Em uma reunião hoje pela manhã
alguém disse sobre a possibilidade de as pessoas viverem para sempre,
ainda no campo carnal,
imaginavam como seria problemático ter lugar pra todo mundo,
então, claro, lembrei-me deste livro
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'As Intermitências da Morte' é o seu nome.
Que (sara)mago das idéias e das palavras!!!!
Imagina o mestre como seria se a morte desse um descanso, e ambienta o fenômeno em uma monarquia com dez milhões de súditos, fronteiriça a três países, sem passagem para o mar, como se de repente, as pessoas daquele país, e somente daquele reino, parassem de morrer... E imagina as conseqüências que isso provocaria, nas casas funerárias, nos hospitais, na igreja, nas casas das pessoas que receberiam os moribundos que sobrassem dos hospitais, nas contas pecuniárias do governo, num Estado com um rei eterno, e mesmo no sub-mundo do crime, que certamente se aproveitaria da situação para faturar ainda mais!
E explica-nos a situação com seu estilo todo saramágico de escrever. Aliás, nos brindou nesse livro com uma descrição do seu estilo, de próprio punho, apensa a uma reportagem sobre uma carta escrita pela personagem principal do livro. Da carta, critica-se a caligrafia dispersa, mas
"como um defeito menor à vista de sua sintaxe caótica, da ausência de pontos finais, do não uso de parêntesis absolutamente necessários, da eliminação obsessiva dos parágrafos, da virgulação aos saltinhos, e, pecado sem perdão, da intencional e quase diabólica abolição da letra maiúscula...".Bem, para qualificar melhor a 'confissão' do autor, a ausência não é apenas de pontos finais, e sim de qualquer outra pontuação que não seja o ponto ou a vírgula, afinal não encontrarás quaisquer pontos de interrogação, de exclamação, nem um mero dois pontos muito menos o simpático ponto e vírgula. E acresceria que a obsessão com a eliminação de parágrafos causa a criação de alguns daqueles entes com duas, três, até quatro páginas, num fôlego só, meandrando diálogos separados por meras vírgulas, causando em alguns momentos a necessidade de se relê-los inteiros para uma melhor percepção de sua idéia. E finalmente, informaria que não apenas as maiúsculas iniciais são eliminadas dos nomes próprios, mas também os números em si, destinados a aparecerem no texto apenas em suas descrições por extenso...
Brilhante!
Como também foi brilhante e emocionante a guinada no texto, em seu quarto final, quando parecia que a coisa fora solucionada, mas é retomada a todo vapor. Incrível como um livro que já estava maravilhoso, consegue ficar ainda melhor. Nesses últimos e surpreendentes capítulos, ele apresenta uma singela, ao mesmo tempo enorme homenagem à música, sua profundidade, sua extensão, seu poder de mudar o mundo. Emociona a relação de um homem com seu cão, de um músico com seu instrumento, de um solitário com sua solidão. Impressionou-me a passagem abaixo ...
"O homem moveu-se, talvez sonhasse, talvez continuasse a tocar as três peças de schumann e lhe tivesse saído uma nota falsa, um violoncelo não é como um piano, o piano tem as notas sempre nos mesmos sítios, debaixo de cada tecla, ao passo que o violoncelo as dispersa a todo o comprido das cordas, é preciso ir lá buscá-las, fixá-las, acertar no ponto exacto, mover o arco com a justa inclinação e com a justa pressão, nada mais fácil, por conseguinte, que errar uma ou duas notas quando se está a dormir."
.... em que descreve, de forma clara, a dificuldade, que eu sempre admirei, que é exprimir-se em um instrumento de cordas sem a providencial ajuda dos trastes, que delimitam os tons, como nos violões.
E só pra terminar, termino dizendo que o livro termina com uma frase terminal que me deixou terminantenmente arrepiado durante vários intermináveis minutos...
Agora entendo a declaração de Felipe ao recomendar o livro a mim: "Quando terminei, deu vontade de abraçar Saramago!".
Junto-me a ele nessa vontade.
Infelizmente, à época de sua recomendação, ainda poder-se-ia fazê-lo fisicamente, abraçar o escritor pessoalmente.
Agora, só quando nos encontrarmos no nosso lar...... se ele já não tiver voltado...
Um adeus nada violeta pra vocês (pra entender, só lendo o livro...)
Homero Doido Para Ler Mais Saramago Ventura
" (...) Não ficaram cinzas. A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu."
ResponderExcluirOi Dr. Homero.
Tb sou fã do escritor. Comecei com "Ensaio sobre a cegueira" (o livro, não o filme que é ruim).
E tb tenho em minha pequenina biblioteca particular as "Intermitências da Morte".
Agora falta disciplina (leia-se arrumar tempo) para ler "O evangelho segundo Jesus Cristo", "A viagem do elefante" e "Caim", que me aguardam ansiosamente na prateleira da estante.
Um abç
Homero nem te conto que no momento estou a ler Memorial do Convento do Saramago (ou Saramágico como você muito felizmente nomeou). Antes deste foi "A viagem do Elefante" que dispensa comentários, penso que esse homem nunca errou ao escrever.
ResponderExcluirCaso você como eu seja fan (o teclado aqui nao tem "til" só "ñ") dos escritores portugueses experimente aquele que escreve como quem pinta um quadro: Eça de Queiroz (meu preferido) e se puder recomendar só mais um pouquinho leia A cidade e as Serras, uma ode à indispensável simplicidade.
Viu só? você acaba deixando seus leitores metidos a escritores e "recomendadores de filmes e livros".
ps. Aliás já foi ver o segredo dos seus olhos?
Homero nem te conto que no momento estou a ler Memorial do Convento do Saramago (ou Saramágico como você muito felizmente nomeou). Antes deste foi "A viagem do Elefante" que dispensa comentários, penso que esse homem nunca errou ao escrever.
ResponderExcluirCaso você como eu seja fan (o teclado aqui nao tem "til" só "ñ") dos escritores portugueses experimente aquele que escreve como quem pinta um quadro: Eça de Queiroz (meu preferido) e se puder recomendar só mais um pouquinho leia A cidade e as Serras, uma ode à indispensável simplicidade.
Viu só? você acaba deixando seus leitores metidos a escritores e "recomendadores de filmes e livros".
ps. Aliás já foi ver o segredo dos seus olhos?
Homero
ResponderExcluirDescobri ha' menos de 1 mes que meu irmao faz review de livros e tem um blog. Porque voce nao pensa em criar um? Ele recebe livros gratis de algumas editoras. Se interessar, veja no seguinte endereco:
http://booksandmoviesreviews.blogspot.com
Se voce quiser entrar em contato com ele, veja e-mail copiado.
caro Homero
ResponderExcluirno seu excelente artigo descobri que tenho os mesmos "defeitos(?)" de caligrafia deste senhor (letras minúsculas, falta de parágrafos entre outros, só que sou tarado por parênteses!!)
lamentavelmente esquecerem de me incutir na alma, no sangue, na carne e sei lá mais aonde, a genialidade deste escritor português que escreve e desenvolve temas tão interessantes
dele só li "ensaio sobre a cegueira" e ainda falta um pedacinho...
bração
Já tinha lido esse, o próximo da lista é "O evangelho segundo Jesus Cristo".
ResponderExcluirGosto muitíssimo do autor também!
Bom dia!
Você sabe que o único livro do Saramago que eu li (sou um leitor pouco assíduo...) foi Memorial do Convento e em espanhol....Está anotado este para ser o próximo...
ResponderExcluirAbraços desde o Metropolitan...
Grande Homero,
ResponderExcluirConfesso que não tenho encontrado prazer ao ler obras de alguns agraciados com Nobel. Eu particularmente acho Jose Saramago muito chato de ler, com estilo rebuscado e de difícil compreensão.
Recentemente tive a mesma impressão com dois livros do turco Ohran Pamuk, Neve e Instambul, mas por motivo diferente: narrativas lentas.
Considerando os aplausos generalizados, o problema certamente esta em minhas limitações.