistas na 2ª Guerra...
  • muito pouco sobre os 20 milhões de soviéticos que tiveram mesmo destino...
  • e não apenas soldados, mas milhões de civis ...
  • e não apenas soldados homens, mas milhares de soldados mulheres ...
  • e não apenas mulheres na retaguarda, mas na linha de frente
  • uma história desconhecida e impressionante

Na segunda perna de meu embrenhamento pela experiência Nobel, li o livro com o instigante título acima, da mesma Svetlana Aleksiévith, ganhadora em 2015. A primeira experiência foi o livro sobre Tchernóbil, que analisei neste post.

Aqui, a jornalista escritora segue investigando o passado, desta vez 45 anos antes, (quando a Alemanha invadiu a Rússia na Segunda Guerra Mundial), sob um aspecto jamais antes contado, e surpreendente!

Nenhum filme contou uma guerra sob esse ângulo, anteriormente (que eu pense).... e digo que após esta corajosa e custosa iniciativa, certamente Hollywood se interessaria de primeira, SÓ QUE não vai, porque se trata da histórias de mulheres russas, ou melhor, soviéticas!

Sim, mulheres, mais de UM MILHÃO DE MULHERES, foram pra guerra, em sua vastíssima maioria, VOLUNTÁRIAS, morreram aos borbotões, mas muitas sobreviveram e foram condecoradas com as mais variadas e importantes Ordens de Mérito, inclusive com a maior delas, a Estrela Vermelha.

E aí, você dirá, 
sim, a gente sempre vê em filmes, as enfermeirinhas, sempre com aquele quepezinho branco milimetricamente posicionado em suas lindas cabeças, com as vestes imaculadamente branquinhas, sempre atendendo aos feridos, com algumas ataduras nas cabeças, e uns braços enfaixados, enfim, sempre se enamorando de um deles no final, sim, há mulheres na guerra, claro
Não, amigo, não é dessa guerra que Svetlana nos conta. Ela foi atrás de centenas que sobreviveram, e se abriram para contar suas histórias, todas já idosas, afinal, elas tinham de 16 (isso mesmo!) a 20 anos de idade em 1941, podem fazer as contas...

E elas não eram apenas enfermeiras (e mesmo estas nem um pouco como sempre as vimos). Mesmo se ficarmos no âmbito dos serviços de retaguarda, elas eram cozinheiras, lavadeiras, passadeiras, criptógrafas, costureiras, telefonistas, comunicadoras, engenheiras, construtoras, cada uma tem sua história. Claro, estavam lá as médicas cirurgiãs que salvavam centenas de feridos que nem um poucos se assemelhavam com as ataduras e as faixas do cinema, costurando o que sobrou das pernas e braços amputados, e órgãos perfurados por balas ou destruídos por estilhaços, em ambientes banhados de sangue, tanto sangue que as roupas se tingiam de vermelho, e depois secavam e endureciam e ficavam muito pesadas. E as enfermeiras que não ficavam só do ladinho dos feridos em camas, sempre com palavras de conforto que se não curavam o corpo, aliviavam o espírito, mas que iam busca-los caídos em campo de batalha, ainda sob fogo cruzado, carregando seres humanos com quase o dobro de peso delas, arrastando as macas improvisadas em que os colocavam. Muitas delas foram condecoradas de acordo com o número de feridos que salvaram, até 10, até 50, até 100, tinha várias com mais de 150 salvamentos.

Isso também seria comum. O problema, e o inesperado da coisa, é que elas foram
soldados de infantaria, que iam para frente com suas baionetas acopladas a fuzis que eram maiores que elas, franco-atiradoras, isso mesmo, que ficavam enterradas, matando cirurgicamente os invasores (a da foto ao lado matou 59, foi condecorada, deram baixa a ela, mas ela quis voltar à linha de frente e foi morta, em outra função), ou mesmo operadoras de metralhadora giratória, que se esqueceram de quantos alemães mataram, pilotos de avião que bombardeavam postos alemães sem nunca verem quem haviam matado, sem esquecer das partisans, da resistência, que fugiam das cidades invadidas pelos alemães para depois lutar de esconderijos nas florestas vicinais, passando fome, se arriscando como mensageiras. Muitas delas ascenderam a postos de comando, como sargentas, tenentas, comandantas (para usar sufixos recentemente inventados por aqui). Isso pra não esquecer das tanquistas pilotando enormes tanques, das sapadoras (??!!), sim, aquelas especialistas em percorrer campos minados para desarmar minas colocadas pelo invasor alemão, aliás, essas que ficaram até depois da guerra terminar, em 9 de maio de 1945, quando os alemães capitularam, depois da chegada dos soviéticos a Berlim, para limpar o solo pátrio.

Aqui, um pouco sobre o último adjetivo parágrafo anterior, reside o motivo pelo qual essa guerra era diferente da guerra, vamos dizer, dos Estados Unidos, e porque não se vê mulheres combatendo nos filmes de Hollywood. Ninguém estava lá invadindo a terra deles, eles se engajaram na guerra que se desenrolava em outro continente, não fazia sentido nenhum enviar mulheres para o trabalho sujo. Já na Rússia, na Ucrânia, no Kazaquistão, na Letônia, na Lituânia, no Tajiquistão, em Minsk, na Bielo-Rússia e outras repúblicas socialistas soviéticas, os alemães invadiram suas terras, e vinham tomando as cidades, violentos, queimando, arrasando, torturando, minando os terrenos, estuprando, enforcando, metralhando mulheres e crianças, coisa de estilo medieval mesmo (... os soviéticos não ficaram atrás e revidaram quando chegaram à Alemanha.. há relatos de dois milhões de alemãs estupradas...)

Komsomol member, be a Hero of the Great Patriotic War
Então, as mulheres sentiram a necessidade de se engajar, de não deixar o trabalho só para seus homens, e não ficar apenas na retaguarda. E muitas tinham dentro de si, o sentido de pátria, que a filosofia comunistas imputava, atendiam ao apelo da Great Patriotic War, mesmo sem serem convocadas. Todos criam que o esquema de governo era o melhor para eles, nem todos sabiam dos métodos que Stálin utilizava para garantir o apoio que tinha, dizimando e deportando dissidentes para a Sibéria, e se sabiam, não acreditavam. Muitas mulheres que deram a cara por um ideal. Teve depoimento de mulher com filho pequeno e outro na barriga que abortou, para não colocar filho no mundo em guerra, deixou o outro com a mãe e foi para a frente da batalha.

O livro, então, é feito de depoimentos em série, muitos deles me levaram facilmente às lágrimas, mormente aqueles que falam das perdas, das mutilações, dos assassinatos, dos crimes de guerra. E descreviam também as dificuldades logísticas, e até de vestuário, pois o exército não estava preparado para vestir tantas mulheres, as botas eram 3 ou 4 números maior, o que acabava com os pés da moças em longas caminhadas, não havia calcinhas no começo da guerra, levou mais de ano para trazerem, usavam cuecas, as calças tinham que ser amarradas na cintura, ficava tudo folgado nas ‘irmãs’, nas ‘irmãzinhas’, que é como os homens as chamavam invariavelmente, depois de um período de desconfiança, mostraram seu valor. Além disso, havia as dificuldades inerentes ao estado feminino, sem absorventes, o sangue escorria nas caminhadas, o constrangimento era enorme, e havia relatos que até o fluxo mensal era interrompido, o corpo se encarregava de adequar o funcionamento às circunstâncias. Claro, tem o capítulo dos amores, muitos escondidos, e o pós-guerra, como elas voltavam à vida civil e muitas eram discriminadas, pelas próprias mulheres que ficaram, acusadas de terem estado lá para servir aos homens, olha, uma pancada atrás da outra.

Só sei que, no próximo desfile da Vitória, estarei atento para ver se vejo algumas daquelas heroínas, com mais de 90 anos, usando com orgulho as comendas que receberam. Admirável!

Pensei em reproduzir aqui um dos depoimentos delas, mas difícil escolher entre centenas, tantos marcantes, selecionei então um dos poucos, senão único, depoimento masculino....


Um comentário:

  1. Imagino que além de todas as dificuldades dessas meminas, tinha o frio a castigar.

    Itamar

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