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sábado, 22 de março de 2014

Ivo Fernandez Lopez - Um Depoimento

Este março foi muito triste para mim e para muitos, com a passagem de Ivo, que passou, em primeiro lugar como sempre, para a Academia Celeste de Matemática e Ética. 

Transcrevi minha tristeza neste post (link), que foi comentado por alguns, achei uns outros depoimentos no Facebook, o que me inspirou a incitar outros a prestarem suas homenagens. Um deles fora definido pelo próprio Ivo, em sua carta de despedida da Petrobras como "o mais completo profissional que conheço, pois é quase impossível unir o seu conhecimento teórico, a sua força de trabalho, a sua capacidade, a sua ética e o seu sentimento de amizade em um único profissional". Era Antonio Carlos Capeleiro Pinto, que já havia escrito belas e breves linhas sobre o Ivo, mas agora brindou-me (ou brindou-nos, a partir de agora) com um relato detalhado da capacidade técnica e ética e moral de nosso amigo, ido tão precocemente deste plano.

Ainda estou coletando mais depoimentos, mas antecipo a divulgação com esta longa, precisa e emocionada peça de admiração, exemplo e saudade, do qual ante-antecipo um trecho do parágrafo final... "Numa época em que vemos muitos líderes em nosso país atuarem de forma arrogante e anti-ética, é cada vez mais necessário o exemplo de líderes de verdade, líderes pelo exemplo, como foi o Ivo."

Nada mais apropriado, amigo ACCP!!!
Caros, 
Segue um breve depoimento sobre meu grande amigo Ivo Fernandez Lopez, que nos deixou precocemente em 11/03/14. Conheci o Ivo através de uma placa, no longínquo ano de 1976. Estudava na turma IME do Curso Bahiense, na Casa do Estudante, no Centro do Rio, e sempre passava por uma sala batizada como “sala Ivo Fernandez Lopez”, em homenagem ao primeiro colocado no CESGRANRIO realizado no fim do ano de 1975. O CESGRANRIO era como o ENEM de hoje, um número enorme de estudantes concorrendo para vagas nas Universidades do Rio de Janeiro. E o Ivo foi o primeiro lugar geral. Olhar para aquela placa me estimulava a estudar e não desistir dos meus objetivos.  Nunca esqueci daquele nome nem daquela placa. 
Quando terminei a Universidade e ingressei na Petrobras, após o ano de curso na Bahia, trabalhei por dois anos na Unidade de Produção da Bahia, na área de simulação de reservatórios. E foi com surpresa e felicidade que soube que o Ivo trabalhava na Petrobras, no Setor de Simulação de Reservatórios, na sede do Departamento de E&P, no Rio. Assim  como todos os engenheiros de reservatório da Petrobras, eu recorria ao Ivo sempre que encontrava problemas na simulação matemática de reservatórios, ou em assuntos correlatos. E desde então já ficava impressionado com a capacidade dele em atender a todos com enorme boa vontade e resolver os problemas muito rapidamente, de forma brilhante. Já era nossa principal referencia. 
Eu sempre fui ligado às áreas de matemática e computação, e, ainda na Bahia, desenvolvi um programa de computador para estimativa de produção e avaliação econômica de poços exploratórios com múltiplos objetivos, expandindo um programa que havia sido desenvolvido pelo Eng. Lideniro Alegre. Era um ótimo problema de análise combinatória, pois os poços poderiam produzir de uma zona, duas ou mais, em conjunto ou seletivamente. Havia também a questão da probabilidade condicional – se uma zona encontrasse hidrocarboneto aumentava a chance de uma segunda zona encontrar. Eu acabei resolvendo, mas com uma lógica intrincada. Pedi ajuda ao Ivo, pois estava achando a lógica muito enrolada, com certeza haveria uma solução mais simples. Ivo gostou do problema e dias depois me apresentou uma solução brilhante, cristalina, que simplificava o meu código a algumas poucas rotinas, não recordo bem, mas com cerca de 10% das linhas de código que eu havia usado. E ele, modesto como sempre, sempre dizia que eu era o autor, que ele somente teve as ideias a partir do que conversamos e do que codifiquei. Essa era uma característica do Ivo: quando apresentávamos um problema a ele, não apresentava a solução de imediato, ia nos puxando e, quando a solução ficava clara, ele dizia “que ideia boa você teve, sem ela não teríamos conseguido !”. Só uma pessoa com muito desprendimento e humildade consegue agir assim. E minha admiração só aumentava. Desde a época da Bahia decidi que, quando eu retornasse ao Rio, iria trabalhar no Setor de Simulação de Reservatórios, para absorver um pouco do conhecimento do Ivo e continuar a me desenvolver tecnicamente. 
Foi o que aconteceu. Em 1986 fui transferido para o Rio, vindo a trabalhar com o Ivo, após um curto período em outro Setor. 

Foi uma das fases mais felizes da minha carreira profissional. A cada dia eu aprendia não só a área técnica de simulação, mas, principalmente, com a forma humilde, paciente e atenciosa com que o Ivo atendia a todos. Para todos nós que trabalhávamos com ele, era o Super-Ivo, ou Deus, como nós o chamávamos, aquele que resolvia os problemas dos engenheiros de reservatório em todas as Unidades da Petrobras. Lembro que um colega nosso, Paulo Roberto, sempre que encontrava dificuldades para resolver um problema e quando o Ivo não estava, exclamava: “Eli, Eli, lama sabactâni” (meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste, em hebraico).

Mas a atividade de suporte técnico era bico para o Ivo. Ele trabalhava pesado em desenvolvimento técnico, buscando soluções inovadoras, enxergando sempre à frente do nosso tempo. Ivo acreditava que talento, estudo e trabalho constituíam a combinação perfeita para o avanço tecnológico, acreditava em nosso país, nossas instituições, nossa capacidade. Acompanhei de perto o desenvolvimento - idealizado e elaborado pelo Ivo - de vários softwares, alguns usados até hoje usados na Petrobras: GERESIM, POSPROC, PRODEX, programas de visualização gráfica com estereoscopia, rotinas de vetorização  e paralelização de “solvers” para simuladores de reservatório, efetivamente implantados. 

Os simuladores de reservatório, são programas de computador complicadíssimos, com mais de 100 mil linhas de código. Trabalhávamos com vários desses softwares, comercializados por empresas de software americanas e canadenses, usados pelos engenheiros de reservatório da Petrobras. A licença de uso que tínhamos incluía o acesso aos códigos fonte. Sendo assim, quando um colega ligava reportando um problema, Ivo abria o código fonte, que conhecia como ninguém, desvendava onde estava a falha no programa, implementava a solução e enviava a solução pronta para a empresa que desenvolveu o software. Não foram poucas as vezes que presenciei o Ivo ensinando a programadores estrangeiros, das empresas responsáveis pelos softwares, onde estavam os problemas e como corrigi-los. E dando sugestões sobre como aperfeiçoar os programas, para que rodassem mais rapidamente em nossas máquinas. 
O esforço do Ivo permitiu que a atividade de simulação de reservatórios na Petrobras desse um enorme salto. Se antes tínhamos que analisar os resultados de cada rodada de simulação folheando páginas e páginas de formulário corrido (era nossa rotina), após a implantação do pós-processador desenvolvido pelo Ivo, nosso trabalho exigia apenas a análise de gráficos e mapas. E o pós processador era tão esperto que permitia programar, ou seja, podíamos codificar as propriedades ou combinação de propriedades que desejávamos exibir, em gráficos ou em mapas. Genial. Lembro com saudades do Ivo desenvolvendo estes softwares de visualização em uma sala fechada, sem janelas, e o prazer com que ele nos mostrava os avanços que ia conseguindo. Período muito feliz. As ideias destes softwares de visualização foram, anos mais tarde, incorporadas aos softwares comerciais de empresas estrangeiras. Entretanto, mesmo quando contávamos com estes softwares integrados, continuamos por muitos anos a usar os softwares desenvolvidos pelo Ivo, pois eram muito mais amigáveis e completos. 
Lembro com muita saudade as incontáveis vezes que saíamos da Petrobras falando sobre os problemas e soluções de determinados softwares. Ivo sempre no jeitão dele, calça jeans, tênis, camisa polo, e uma inteligência privilegiada. Foi, com certeza, um dos melhores amigos que tive em toda a minha vida.  Já disse outras vezes, mas procurei pautar toda a minha carreira pelo que ele sempre nos transmitiu: muito trabalho, confiança, respeito, dedicação e ética. Ivo era, como em uma das músicas do Milton, “uma daquelas pessoas que a gente espera, que chega trazendo a vida, sem preocupação”. Nada mais verdadeiro. 
Em 2002 Ivo saiu da Petrobras. Era uma época em que o desenvolvimento de softwares “in-house” foi desestimulada e ele preferiu, corajosamente, buscar outros desafios.  À época ele já era Mestre e Doutor em matemática pela UFRJ, títulos que conseguiu obter conciliando com o trabalho, estudando à noite e nos fins de semana. Participou de um concurso para professor de matemática na UFRJ e não deu outra: primeiro lugar !!! mesmo tendo caído na prova assuntos que ele não conhecia muito, segundo ele nos confidenciou depois. Uma curiosidade: quando Ivo estava cursando o mestrado ou doutorado, não lembro bem, me convidou para assistir como ouvinte a cadeira de elementos finitos na UFRJ, na qual eu tinha muito interesse. As aulas ocorriam em um anfiteatro e me chamava a atenção que todos os alunos sentavam em volta dele e, quando tinham dúvidas, perguntavam a ele, não ao professor. Ivo, com aquela diplomacia, deixava para responder depois da aula, quando o professor já tinha ido. Só pessoas muito especiais conseguem isso. Nunca conheci alguém igual. 



Nos últimos 12 anos, em que o Ivo atou como professor da UFRJ, tivemos pouco contato. Almoçamos juntos algumas vezes, e por conta dos horários que nunca batiam, nos falávamos pouco. Por vezes, com saudade, cheguei a ir à UFRJ e bater à porta da sala dele, mas vida de professor não é fácil, e quase sempre nos desencontrávamos. Se eu pudesse voltar no tempo, teria insistido mais, muito mais. O fato é que, só de saber que o Ivo estava aqui por perto, na UFRJ, eu ficava tranquilo, pois certamente nos encontraríamos qualquer hora para colocar a conversa em dia. Neste tempo em que Ivo atuou na UFRJ fiquei sabendo que ele dava aulas à noite no Fundão, de graça, para o pessoal da Maré que se preparava para o vestibular. E saia de lá junto com ônibus e outros carros, para evitar problemas. Só ele. 

Quando consegui absorver e aceitar a passagem do Ivo, lembrei muito da morte de Mozart, em 1791, que é considerada a maior perda da música em todos os tempos. A passagem do Ivo é uma perda inestimável para o país, para a ciência, para nós, seus amigos, sua família e para as novas gerações, que encontraram nele um brasileiro exemplar, que sempre acreditou em nossa capacidade, idealista, genial e humilde. Numa época em que vemos muitos líderes em nosso país atuarem de forma arrogante e anti-ética, é cada vez mais necessário o exemplo de líderes de verdade, líderes pelo exemplo, como foi o Ivo. Guardo para sempre as melhores lembranças do período que convivemos, contando um pouco do que com ele aprendi aos mais jovens. Você faz falta, amigo, muita falta. Fica com Deus. 

Antonio Carlos Capeleiro Pinto 

21 de março de 2014.

Ele está, sem dúvida, com Deus, e este está engrandecido com sua companhia....


Ivo, em primeiro plano, com os amigos do SESIR, 2002

2 comentários:

  1. Tocante o depoimento do Pinto, com também tinha sido o seu Homero. Bela e merecida homenagem a esse excepcional petroleiro, num momento em que exemplos e gente como o Ivo nos fazem tanta falta.
    Camargo

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  2. Verdadeiramente tocante o seu depoimento e o do Antonio Carlos Capeleiro Pinto.

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